PERSPECTIVAS
DA DESREGULAMENTAÇÃO NA “DEFORMA” TRABALHISTA
(ARTIGO PUBLICADO COMO CAPÍTULO DE LIVRO DE EVENTO INTERNACIONAL)
Clovis Renato Costa Farias[i]
1 Justificativa
A
iniciativa para dispor sobre as perspectivas para o Direito do Trabalho, com
sua natureza protetiva e otimizadora da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III, da Constituição de 1988), em um contexto de forte pressão do mercado e
adesão do Estado a modelos de caráter liberalista, em baixa realização dos
direitos sociais, como demarcado na República Federativa do Brasil na
atualidade, parte de questionamentos acerca do futuro do juslaboralismo
clássico e do retrocesso social.
O tom dado no tema com a
inserção “Deforma” ao invés do propalado pela mídia como “Reforma”, denota a
observação de que o modo indiligente com que foi elaborada a Lei nº
13.437/2017, que, pela amplitude e quantidade de artigos alterados, não
poderia ter seguido o rito célere em que foi realizada, por tratar-se de
verdadeira alteração de Código, como um todo e não mera alteração de
dispositivos. Algo que tem gerado forte teor de insegurança jurídica,
deformação na aplicação jurisprudencial e descompassos sociais nas relações de
trabalho desde sua eficácia.
Objetiva-se a análise
isenta com base no sistema normativo que, em caráter nacional e internacional,
impõem a realização da dignidade nas relações de trabalho, com atuação estatal
para garantir a melhoria das condições de trabalho em meio aos sistemas de
produção e venda de produtos. Contexto em que se inserem, além dos aparelhos
estatais, as entidades de defesa das categorias, em especial, os sindicatos,
federações, confederações e centrais sindicais.
Pretende-se a reflexão
sobre dispositivos que viabilizam acordos individuais em casos históricos em
que a experiência jurisprudencial e legal, até então, reconhecia como
carecedores de proteção e negociação coletiva. Partindo-se da abordagem com a
demarcação das principais perspectivas relacionadas à desregulamentação da
normatização protetiva demarcada na Lei nº 13.467/2017, com ênfase na aplicação
da Hermenêutica Constitucional e da Teoria dos Direitos Fundamentais, nos
termos postados na Constituição de 1988, nas Convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pela República Federativa do
Brasil (Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos) sobre negociação
coletiva, representação dos trabalhadores e dignidade da pessoa humana na
relação laboral.
Para tanto, rememora-se
que direitos fundamentais são proteções dos cidadãos contra arbítrios do
Estado, em sua perspectiva vertical, e contra arbítrios dos próprios cidadãos
contra os que estiverem distanciados contextualmente da igualdade, em se
tratando de eficácia horizontal, esta onde se encontram inseridos os direitos
dos trabalhadores, conforme postado no art. 7º da Constituição.
Ademais, parte-se da
imperativa submissão da lei em tela com relação as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pela República Federativa do
Brasil (Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos), ocupantes da
supralegalidade e da equivalência às normas constitucionais, nos termos do art.
5º, § 3º, da Constituição de 1988. O que se aplica, consequentemente, à normas
constitucionais, em especial ao art. 1º, III (dignidade da pessoa humana) e IV
(valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), arts. 7º, 8º, 9º, 10º e
11º, 170 e 193, que se impõem no ordenamento sobre o disposto na Lei nº
13.467/2017 em muitos casos.
Demarca-se, ainda,
dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, vista de modo sistemático,
que se contrapõem ao disposto na lei que alterou abruptamente alguns
dispositivos, mas olvidou normas estruturantes e fundamentais. Em essência,
trata da relevância dos instrumentos de negociação coletiva e dos limites que o
sistema jurídico trabalhista traz às pretensões da nova legislação, como meio
de preservação e ampliação do caráter protetivo remanescente à inovação
legislativa.
Desse modo, se disporá
sobre diversas normas em breves cotejos sobre hierarquia normativa e respeito
ao Ordenamento Jurídico brasileiro, para que seja efetivada a Lei nº 13.467 de
13 de julho de 2017. Abordagem imprescindível para que haja respeito ao sistema
normativo e materialização do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da Constituição), com disposição
sobre limites, proteção e vias ampliadoras do princípio da proteção.
2
Desregulamentação proposta pela Lei nº 13.467/2017
Dados os limites do
presente escrito, apresenta-se apenas alguns dispositivos com pretensão
desestruturante e desvirtuada da essência protetiva propalada pela
Constituição, pelas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e
pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Casos interessantes como
o art. 477-A, inovador, ao dispor que “as
dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos
os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou
de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua
efetivação”, que elidiu a proteção contra despedidas coletivas e
arbitrárias, conforme disposto no art. 7º da Constituição, equiparando a
despedida e os impactos sociais da despedida individual à despedida coletiva.
O noticiário
jurisprudencial e a jurisprudência encontravam-se mansamente definidos, quando
a proteção quanto à despedida coletiva, como detentora de proteção e atenção
maior do Estado, como demarcado pelo Supremo Tribunal Federal:
Necessidade de negociação para
demissão em massa tem repercussão geral reconhecida
O Supremo Tribunal Federal
reconheceu a existência de repercussão geral na matéria constitucional tratada
num Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 647651) no qual se questiona
entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou a exigência
de negociação coletiva para que uma empresa possa promover a demissão em massa
de empregados.
