Rafael Henrique Dias Sales, advogado
sindical, especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Sumário
RESUMO
O presente trabalho tem cunho científico, e
visa fazer um paralelo entre as formas de enquadramento sindical previstas no
Projeto de Lei 4330, que trata da terceirização, e as formas de enquadramento
sindical existentes na legislação vigente, apontando se há compatibilidade
entre os modelos ou se há divergências que impossibilitariam à aplicação de uma
ou de outra norma de forma concomitante, em especial a luz do princípio da
unicidade sindical. Para tanto, serão destacados os modelos de enquadramento
sindical existentes, bem como os novos modelos previstos no PL 4330, a partir
da análise literal das normas que envolvem a matéria, bem como das
interpretações dadas pela doutrina e Jurisprudência derredor da questão. Em
cada tópico será feita uma análise dos possíveis questionamentos que poderão
surgir, bem como algumas reflexões, ainda que perfunctórias, sobre as
consequências dessa nova regulamentação para a representação dos entes
sindicais e para os trabalhadores brasileiros. Necessário informar que alguns dos
questionamentos ainda não têm respostas conclusivas, tendo em vista que a matéria
é bem recente, todavia, já servem para instigar as profundas reflexões que o
assunto terá nos anos que virão, caso o projeto de lei seja efetivamente
aprovado e passe a integrar o ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chave:
Enquadramento sindical; Projeto de Lei 4330; Representação sindical;
Terceirização; Unicidade Sindical.
1. INTRODUÇÃO
Está em debate no
Congresso Nacional o Projeto de Lei 4330, que tem sido chamado de PL da
Terceirização. Esse epíteto foi dado porque o projeto busca regulamentar a
terceirização no país, mas mais que isso, visa expandir o campo de atuação de
empresas que terceirizam serviços para outras empresas.
Pelas regras atuais, o
TST tem entendimento[i] de
que apenas pode haver a terceirização nas atividades-meio, ou seja, nos
serviços secundários das empresas, que são aqueles que não têm ligação direta
com a produção ou principal atividade do estabelecimento terceirizado. São
exemplos clássicos de atividades-meio os serviços de limpeza, vigilância e
conservação, desde que estas não sejam as atividades principais da empresa que
está sofrendo a terceirização.
Esse debate entre a
possibilidade de extensão da terceirização para as atividades-fim das empresas
tem sido bem acalorado, sendo o principal alvo de críticas de algumas centrais
sindicais, que não querem a aprovação deste Projeto, já que, segundo informam,
o Projeto aumentaria o número de trabalhadores terceirizados no país, e,
consequentemente, o número de acidentes de trabalho e a redução de salários,
pois, conforme fontes informais que elencam, os trabalhadores de empresas que
terceirizam serviços recebem salários inferiores e sofrem mais acidentes de
trabalho.
A margem de toda está
questão, recentemente, alguns sindicalistas, especialmente ligados a sindicatos
que representam trabalhadores de indústrias, portanto, com grandes chances de
sofrer com a terceirização, começaram a questionar como seria a representação
sindical dos trabalhadores terceirizados, caso o Projeto de Lei 4330 venha a
ser aprovado, e se essa terceirização refletirá em suas bases de representação,
especialmente em face da criação de sindicatos representantes de trabalhadores
terceirizados.
Após ser feita uma
análise do Projeto de Lei em questão, percebe-se que a própria norma a ser
votada trouxe a previsão para dar essa resposta, todavia, a representação
formal conforme estipulada, criará um embaraçoso modelo de enquadramento
sindical, onde ora os trabalhadores terceirizados serão representados pelo
sindicato dos trabalhadores empregados das empresas que estão contratando a
terceirização, ora eles poderão ser representados por sindicatos específicos de
terceirizados, dependendo das atividades que exerçam na empresa. Além disso,
fica o questionamento se os terceirizados passarão a ser uma categoria diferenciada,
já que a atividade está sendo regulamentada, pois, nesse caso, a representação sindical
de todos os trabalhadores, independentemente de qual atividade exerçam na
empresa, sempre seria do sindicato dos terceirizados, caso existente.
