Trechos... texto divulgado...
"Como é cínico culpar a propagação do flagelo pela deplorável inadequação dos recursos médicos mobilizados! Durante décadas, o bem público tem sido minado e o sector hospitalar tem sido vítima de uma política que favorece os interesses financeiros em detrimento da saúde dos cidadãos. Há sempre mais dinheiro para os bancos e cada vez menos camas e cuidadores para os hospitais. Que artimanhas esconderão por mais tempo que essa gestão catastrófica do catastrofismo é inerente ao capitalismo financeiro que é dominante globalmente, e hoje globalmente combatido em nome da vida, do planeta e das espécies a serem salvas."
(...)
"Foi preciso o coronavírus para demonstrar aos mais tacanhos que a desnaturação por razões de rentabilidade tem consequências desastrosas para a saúde universal – a saúde que é gerida sem desarmar uma Organização Mundial cujas preciosas estatísticas escondem o desaparecimento de hospitais públicos? Há uma clara correlação entre o coronavírus e o colapso do capitalismo global."
"Lá fora, o caixão, cá dentro, a televisão, a janela aberta sobre um mundo fechado! É um condicionamento capaz de agravar o mal-estar existencial, jogando com as emoções dilaceradas pela angústia, exacerbando a cegueira da raiva impotente." A cretinização estatal e populista atingiu os seus limites. Não pode negar que uma experiência está em curso. A desobediência civil está a espalhar-se e a sonhar com sociedades radicalmente novas, porque radicalmente humanas. A solidariedade liberta da sua pele de carneiro individualista indivíduos de que já não têm medo de pensar por si próprios."
"O coronavírus fez ainda melhor. A cessação das perturbações produtivistas reduziu a poluição global, poupa a milhões de pessoas uma morte programada, a natureza respira, os golfinhos voltam a brincar na Sardenha, os canais de Veneza purificados do turismo de massas voltam a encontrar água limpa, o mercado bolsista entra em colapso. A Espanha resolve nacionalizar hospitais privados, como se estivesse a redescobrir a previdência social, como se o Estado se lembrasse do Estado social que destruiu."
"O nosso presente não é o confinamento que a sobrevivência nos impõe, é a abertura a todas as possibilidades. É sob o efeito do pânico que o estado oligárquico é forçado a adoptar medidas que ainda ontem decretou impossíveis. É ao apelo da vida e da terra a restaurar que queremos responder. A quarentena é um momento de reflexão. O confinamento não suprime a presença da rua, reinventa-a. Deixem-me pensar, cum grano salis, que a insurreição da vida quotidiana tem virtudes terapêuticas que nunca imaginámos."
17 de março de 2020
Raoul Vaneigem
(https://criticaradical.org/basta-de-capitalismo-de-fim-de-mundo-pelo-fim-do-mundo-do-capitalismo-coronavirus-artigo-de-raoul-vaneigem/)
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