O caso examinado diz respeito à
demissão, em fevereiro de 2009, de cerca de 4.200 trabalhadores pela Empresa
Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer) e pela Eleb Equipamentos Ltda. Ao
julgar recurso ordinário no dissídio coletivo interposto pelo Sindicato dos
Metalúrgicos de São José dos Campos e Região contra as empresas, a Seção
Especializada em Dissídios Coletivos do TST entendeu que a dispensa coletiva,
diferentemente da individual, exigiria a aplicação de normas específicas.
O fundamento foi o de que, no
âmbito de direito coletivo do trabalho, esse tipo de dispensa não constitui
poder potestativo do empregador e exige, portanto, a participação do sindicato
dos trabalhadores, a fim de representá-los e defender seus interesses. No caso
de a negociação se mostrar inviável, caberia a instauração de dissídio
coletivo.
No recurso ao STF, a Embraer e a
Eleb Equipamentos Ltda. alegam que a decisão violou diversos dispositivos
constitucionais e que o TST, ao criar condições para a dispensa em massa,
estaria atribuindo ao poder normativo da Justiça do Trabalho tarefa que a
Constituição reserva a lei complementar, invadindo assim a esfera da
competência do Poder Legislativo. As empresas afirmam que sua sobrevivência
estaria ameaçada pela interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto
que viola o princípio da livre iniciativa.
Como o TST inadmitiu a remessa do
Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo, as empresas interpuseram agravo,
provido pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar prosseguimento ao RE. Ao
submeter o processo ao Plenário Virtual do STF, para verificar a ocorrência de
repercussão geral no caso, o ministro Marco Aurélio observou estar-se diante de
situação jurídica “capaz de repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é
“evidente o envolvimento de tema de índole maior, constitucional”.
O mérito do recurso será analisado
posteriormente, pelo Plenário da Corte.CF/AD (BRASIL, 2013).
A Seção de Dissídios
Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho mantinha decisões reiteradas em
caráter tuitivo, como se pode observar no Recurso Ordinário nº
6-61.2011.5.05.0000, Ministro Relator Walmir Oliveira da Costa, publicado em
22.02.2013:
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA
JURÍDICA. DISPENSA COLETIVA. ENCERRAMENTO DA UNIDADE FABRIL. NEGOCIAÇÃO
COLETIVA.
1. Ao interpretar o sistema
constitucional vigente, como também as Convenções da OIT, firmou-se a
jurisprudência desta Seção de Dissídios Coletivos no sentido de que a dispensa
coletiva não constitui mero direito potestativo do empregador, uma vez que,
para sua ocorrência e a definição de seus termos, tem de ser objeto de
negociação com o correspondente sindicato de trabalhadores.
2. Na hipótese vertente, a empresa
suscitada encerrou suas atividades no município de Aratu-BA, procedendo à
dispensa de todos os empregados dessa unidade industrial, alegando questões de
estratégia empresarial e redução dos custos de produção.
3. Nesse contexto, a negociação
coletiva prévia com a entidade sindical dos trabalhadores fazia-se ainda mais
necessária, tendo em vista que não se tratava de mera redução de pessoal, mas
de dispensa da totalidade dos empregados do estabelecimento, com consequências
mais graves para os trabalhadores desempregados.
4. Impõe-se, portanto, a manutenção
da decisão recorrida que declarou a ineficácia da dispensa coletiva, e suas
consequências jurídicas no âmbito das relações trabalhistas dos empregados
envolvidos.
A viabilização de
negociação individual, com claro descompasso de forças entre empregado e
empregador, disposta no art. 59-A que faculta às partes, mediante acordo
individual escrito, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por
trinta e seis horas ininterruptas de descanso. Algo antes disposto no art. 60
da CLT, limitadamente, até 2017:
Art. 60 - Nas atividades
insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no
capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles
venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio,
quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das
autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse
efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e
processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades
sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim. [C3] [iii]
Na Lei nº 13.467/2017
houve a inserção do parágrafo único para dispor que “excetuam-se da exigência
de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas
ininterruptas de descanso”. Com claros prejuízos para a saúde e dignidade
humana dos trabalhadores na relação de trabalho.
A desproteção legal aos
empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário
mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime
Geral de Previdência Social, art. 444, parágrafo único, da CLT, que dispõe
sobre a livre estipulação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os
instrumentos coletivos. Norma desvinculada da hipossuficiência social em que se
inserem os trabalhadores, independentemente de formação acadêmica e montante
percebido de vencimentos mensais.
A hipossuficiência
social, diferenciada da psíquica (capacidade de manifestação hígida da vontade)
e da econômico/financeira (capacidade de arcar com as custas processuais), uma
vez que se centra na perspectiva de distanciamento da liberdade negocial do
trabalhador na relação de trabalho capitalista, uma vez que não detém o
capital, meios de produção, e encontra-se alheio a possiblidades concretas
garantidoras da paridade de forças frente ao empregador, de modo que se
encontra obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, não tem
escolhas reais sobre a profissão, o emprego, o salário, a jornada e o modo de
produção, submetendo-se aos revezes do mercado que lhe impõe os modos aos quais
deve se adequar para poder vender seu labor. Em decorrência, resta clara a
impossibilidade de desproteção e equiparação de trabalhadores com base no nível
de formação acadêmica e salário, para fins de negociação trabalhista, a qual
deve permanecer protegida pela atuação das entidades de classe.