Assim, no intuito de
gerar reflexões sobre o tema, tendo em vista a novidade e o breve período de
discursão até então obtido, segue o presente trabalho, que buscará de forma
objetiva destacar a importância da representação sindical e suas consequências
no cotidiano de trabalhadores e sindicatos, bem como explanar sobre as atuais
formas de enquadramento sindical no Brasil, utilizando para tanto a legislação
e a jurisprudência, além de apresentar a nova forma de enquadramento sindical trazida
pelo Projeto de Lei 4330, fazendo um paralelo entres os modelos e destacando eventuais
antinomias aparentemente existentes, informando qual norma deve prevalecer em
cada caso, especialmente em face do princípio da unicidade sindical, que limita
a representação do trabalhador a apenas um sindicato.
2. ENQUADRAMENTO SINDICAL E O PRINCÍPIO
DA UNICIDADE SINDICAL. REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES TERCEIRIZADOS.
O termo representação
sindical tem íntima ligação com o conceito de enquadramento sindical, que
significa definir a qual sindicato determinada categoria de trabalhadores
pertence. De logo, registre-se que embora no Brasil exista a figura do
sindicato patronal, esse trabalho se limitará a fazer referências aos
sindicatos laborais.
No modelo sindical
brasileiro, esse enquadramento torna-se ainda mais importante em face da
escolha do legislador constituinte, que adotou como regra o princípio da
unicidade sindical (art. 8º, II da CF/1988)[ii],
segundo o qual apenas pode existir um único sindicato que represente
determinado grupo de trabalhadores.
Destarte, o enquadramento
sindical é essencial para que a classe obreira saiba quem são seus legais
representantes e, consequentemente, saiba qual sindicato tem legitimidade
formal para lhes representar judicial e administrativamente, nos termos do
artigo 8º, III, da Constituição Federal. Essa representação, por exemplo, conforme
destaca Cassar (2014, pág. 1219), legitima o sindicato a ajuizar ações
coletivas em substituição processual aos trabalhadores por si representados,
bem como a firmar Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho representando tais
trabalhadores, demonstrando assim sua elevada importância.
Por outro lado,
analisando a questão sob a ótica das entidades sindicais, o enquadramento
sindical é altamente relevante do ponto de vista financeiro, pois no atual
modelo de custeio do sistema sindical brasileiro, os entes sindicais, dentre
outras fontes, são beneficiários da contribuição sindical compulsória, que é
paga por todos os trabalhadores ligados à sua base de representação,
independentemente de serem filiados ou não.
Esses fatos,
resumidamente, já demonstram a relevância da temática que envolve a
representação sindical tanto para os trabalhadores quanto para os sindicatos.
Pois bem, caminhando à
margem desse sistema de representação e custeio, há um crescente aumento das
empresas de terceirização, e, consequentemente, dos denominados trabalhadores
terceirizados. Todavia, com a possibilidade de aprovação do PL 4330, começaram
a surgir preocupações em torno da abertura para um exponencial aumento do
número desses trabalhadores, sem qualquer precedente na história brasileira.
Essa possibilidade tem
gerado algumas preocupações, que podem ser sintetizadas nas seguintes
indagações: será que os terceirizados podem ser considerados como uma categoria
profissional? Qual sindicato deve lhes representar?
Antes mesmo de vir à tona
toda a discussão derredor do PL 4330, que, diga-se de logo, trata dos
questionamentos retro realizados, o preclaro ministro do TST, prof. Maurício
Godinho Delgado (2011, pág. 75/76), já lecionava sobre os problemas de
representação sindical envolvendo os trabalhadores terceirizados, conforme
transcrição a seguir:
O fenômeno da
terceirização, entre as inúmeras dificuldades que traz à sua regulação
civilizatória pelo Direito do Trabalho, apresenta ainda manifesto desajuste à
estrutura do sistema sindical do país, fundado na ideia matriz da categoria. É
que os trabalhadores terceirizados não constituem, do ponto de vista real e sob
a ótica jurídica, uma categoria profissional efetiva, uma vez que não
apresentam, regra geral, similitude de condições de vida oriunda da profissão
ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em
atividades econômicas similares ou conexas, (compondo) a expressão social elementar
compreendida como categorial profissional (art. 511, § 2º, CLT).
(...)