Contexto seguido pela
viabilização de arbitragem para questões individuais, contrariando todos os
rumos da jurisprudência pacífica em âmbito nacional até então. Nos termos
dispostos no art. 507-A, ao dispor que nos contratos individuais de trabalho
cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para
os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada
cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou
mediante a sua concordância expressa.
Até então, decisões
reiteradas do TST, dispunham que, embora prevista na Lei nº 9.307/1996 (Lei da
Arbitragem), a cláusula compromissória não é admissível no contrato de
trabalho, devido à posição desvantajosa do trabalhador no momento da
contratação. Era destaque nos votos dos ministros que era preciso enfrentar que
o ato de vontade do empregado não é concreto na sua plenitude, no momento da
admissão da empresa, em face da subordinação implícita no contrato de trabalho
e à hipossuficiência do empregado. O que pode ser demarcado no Recurso de
Revista nº 170400-06.2008.5.15.0008, Ministro Relator José Roberto Freire
Pimenta, publicado em 19.12.2011:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO
DURANTE A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL.
INAPLICABILIDADE AOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. Diante da violação do art. 1.º da
Lei n.º 9.307 /96, determina-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo
de Instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. CLÁUSULA
COMPROMISSÓRIA. DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO DURANTE A RELAÇÃO
EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. INAPLICABILIDADE AOS DISSÍDIOS
INDIVIDUAIS. O artigo 1.º da Lei n.º 9.307 /96 limita o uso da arbitragem para
"dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Não
é o caso dos direitos sociais do trabalho, que são direitos indisponíveis e, em
sua maioria, de sede constitucional. A cláusula compromissória (artigo 4.º Lei
n.º 9.307 /96) é anterior ao litígio e acarreta renúncia prévia a direitos
indisponíveis. Tal renúncia, na hipótese dos autos, ocorreu na contratação,
momento de clara desproporção de forças entre empregador e trabalhador. Não produz
efeitos a cláusula compromissória arbitral inserida no contrato de trabalho do
Reclamante. Recurso de Revista conhecido e provido.[C4] [iv]
O Tribunal Superior do
Trabalho, ainda após a eficácia da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, tem
mantido julgamentos contrários à aplicação da arbitragem em dissídios
individuais, como pode ser notado no agravo de instrumento em recurso de
revista (AIRR nº 1822001820095020021, publicado em 15.12.2017:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO
INTERPOSTO PELO RÉU. ARBITRAGEM EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. INVALIDADE. QUITAÇÃO
GERAL DO CONTRATO DE TRABALHO. 1. A jurisprudência desta Corte superior vem-se
firmando no sentido de que é inválida a utilização de arbitragem, método de
heterocomposição, nos dissídios individuais trabalhistas. Tem-se consagrado,
ainda, entendimento no sentido de que o acordo firmado perante o Juízo Arbitral
não se reveste da eficácia de coisa julgada, nem acarreta a total e irrestrita
quitação das parcelas oriundas do extinto contrato de emprego. Precedentes desta
Corte superior. 2. Correta, portanto, a decisão do Tribunal Regional, no
sentido de determinar ao réu - Instituto de Mediação e Arbitragem - que se
abstenha de mediar conflitos e homologar acordos relativos a dissídios
individuais de trabalho. 3. Agravo de Instrumento não provido. AGRAVO DE
INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. MINISTÉRIO PÚBLICO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA.
ARBITRAGEM. NULIDADE DAS SESSÕES, ATAS, TERMOS DE HOMOLOGAÇÃO E SENTENÇAS
ARBITRAIS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA. SÚMULA Nº 422, I,
DO TST. Os argumentos aduzidos nas razões do Recurso de Revista devem se
contrapor aos fundamentos norteadores da decisão que se tenciona reformar. Do
contrário, reputa-se carente de fundamentação o recurso. Agravo de Instrumento
a que se nega
provimento.[C5] [v]
A lei contraria o
reconhecimento de uma das lutas mais históricas dos trabalhadores, a jornada de
trabalho, pretendendo afastar, sem respaldo doutrinário ou fundamental, no art.
611-B, parágrafo único, as regras sobre duração do trabalho e intervalos da
natureza de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins de
alteração ilimitada por acordos individuais ou coletivos. Retalia-se
experiência amadurecida em âmbito nacional, conforme pacificado, até então,
pelo TST[vi]:
SUM-437 INTERVALO INTRAJORNADA PARA
REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT
II - É inválida cláusula de acordo
ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do
intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e
segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e
art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.
[...]
SUM-446 MAQUINISTA FERROVIÁRIO.
INTERVALO INTRA-JORNADA. SUPRESSÃO PARCIAL OU TOTAL. HORAS EXTRAS DEVIDAS.
COMPATIBILIDADE ENTRE OS ARTS 71, § 4º, E 238, § 5º, DA CLT
A garantia ao intervalo
intrajornada, prevista no art. 71 da CLT, por constituir-se em medida de
higiene, saúde e segurança do empregado, é aplicável também ao ferroviário
maquinista integrante da categoria “c” (equipagem de trem em geral), não
havendo incompatibilidade entre as regras inscritas nos arts. 71, § 4º, e 238,
§ 5º, da CLT.