A representação
sindical, neste caso particular, tem de ser atendida alternativamente, quer
pelo sindicato de trabalhadores terceirizados, se houver, quer pelo sindicato
profissional referenciado à empresa tomadora de serviços, sob pena de se negar
a tais obreiros um direito constitucional fundamental, concernente à livre e
eficaz representação sindical.
Como se vê, até mesmo
antes da questão vir à tona com a força que atualmente está tendo, já era fruto
de preocupação dos juristas trabalhistas do país, já que a representação
sindical dos trabalhadores terceirizados causará enormes repercussões no
cotidiano destes e das entidades sindicais.
Nesta senda, de forma a
melhor facilitar a compreensão da questão, serão destacados adiante os modelos
de enquadramento sindical vigentes no Brasil, e, em seguida, será feito um
paralelo com as propostas de enquadramento sindical constantes no PL 4330, sendo
destacados os desdobramentos dos questionamentos suso apresentados, de modo a
repercutir as primeiras impressões do possível novel modelo.
3. FORMAS DE ENQUADRAMENTO SINDICAL VIGENTES NO BRASIL.
Pela
normatização atualmente vigente no Brasil, em especial na Consolidação das Leis
do Trabalho – CLT, existem três formas distintas de realizar o enquadramento
sindical dos trabalhadores, a regra é que esse enquadramento seja feito de
acordo com a atividade preponderante da empresa, conforme leciona (MARTINS,
2013), existindo exceções quando não existir uma atividade predominante ou
quando se tratar de categoria diferenciada.
De forma a melhor
compreender cada tipo de enquadramento em questão, seguem breves explanações.
3.1. ENQUADRAMENTO PELA ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA.
A
regra geral é que os trabalhadores de determinada empresa sejam representados
pelo sindicato que alberga as atividades preponderantes do empregador. Essa é a
conclusão que se chega após a leitura do art. 511, §§ 1º e 2º, da CLT, que
dispõem:
Art. 511. É lícita a associação para fins
de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais
de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores
autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade
ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.
§ 1º A solidariedade de interesses
econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas,
constitue o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
§ 2º A similitude de condições de vida
oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma
atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a
expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
Destarte,
especialmente após a leitura do § 2º acima transcrito, percebe-se que o
primeiro critério para saber o enquadramento sindical dos trabalhadores, para
formar a expressão social elementar a compreender a categoria profissional, diz
respeito à atividade preponderante da empresa. Assim, por exemplo, se a empresa
é uma indústria têxtil, logo, os trabalhadores dessa empresa, em regra, serão
representados pelo sindicato dos trabalhadores na indústria têxtil local.
Corroborando
com as conclusões ora apresentadas, após a leitura da norma acima transcrita,
urge destacar os seguintes ementários Jurisprudenciais, que bem informam o
entendimento dos Tribunais Pátrios acerca da matéria em análise:
ENQUADRAMENTO SINDICAL. ATIVIDADE PREPONDERANTE DO
EMPREGADOR. Predomina no sistema jurídico brasileiro a regra segundo a qual o
enquadramento sindical dos empregados se faz em função da atividade
preponderante do empregador.
(TRT-5 - RecOrd: 00002885320135050025 BA
0000288-53.2013.5.05.0025, Relator: LUÍZA LOMBA, 2ª. TURMA, Data de Publicação:
DJ 09/02/2015.)
RECURSO ORDINÁRIO. ENQUADRAMENTO SINDICAL. ATIVIDADE
PREPONDERANTE DO EMPREGADOR. Ainda que o objeto social da empresa compreenda
áreas distintas de atuação, seu enquadramento sindical faz-se de acordo com a
atividade preponderante por ela desenvolvida, na esteira do que preceitua o
artigo 511 da CLT.
(TRT-1 - RO: 18837420125010206 RJ , Relator: Flavio
Ernesto Rodrigues Silva, Data de Julgamento: 04/09/2013, Décima Turma, Data de
Publicação: 20-09-2013)
ENQUADRAMENTO SINDICAL ATIVIDADE PREPONDERANTE DA
EMPREGADORA - O enquadramento sindical da categoria profissional dos
trabalhadores da reclamada é feito de acordo com a atividade preponderante da
empresa - artigo 581, parágrafo segundo, da CLT.