[...]
OJ-SDI1-360 TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. DOIS TURNOS. HORÁRIO DIURNO E
NOTURNO. CA-RACTERIZAÇÃO (DJ 14.03.2008)
Faz jus à jornada especial prevista
no art. 7º, XIV, da CF/1988 o trabalhador que exerce suas atividades em sistema
de alternância de turnos, ainda que em dois turnos de trabalho, que
compreendam, no todo ou em parte, o horário diurno e o noturno, pois submetido
à alternância de horário prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade
da empresa se desenvolva de forma ininterrupta.[C6] [vii]
Viabiliza, ainda, a negociação
individual do banco de horas, antes somente permitido por negociação coletiva
com participação obrigatória do sindicato laboral. O que está demarcado no art.
59, § 5º, que dispõe ser possível o banco de horas pactuado por acordo
individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis
meses. Até 2017, dispunha a Súmula nº 85, inciso V, do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), sobre compensação de jornada, que “as disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório
na modalidade ‘banco de horas’, que somente pode ser instituído por negociação
coletiva”[viii].
Conforme destacado por
Gérson Marques,
a Reforma Trabalhista (Lei nº
13.467/2017) não implementa
um “novo” Direito do Trabalho. Ela regride, no geral, para volver um
“velho” Direito do Trabalho, aquele que estava se debatendo nas incertezas
do início do
século XX. A modernização
econômica, que ela supostamente traduz, é confrontada com um atraso jurídico e
social (GÉRSON MARQUES, ano, pg[C7] )[ix].
Observa-se verdadeira
desestruturação antissocial em dissonância com os avanços sociais e o
amadurecimento da jurisprudência pátria, em prejuízo da dignidade humana e dos
dispositivos fundamentais, apta a configurar, inclusive, dumping social, com relação a outros Estados parte das convenções
internacionais da OIT, uma vez que pode ensejar baixo custo de produção com
sérios impactos no mercado internacional, além de precarizar a mão de obra em
atos sem precedentes, após a Segunda Guerra Mundial e o contexto Pós
Positivista.
3 Perspectivas
limitadoras da “Deforma” Trabalhista
Apesar do ânimo açodado
que culminou com a reforma de dezenas de artigos da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), sem respeitar o devido processo legislativo, por ter se tratado
de verdadeira alteração de código, a qual não poderia ter ocorrido com tamanha
celeridade, deixou-se diversas arestas que precisam ser aparadas para que se
mantenha a higidez do sistema normativo e do ordenamento jurídico nacional.
Em breves linhas, os
artigos apresentados no tópico anterior referentes à negociação individual apta
a contrariar a negociação coletiva ou a elidir a participação das entidades
representativas, tais como sindicatos, federações, confederações e centrais
sindicais de trabalhadores, não atentaram sequer para dispositivos que restaram
incólumes em termos celetistas, tais como o art. 619, com redação dada pelo
Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967: “Nenhuma
disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção
ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo
considerada nula de pleno direito.”
Dispositivo que deve ser
considerado robustamente, caso haja contrariedade ao disposto em instrumentos de
negociação coletiva, sendo “nulos de
pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou
fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”,
conforme o art. 9º celetista.
Ademais, caso haja
negociação em prejuízo ao trabalhador, o caput
do art. 444 foi mantido incólume, ao dispor que:
As relações contratuais de trabalho
podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto
não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos
que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.[C8] [x]
Algo que se sedimenta no
art. 7º, caput, da Constituição de
1988, ao demarcar que “são direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”, impedindo a redução e incentivando a melhoria, o
aprimoramento e a perspectiva da dignidade humana em âmbito social.
Ressalte-se, nos termos
do art. 8º, III, também da Constituição, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou
individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”,
não podendo eficazmente a lei, hierarquicamente inferior no ordenamento
jurídico, sobrepor-se para afastar o movimento sindical e a representação da
categoria, priorizando o desprotegido indivíduo nas relações de trabalho.
Norte que, inclusive,
pode ser ampliado para o respeito à posição do sindicato dos trabalhadores,
conforme convencionado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT),
Convenção nº 98 (aplicação dos princípios do direito de organização e de
negociação coletiva), Convenção nº 87 (liberdade sindical), Convenção nº 135
(sobre a proteção de representantes de trabalhadores), Convenção nº 154
(incentivo à negociação coletiva), dentre outras.
Apesar de não ratificada,
mas tomada como norte interpretativo pela República Federativa do Brasil, a
Convenção nº 87 da OIT, no art. 3º, item 2, dispõe que “as autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que
possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal”. Algo
replicado no art. 8º da Constituição, em todos os seus dispositivos, mas que
pretende ser mitigado pela Lei nº 13.437/2017 nos casos de prevalência do
individual sobre o coletivo apresentados no tópico anterior.