(TRT-2 - RO: 1013000220085020 SP 01013000220085020080,
Relator: ROSANA DE ALMEIDA BUONO, Data de Julgamento: 14/05/2013, 3ª TURMA,
Data de Publicação: 21/05/2013)
Como
visto, o enquadramento sindical do trabalhador pela atividade preponderante da
empresa é a regra, todavia, o assunto ainda comporta algumas exceções, que
serão tratadas a seguir.
3.2. ENQUADRAMENTO EM FACE DA INEXISTÊNCIA DE
ATIVIDADE PREPONDERANTE NO EMPREGADOR.
Com
a globalização mundial, algumas empresas tem se expandido e se aperfeiçoado
cada vez mais. Assim, empresas que inicialmente tinham uma atividade
preponderante bem definida começaram a se diversificar e a criar raízes em
outros ramos, que também passaram a ter a mesma importância da atividade antes
tida como preponderante.
Nesses
casos, surge a dúvida: E quando não for possível definir a atividade
preponderante da empresa? Esse questionamento é cada vez mais frequente, mas a
jurisprudência pátria já têm buscado soluções para o tema.
Bem,
da análise dos entendimentos judiciais sobre a questão, que mais adiante serão
destacados, tem-se chegado à conclusão de que uma empresa pode ter mais de uma
atividade principal e não apenas uma atividade preponderante.
Nesses
casos, por exemplo, se uma empresa investe na indústria têxtil e de calçados, a
parte dos trabalhadores ligados à primeira atividade será representada pelo
sindicato dos trabalhadores têxteis e a parte dos trabalhadores ligados à
segunda atividade será representada pelo sindicato dos trabalhadores da
indústria dos calçados.
Ou
seja, numa mesma empresa, haverão trabalhadores representados por duas
entidades sindicais distintas, sendo que o enquadramento sindical destes
obreiros corresponderá à atividade que eles desenvolverem no estabelecimento.
Neste
sentido, destaque-se os caminhos percorridos pela jurisprudência que emana dos
Tribunais Pátrios:
ENQUADRAMENTO SINDICAL. INEXISTÊNCIA DE ATIVIDADE
PREPONDERANTE. Prevendo o contrato social da empresa atuação em diversas
atividades, sem evidências de preponderância entre elas, divisa-se que o
enquadramento sindical, para efeito de aplicabilidade de normas coletivas,
assemelha-se à hipótese contida no art. 581, § 1º, da CLT, situação que
direciona o requisito da prevalência para os serviços prestados pelo
reclamante.
(TRT-6 - RO: 1312122010506 PE 0001312-12.2010.5.06.0020,
Relator: Hugo Cavalcanti Melo Filho, Data de Publicação: 27/10/2011)
TRT-PR-06-12-2011 EMENTA: ENQUADRAMENTO SINDICAL.
DIVERSIDADE DE ATIVIDADES. INEXISTÊNCIA DE ATIVIDADE PREPONDERANTE. NORMA
COLETIVA DE TRABALHO APLICÁVEL. Quando a empresa não desenvolve uma atividade
preponderante, deve ser aplicada a norma coletiva correspondente àquela
desenvolvida pela reclamante, nos termos do disposto no artigo 158, parágrafo
1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Recurso ordinário do reclamante
conhecido e provido, neste aspecto.
(TRT-9 2322200995908 PR 2322-2009-95-9-0-8, Relator:
ALTINO PEDROZO DOS SANTOS, 3A. TURMA, Data de Publicação: 06/12/2011)
Destarte,
como se percebe, no caso da empresa não possuir uma atividade preponderante,
deverá prevalecer o enquadramento sindical pela atividade desempenhada pelo
empregado em análise.
Não
obstante a conclusão acima, cabe destacar que ainda há outra exceção, trazida
pelo art. 511, § 3º, da CLT, que trata da possibilidade de criação de entidades
sindicais de categorias diferenciadas, que são àquelas regulamentadas, como,
por exemplo, os engenheiros, advogados, veterinários, fisioterapeutas etc.
Uma
grande cizânia ocorre quando há na empresa profissionais pertencentes à
categoria diferenciada, tema que será tratado a seguir.
3.3. ENQUADRAMENTO SINDICAL POR CATEGORIA DIFERENCIADA.
No
ordenamento jurídico pátrio, a categoria diferenciada tem previsão e definição
no art. 511, § 3º da CLT, que dispõe:
§ 3º
Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam
profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial
ou em consequência de condições de vida singulares.
Tratando
sobre o tema, destaque-se os ensinamentos de Delgado (2013, pág. 1.364):
“Esse tipo de associação tem recebido
o epíteto de sindicatos horizontais, porque se estendem no mercado de trabalho
em meio a várias e distintas empresas, atingindo apenas certos trabalhadores
dessas entidades econômicas, exatamente aqueles que guardam e exercem a mesma
profissão. Sua extensão no mercado laborativo é horizontal em relação aos
inúmeros empregadores existentes, uma vez que, raramente, eles abrangem todos
os trabalhadores de uma mesma empresa ou estabelecimento.”
Como
se vê, em síntese, categoria profissional diferenciada é aquela constituída por
trabalhadores que tem sua profissão regulamentada por estatuto profissional
especial, geralmente previsto em lei.
São
exemplos de categoria diferenciada os advogados, que tem a atividade
regulamenta pela Lei Federal 8.906/94; os engenheiros e arquitetos, que são
regulamentados pela Lei Federal 5.194/66; os fisioterapeutas, que são
regulamentados pela Lei Federal 6.316/75; os motoboys e moto-taxistas, que são
regulamentados pela Lei Federal 12.009/2009, dentre várias outras profissões.
Nesse
caso, quando o trabalhador pertencer a uma categoria diferenciada, não importa
a atividade preponderante da empresa, ele sempre será representado pela
entidade sindical ligada àquela profissão. Exemplificando, não importa se um
engenheiro (categoria diferenciada) trabalhe numa indústria de alimentos, de
calçados ou qualquer outro setor, ele sempre será representado pelo sindicato
dos engenheiros, e não pelo sindicato que representa a atividade preponderante
da empresa em que ele trabalha.
Destarte,
estes são os parâmetros de representação sindical até então vigentes no modelo
sindical brasileiro. Como informado, a seguir será abordado o modelo trazido
pelo PL 4330, fazendo-se um paralelo entre os modelos, e apresentando suas
incongruências e questionamentos ao redor da matéria.
4.
ENQUADRAMENTO SINDICAL PREVISTO NO PROJETO DE LEI 4330. QUESTIONAMENTOS
INICIAIS SOBRE O TEMA.
Como dito anteriormente, a legislação
brasileira atual comporta as três formas de enquadramento sindical profissional
acima destacadas, estabelecendo a regra e as exceções. Entretanto, o polêmico
Projeto de Lei 4330, que visa regulamentar a terceirização no país, inverte as
prioridades, conforme destaques adiante, acarretando, por corolário, em alguns
questionamentos. O atual texto do Projeto em questão, que foi aprovado pela
Câmara Federal, com algumas alterações, em 22 de abril de 2015, tratando sobre
enquadramento sindical na terceirização, em seu art. 8º, estabeleceu o seguinte:
Art. 8º Quando o contrato de
prestação de serviços especializados a terceiros se der entre empresas que
pertençam à mesma categoria econômica, os empregados da contratada envolvidos
no contrato serão representados pelo mesmo sindicato que representa os
empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Da leitura do artigo acima transcrito,
chega-se a alguns questionamentos: 1. O Projeto de Lei estabelece que a empresa
terceirizada seja especializada em apenas um tipo de serviço (art. 2º, III),
dessa forma, sempre haverá coincidência entre o sindicato dos terceirizados e o
sindicato dos trabalhadores efetivos? 2. A terceirização está sendo
regulamentada, esse fato não torna os trabalhadores terceirizados como de
categoria diferenciada? 3. Como ficará o enquadramento sindical nesses casos? Estes são alguns dos questionamentos
que serão abordados adiante, sempre com algumas reflexões e impressões, ainda
que perfunctórias.
4.1. ANÁLISE DA REGRA DO ARTIGO 8º DO PROJETO DE LEI 4330, QUE CRIA UM NOVO MODELO DE
ENQUADRAMENTO SINDICAL.