O art. 8º, item 2, da
Convenção nº 87, reitera que “a
legislação nacional não deverá prejudicar nem ser aplicada de modo a prejudicar
as garantias previstas pela presente Convenção” (OIT, 1948)[xi]. [C9] Ainda,
o art. 10, demarca que “o termo
‘organização’ significa qualquer organização de trabalhadores ou de
empregadores que tenha por fim promover e defender os interesses dos
trabalhadores ou dos empregadores” (OIT, 1948)[xii].[C10]
A Convenção nº 98 da OIT
(aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva),
ratificada pelo Decreto Legislativo nº 49, de 1952, impõe o caráter protetivo,
no art. 1º, inciso 1, ao dispor que “os
trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos
atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego”[xiii]. A norma supralegal
destaca, art. 4º, que:
Deverão ser tomadas, se necessário
for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o
pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre
empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores,
com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e
condições de emprego (OIT, 1949).[xiv][C11]
Em sentido contrário, a
norma legal de 2017, intenta, nos dispositivos apresentados no tópico anterior,
reduzir a possibilidade de negociação coletiva e, em muitos casos, fazer com
que a negociação individual prepondere, ainda que contrariando instrumentos de
negociação coletiva. Algo que não pode prosperar, por contrariar o ordenamento
jurídico e contradizer a noção de sistema normativo.
A Convenção nº 135 da OIT
(sobre a proteção de representantes de trabalhadores), ratificada pelo Decreto
Legislativo nº 86, de 1989, em sentido contrário ao disposto na Lei nº
13.467/2017, não sobrepõe ao sindicato dos trabalhadores sequer os representantes
eleitos na empresa (representação por local de trabalho), sendo inviável a
sobreposição dos trabalhadores individualmente considerados, como pode ser
notado em:
ARTIGO 5º - Quando uma empresa
contar ao mesmo tempo com representes sindicais e representantes eleitos,
medidas adequadas deverão ser tomadas, cada vez que for necessário, para
garantir que a presença de representantes eleitos não venha a ser utilizada
para o enfraquecimento da situação dos sindicatos interessados ou de seus
representantes e para incentivar a cooperação, relativa a todas as questões
pertinentes, entre os representantes eleitos, por uma Parte, e os sindicatos
interessados e seus representantes, por outra Parte (OIT, [C12] 1971)[xv]
A lógica internacional e
internalizada é no sentido de reconhecer a hipossuficiência social dos
trabalhadores individualmente considerados, os quais necessitam de
representantes, sendo os mais legitimados os integrantes das entidades
sindicais respectivas.
Conjuntura normativa,
imperativa e cogente que se torna mais clara com os dispositivos da Convenção
nº 154 da OIT (incentivo à negociação coletiva), ao demarcar de modo cristalino
o respeito à posição do sindicato dos trabalhadores, art. 3º, inciso 2, verbis:
Artigo 3º - 2. Quando, em virtude
do que dispõe o parágrafo 1 deste artigo, a expressão "negociação
coletiva" incluir também as negociações com os representantes dos
trabalhadores a que se refere o parágrafo mencionado, deverão ser adotadas, se
necessário, medidas apropriadas para garantir que a existência destes
representantes não seja utilizada em detrimento da posição das organizações de
trabalhadores interessadas (OIT, [C13] 1981).[xvi]
O art. 8º da Convenção nº
154 da OIT ainda dispõe que “as medidas
previstas com o fito de estimular a negociação coletiva não deverão ser
concedidas ou aplicadas de modo a obstruir a liberdade de negociação coletiva”
(OIT, [C14] 1981)[xvii].
Tal perspectiva já está
sendo, ademais, alvo de acolhimento de denúncias e investigações pela Comissão
de Normas da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, Suíça, que
incluiu a República Federativa do Brasil na Lista Suja dos países que
descumprem as normas da OIT:
OIT coloca Brasil em lista suja,
por causa de reforma trabalhista[xviii]
Um dos pontos questionados é a
priorização do negociado sobre o legislado
BRASÍLIA — A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) incluiu o Brasil na lista de nações acusadas de
descumprir normas internacionais de proteção dos trabalhadores. A decisão foi
divulgada nesta terça-feira em Genebra, na Suíça, sede do organismo. Com isso,
o Brasil entrou para um grupo de 24 países, ao lado de Haiti e Camboja. Um dos
pontos questionados pela OIT é a priorização do negociado sobre o legislado,
prevista na reforma trabalhista.
A entrada do Brasil nessa lista suja
ocorreu após denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos sindicatos
contra a reforma trabalhista. Agora, um comitê da OIT vai analisar possíveis
violações de convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro.
Segundo o presidente da Central dos
Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto, a última vez em que o Brasil ficou
nessa situação foi em 2001.
Em 2017, antes da aprovação da
reforma trabalhista, o Brasil chegou a ser incluído em uma relação mais ampla e
preliminar, mas acabou de fora da lista definitiva. No início deste ano, o
Comitê de Peritos da OIT pediu ao governo brasileiro a revisão dos pontos da
reforma que permitem a prevalência de negociações coletivas sobre a lei.
‘É uma falta de força no mercado de
trabalho que desestimula a efetivação do temporário, dada a fraqueza do cenário
econômico’ - Cimar Azeredo - Coordenador de Trabalho do IBGE
O problema estaria nos artigos
611-A e 611-B, inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela
reforma trabalhista. O primeiro artigo lista quais são os casos em que o
negociado pode sobrepor o legislado, entre eles jornada de trabalho, banco de
horas, intervalo intrajornada (para o almoço) e participação nos lucros. O
segundo deixa claro quais são as situações em que isso não é permitido. Nesse
caso, estão incluídos o repouso semanal remunerado, o direito ao salário-mínimo
e à licença-maternidade, por exemplo.