Tentando responder ao primeiro
questionamento acima realizado, necessário antes destacar o que estabelece o
art. 2º, III do Projeto de Lei 4330, que trazendo a definição de empresa
terceirizada contratada, estabelece o seguinte:
III - contratada: as associações,
sociedades, fundações e empresas individuais que sejam especializadas e que prestem serviços determinados e
específicos relacionados a parcela de qualquer atividade da contratante
e que possuam qualificação técnica para a prestação do serviço contratado e
capacidade econômica compatível com a sua execução. (grifos acrescidos)
Como
se vê, as empresas que serão contratadas para prestar os serviços terceirizados
têm que ser especialistas e desenvolver apenas um determinado trabalho para a
contratante. Assim, há grandes chances dessa empresa terceirizada realizar os
mesmos serviços da empresa que está terceirizando sua produção. Por exemplo, se
uma indústria têxtil resolver terceirizar todo o setor de tecelagem, terá que
contratar uma empresa especializada nesse setor, portanto, as duas, contratante
e contratada, desenvolverão a mesma atividade econômica, o que, segundo o art.
8º do Projeto de Lei, faz incidir o mesmo enquadramento sindical e
conseguintemente a mesma representação sindical.
Destarte, nessa primeira hipótese, terceirizados e
empregados efetivos teriam o mesmo enquadramento sindical, sendo assim
representados pela mesma entidade sindical. Vale destacar que no texto base
aprovado em 08 de abril de 2015, nesse mesmo artigo 8º, havia determinação de
que fossem observados os acordos e as convenções coletivas de trabalho.
Todavia, no texto final da Câmara, aprovado em 22 de abril de 2015, após
ajustes, essa determinação de observar os instrumentos coletivos de trabalho foi
retirada.
Esse fato, em nossa concepção, escancara o intuito
do Projeto de Lei buscar precarizar ainda mais as relações de trabalho, sempre
em detrimento da classe trabalhadora, pois antes previa a aplicação dos
instrumentos coletivos aos terceirizados e sorrateiramente retirou esta
previsão.
Feita está breve observação, voltando ao cerne, numa
segunda hipótese, pode ser que essa mesma indústria têxtil contrate uma empresa
para terceirizar o seu setor administrativo, nesse caso, a área terceirizada
não tem relação com a atividade principal da empresa, assim, aplicando a regra
da especialização, a empresa contratada não teria a mesma atividade econômica
da empresa contratante, não podendo assim o sindicato da atividade
preponderante representar os trabalhadores terceirizados, pois não estaria
preenchido o requisito da mesma área econômica, previsto no art. 8º do PL 4330.
Esse fato pode ocasionar perdas significativas para
os trabalhadores deste setor, que por serem terceirizados, não gozarão dos
benefícios (ACT e CCT) e da “força” do sindicato dos trabalhadores efetivos. De
outro lado, agravando a situação também para os entes sindicais, essa regra
retirará parte da representação do sindicato dos trabalhadores efetivos, que
não poderão representar os trabalhadores terceirizados, já que a atividade
econômica da contratante e da contratada serão distintas.
Esse fato, sem dúvidas, ocasionará ainda a
proliferação de várias entidades sindicais de trabalhadores terceirizados pelo
Brasil, pulverizando cada vez mais as categorias profissionais, enfraquecendo
assim a luta conjunta da classe laboral.
Tais fatos
são extremamente preocupantes, oriundos de uma possível norma que de uma só vez
visa mitigar direitos laborais e direitos sindicais, posto que a redação do
artigo em análise dá margem para as interpretações acima realizadas.
4.2 TERCEIRIZAÇÃO. CATEGORIA DIFERENCIADA? APARENTE
CONFLITO DE NORMAS COM A CLT.
Como visto cima, categoria diferenciada é aquela
que tem um estatuto profissional próprio, geralmente regulamentado por lei. Em
face dessa definição, caso passe a vigorar, pode-se dizer que o Projeto de Lei
4330 terá criado um estatuto próprio para os trabalhadores terceirizados? Essa
questão é muito relevante e talvez possam ser encontradas respostas no sentido
de que sim e no sentido de que não.
A bem da verdade, o que está sendo regulamentado é
a atividade empresarial de terceirização, não sendo possível, em sede de
análise perfunctória, como é o caso deste trabalho, fazer uma reflexão definitiva
sobre o fato desse Projeto de Lei, se aprovado, criar ou não um estatuto do
trabalhador terceirizado. Todavia, isto não impede de que sejam feitas algumas
ilações. Por exemplo, e se estiver sendo criado este estatuto, quais as
consequências disso?
Bem, se for considerado que os trabalhadores
terceirizados passarão a ter uma regulamentação própria com a eventual
aprovação do Projeto de Lei 4330, então, tais trabalhadores passarão a ser uma
categoria diferenciada, de acordo com os moldes previstos no art. 511,§ 3º, da
CLT.
Isso implica dizer que, caso o projeto venha a ser
aprovado, ratifique-se, pode-se estar diante de uma antinomia entre o art. 511,
§ 3º da CLT e o art. 8º do Projeto de Lei 4330. Isso porque a exceção do art.
511, § 3º da CLT traz regra absoluta, ou seja, se o trabalhador pertencer à
categoria diferenciada e existir um sindicato representante dessa categoria, no
caso em análise o sindicato dos trabalhadores terceirizados, este sempre
representará os obreiros caracterizados como terceirizados. Entretanto,
conforme destaques do tópico anterior, o art. 8º do Projeto de Lei 4330 informa
que se a empresa terceirizada atuar na mesma área econômica da empresa
contratante, logo, o sindicato representante da categoria será o sindicato dos
trabalhadores efetivos.
Ou seja, vão existir duas normas especificas e
antagônicas. Ora, o primeiro critério de resolver uma aparente antinomia seria
o critério da especificidade, todavia, no caso em questão, as duas normas são
específicas, cada uma a seu modo. Mas e então, como ficaria a questão? Em nossa
opinião, por ser norma que passou a vigorar posteriormente no ordenamento
jurídico, seríamos obrigados a aceitar que a regra do artigo 8º deve prevalecer
sobre o art. 511, § 3º da CLT, ou seja, a representação do sindicato dos
terceirizados seria transferida para o sindicato dos trabalhadores efetivos, no
caso de haver concomitância entre as atividades econômicas das empresas
contratante e contratada.
De outro lado, a consequência de entender que a
regulamentação da terceirização não iria criar um regulamento próprio dos
trabalhadores terceirizados, é que esta categoria não poderia ser enquadrada
como diferenciada e, portanto, não haveria conflito de normas, nem a
necessidade de interpretações sobre o tema, pois o aparente conflito
sucumbiria.
Estas são apenas algumas
das muitas indagações que ainda vão surgir sobre o tema, sendo feitas estas
breves reflexões que ainda comportarão muitos estudos até que se tenham
conclusões definitivas. Contudo, desde já, cabe o alerta para cada mudança que
possa existir no texto do Projeto de Lei 4330, devendo todos os atores sociais
sindicais estarem “ligados” nas mudanças que possam vir a prejudicar suas
representações e consequentemente os direitos dos trabalhadores brasileiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta maneira,
considerando a lacônica exposição apresentada, pode-se concluir que o
enquadramento sindical é de fundamental importância para os trabalhadores e para
os sindicatos laborais, sendo que a atual legislação brasileira comporta três
formas de ser feito esse enquadramento, e fazendo um paralelo com o Projeto de
Lei 4330, caso aprovado, surgirá um grande turbilhão de questionamentos que
serão enfrentados pelos operadores do direito sindical nos anos que virão,
todavia, ficando de logo claro que haverá grandes perdas de representação para
os atuais sindicados laborais, bem como uma perda de direitos dos trabalhadores
ligados a estes sindicatos, que poderão se tornar terceirizados num futuro
breve.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 24 mai. 2015.
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Lei n.º 12.009, de 29 de julho de 2009. Regulamenta
o exercício das atividades dos profissionais em transporte de passageiros,
“mototaxista”, em entrega de mercadorias e em serviço comunitário de rua, e
“motoboy”, com o uso de motocicleta. Disponível em <
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> Acesso em: 24 mai. 2015.
[i]
Nesse sentido existe a Súmula 331 do Colendo TST.
[ii] II - é
vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau,
representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base
territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores
interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
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