O pedido da OIT era para que o
governo conversasse com os “parceiros sociais” em relação aos dois artigos e
examinasse a revisão dos itens de forma a estar em conformidade com as
convenções assinadas com a organização.
Segundo o MPT, o Comitê confirmou o
entendimento de que a reforma trabalhista viola a Convenção nº 98, sobre
direito de sindicalização e de negociação coletiva, ratificada pelo Brasil. Foi
pedida ainda a revisão da possibilidade de contratos individuais de trabalho
estabelecerem condições menos favoráveis do que o previsto na lei.
Para Ronaldo Fleury,
procurador-geral do MPT, a inclusão expõe o Brasil internacionalmente e é fruto
da aprovação, de forma açodada, de uma reforma que torna precárias as relações
de trabalho no país.
— É uma pena o Brasil ser exposto
internacionalmente. Entretanto, isso é resultado da reforma trabalhista, que só
visou a precarização das relações de trabalho, criando formas alternativas e
precarizantes de contratação e, principalmente, visando o enfraquecimento da
estrutura sindical — disse o procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury.
Ele lembrou que, antes da aprovação
e sanção da reforma trabalhista, o MPT alertou o Congresso Nacional e o governo
federal que a matéria violava a Constituição Federal e normas internacionais
ratificadas pelo Brasil. Fleury acrescentou que a instituição também teve
atuação constante no cenário internacional para alertar sobre pontos da nova
legislação trabalhista que ferem as convenções internacionais.
Embora os Estados tenham soberanias
para editar suas leis, o Brasil passaria a ser visto como um país que assinou
um acordo internacional, mas não o cumpriu. Além disso, entrar na lista de
nações que não cumprem tratados por elas ratificados é considerado um
constrangimento internacional.
Procurada, a OIT informou que o
caso brasileiro, assim como o dos demais países listados, será discutido na
próxima semana, durante reunião do Comitê de Conferência do organismo. Já o
Ministério do Trabalho ainda não se manifestou.
'PESADA INJUSTIÇA', DIZ MINISTRO
O ministro do Trabalho, Helton
Yomura, afirmou que a inclusão do Brasil na lista de 24 casos a serem
examinados pela comissão de normas da OIT foi uma "pesada injustiça".
Segundo ele, a decisão foi tomada sem qualquer base técnica, com o propósito de
promover a projeção pública internacional da modernização trabalhista.
"As acusações feitas ao
Brasil, nesse caso via Ministério do Trabalho, fazem parte de um discurso
político-partidário que está perdendo força no país, mas que ainda teima em
sabotá-lo frente à opinião pública, usando, entre outros estratagemas, a
tentativa de colocá-lo em situação de constrangimento internacional", diz
uma nota divulgada nesta terça-feira pelo ministro.
Ele esclareceu que o exame de casos
nacionais pela OIT não representa condenação à reforma trabalhista brasileira.
Para o ministro, será uma oportunidade para mostrar à comunidade internacional
os avanços da nova legislação.
"Essa lei foi concebida com o
objetivo de trazer para o século 21 as relações de trabalho praticadas no
Brasil. Antes de sua entrada em vigor, o Brasil estava preso a amarras que o
impediram, durante mais de 70 anos, de progredir no âmbito do relacionamento
entre trabalhadores e empregadores. A modernização trabalhista veio para
conferir segurança jurídica a esse diálogo, cuja qualidade é essencial ao
desenvolvimento do país", destacou.
De acordo com Yomura, as ações diretas
de inconstitucionalidade em análise no Judiciário se resumem a aspectos
processuais da modernização, como o fim da contribuição sindical obrigatória.
Acrescentou que, apesar do pouco tempo em que está em vigência, a Lei 13.467 já
está gerando resultados.
Usando dados do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), divulgados mensalmente pelo Ministério do
Trabalho, o ministro ressaltou que, em abril de 2018, houve 4.523 admissões na
modalidade de trabalho intermitente, com um saldo de 3.601 empregos, envolvendo
1.166 estabelecimentos. No trabalho em regime de tempo parcial foram
registradas 5.762 admissões, resultando em um saldo de 2.554 empregos, em 3.533
estabelecimentos.
"A modernização trabalhista
veio para contribuir para a recuperação e a evolução do mercado de trabalho
brasileiro, com mudança e aprimoramento de referências e de mentalidade. A nova
lei é nada menos que o principal instrumento para que o país derrote, com a
urgência e a efetividade necessárias, aquele que é hoje o seu maior inimigo: o
desemprego. Aprimorá-la é um compromisso do Ministério do Trabalho com a
sociedade brasileira. Aqueles a quem não interessa ver o Brasil avançar
precisam se convencer de que não terão êxito em seu propósito. E que tentar
denegrir o conceito do país no exterior é um ardil que vitima a nação como um
todo. O Brasil está avançando. O Brasil dos direitos trabalhistas assegurados.
O Brasil da valorização de cada trabalhador. O Brasil do emprego",
enfatizou o ministro.
CNI CRITICA INCLUSÃO
Para a Confederação Nacional da
Indústria (CNI), a inclusão não tem fundamento. Em nota, a entidade argumentou
que a reforma trabalhista busca fomentar o diálogo entre empresas e empregados.
De acordo com a CNI, o setor
produtivo brasileiro entende que a Lei 13.467/17, que modernizou a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), está em linha com todas as convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), em especial as de número 98 e 154.
Para a entidade, a reforma trabalhista valorizou e sedimentou seus conceitos na
legislação, não tendo relação alguma com supressão de direitos ou com
precarização do trabalho.
"É preciso reforçar que a nova
legislação, com o reconhecimento da negociação coletiva e o seu estímulo como
relevante instrumento de harmonização das relações do trabalho, busca dar a
necessária segurança para que sindicatos e empresas encontrem soluções e
ajustes que lhes sejam benéficos e compatíveis com a realidade de cada
atividade produtiva", destacou a CNI.
Na nota, a confederação lembra que
a necessidade de se modernizar as leis do trabalho no Brasil está em debate há,
pelo menos duas décadas. Já em 2004, o Fórum Nacional do Trabalho deixava claro
o entendimento entre trabalhadores, empregadores e governo do prestígio ao
diálogo e a valorização da negociação coletiva. Para tanto, era preciso que os
instrumentos coletivos negociados de forma espontânea e legítima, celebrados à
luz da Constituição, deixassem de sofrer com o cenário de insegurança jurídica
do Brasil.
A entrada do Brasil nessa lista
suja ocorreu após denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos
sindicatos contra a reforma trabalhista. Agora, um comitê da OIT vai analisar
possíveis violações de convenções internacionais ratificadas pelo governo
brasileiro (OIT, 2017).
O Comitê de Liberdades
Sindicais, em decisões reiteradas, tem decidido por sobrepor a “posição do
sindicato” sobre acordos individuais e sobre instrumentos negociados com
representantes eleitos na empresa, como pode ser verificado nos verbetes da
Recopilação de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da Organização
Internacional do Trabalho, como, por exemplo, os verbetes nº 782, 787, 788,
789, 790. Importante a transcrição da decisão disposta no Verbete nº 787, litteris:
Na Convenção nº 135, de 1971, sobre
os representantes dos trabalhadores, e na Convenção nº 154, de 1981, sobre a
negociação coletiva, figuram determinações expressas para garantir que, numa
mesma empresa, quando há sindicatos e representantes eleitos pelos
trabalhadores, se adotem medidas adequadas para garantir que a existência de
representantes eleitos não seja utilizada em detrimento da posição dos
sindicatos interessados (OIT, [C15] 1997)[xix]
Desse modo, diante das
dimensões do presente texto, resta grande incongruência do texto da Lei nº
13.467, de 13 de julho de 2017, com as normas que lhe são hierarquicamente
superiores, o que já vem gerando desconforto internacional, caminhando para
atitudes mais sérias a nível de Organização Internacional do Trabalho, mas que
podem ser amenizadas com o posicionamento do Poder Judiciário quando provocado
acerca das incompatibilidades da proposta normativa da “Lei da Deforma
Trabalhista”.
- Conclusão
Conforme apresentado, a
maturidade da jurisprudência e da normatização brasileira acerca dos valores
sociais do trabalho em equilíbrio com a livre iniciativa, a fundação da ordem
econômica no primado do trabalho humano, o princípio da proteção, o
reconhecimento da hipossuficiência social e a otimização da dignidade da pessoa
humana, encontram-se fortemente ameaçados com os dispositivos da Lei nº
13.467/2017.
Situação que tem gerado
desconforto em âmbito nacional, com decisões de profunda divergência nos
tribunais pátrios, para questões que se encontravam pacificadas até 2017, com
decisões ora atentas à dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho, ora
em total descompasso social e perecimento da vida dos trabalhadores na relação
de trabalho.
Aspectos fundamentais
como a inserção da jornada de trabalho como atinente à saúde e com repercussões
diretas na segurança e dignidade dos trabalhadores sofrem ataque estatal com
ameaças desmoronantes.
Princípios basilares como
a negociação coletiva encontram-se vilipendiados pela legislação e forte
insegurança jurídica paira nas terras verde amarelas, após a publicação da Lei
nº 13.467/2017.
Já há casos no Supremo
Tribunal Federal que sinaliza para a garantia da “Deforma” Trabalhista, em
claro retrocesso social, mas que ainda restam sem definição e com profundas
divergências nos Tribunais do Trabalho e cisão no Tribunal Superior do
Trabalho. Remédios processuais reiterados, escusos têm sido utilizados, gerando
confusão inclusive entre as instâncias trabalhistas e extraordinárias, com
decisões conflitantes para o mesmo caso sendo apresentadas, por vezes, no mesmo
dia ou semana, por instâncias diversas.
A nível internacional, a
República Federativa do Brasil já está na lista suja da Organização
Internacional do Trabalho, exatamente pela contrariedade a normas da OIT,
destacando-se que o Ministro do Trabalho que compareceu para defender a
“Deforma” e atacar a denúncia foi afastado por decisão do Supremo Tribunal
Federal por suspeita de descumprimento das normas trabalhistas e por corrupção.
Nesse passo, urge o
resgate pelos atores sociais, pelo Ministério Público do Trabalho, pela Justiça
do Trabalho e Ministério do Trabalho, do caráter protetivo do Direito do
Trabalho, sob pena de elisão desse ramo essencial do Direito ser elidido, com
consequências desastrosas para o Estado Democrático de Direito.
Tal resgate deve partir
das contradições deixadas pela Lei nº 13.467/2017, a qual deve sucumbir em seu
caráter destrutivo da dignidade da pessoa humana, sendo sobreposta eficazmente
pelas normas constitucionais e tratados internacionais sobre direitos humanos
protetivos na relação de trabalho, conforme demonstrado em breves linhas no
presente texto. Assim, que a civilização avance com seus estudos e experiências
a fim de garantir a verdadeira dignidade da pessoa humana, sem retrocessos e
com ajustes nas políticas públicas desumanas, como as pretendidas pela “Lei da
Deforma Trabalhista”.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL.
Supremo Tribunal Federal (STF).
Necessidade de negociação para demissão em massa tem repercussão geral
reconhecida. Publicado em 02 de abril de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=234798>. Acesso em: [C16] 22.01.2019.
BRASIL.
Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas,
Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial, SBDI-I,
SBDI-I Transitória, SBDI-II e
SDC). Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília: Impressão e acabamento: Coordenação de
Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
GÉRSON
MARQUES, Francisco. Convite ao estudo da hermenêutica em Direito do
Trabalho. Disponível em: <http://www.excolasocial.com.br/informe-se/artigos/nossos-artigos/19/>. Acesso em:[C17] 22.01.2019.
OLIVEIRA,
Eliane. OIT coloca Brasil em lista suja, por causa de reforma trabalhista. O Globo, 29.05.2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/oit-coloca-brasil-em-lista-suja-por-causa-de-reforma-trabalhista-22729381>. Acesso em:[C18] 22.01.2019.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção
nº 87 - Liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização.
Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_239608/lang--pt/index.htm. Acesso em:[C19] 22.01.2019.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção
nº 98 - Aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação
coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_098.html>. Acesso em:[C20] 22.01.2019.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção
nº 135 - Sobre a proteção de representantes de trabalhadores. Disponível
em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_135.html>. Acesso em:[C21] [C22] 22.01.2019.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção
nº 154 - Sobre o incentivo à negociação coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_154.html>. Acesso em:[C23] [C24] 22.01.2019.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Recopilação
de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do
Trabalho. 1997. Disponível em:
<http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf>.
Acesso em 08 de set. de 2018. Acesso em: [C25] 22.01.2019.[C26]
[i] Especialista, Mestre e Doutor
em Direito, graduado em Letras e Direito. Membro do GRUPE (Grupo de Estudos e
Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista) e da Excola (Excelêcia
em Formação Social). Advogado sindical e Professor universitário.
[ii]REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário nº
6-61.2011.5.05.0000, Ministro Relator Walmir Oliveira da Costa, publicado em
22.02.2013.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.DECRETO-LEI N.º 5.452,
DE 1º DE MAIO DE 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho. In:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em
22.01.2019
[iv]
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.Recurso de
Revista nº 170400-06.2008.5.15.0008, Ministro Relator José Roberto Freire
Pimenta, publicado em 19.12.2011.
[v] REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento em
recurso de revista (AIRR nº 1822001820095020021, publicado em 15.12.2017
[vi] BRASIL. Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência.
Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial, SBDI-I,
SBDI-I Transitória, SBDI-II e
SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília: Impressão e acabamento: Coordenação de
Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
[vii]
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Secretaria-Geral
Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações
Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial, SBDI-I,
SBDI-I Transitória, SBDI-II e
SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília: Impressão e acabamento: Coordenação de
Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016
[viii] BRASIL. Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência.
Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial, SBDI-I,
SBDI-I Transitória, SBDI-II e
SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília: Impressão e acabamento: Coordenação de
Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
[ix] GÉRSON MARQUES, Francisco. Convite ao estudo da hermenêutica
em Direito do Trabalho. Disponível em:
<http://www.excolasocial.com.br/informe-se/artigos/nossos-artigos/19/>.
Acesso em:
22.01.2019.
[x]
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 -
Consolidação das Leis do Trabalho. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm.
Acesso em 22.01.2019
[xi] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT). Convenção nº 87 - Liberdade sindical e proteção ao direito de
sindicalização. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_239608/lang--pt/index.htm>.
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xii] Op. cit. Convenção nº 87.
[xiii] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT). Convenção nº 98 - Aplicação dos princípios do direito de
organização e de negociação coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_098.html>.
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xiv] Op. cit. Convenção nº 98.
[xv] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT). Convenção nº 135 - Sobre a proteção de representantes de
trabalhadores. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_135.html.>
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xvi] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT). Convenção nº 154 - Sobre o
incentivo à negociação coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_154.html>.
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xvii] Op. cit. Convenção nº 154.
[xviii] OLIVEIRA, Eliane. OIT coloca
Brasil em lista suja, por causa de reforma trabalhista. O Globo, 29.05.2018. Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/economia/oit-coloca-brasil-em-lista-suja-por-causa-de-reforma-trabalhista-22729381>.
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xix] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT). Recopilação de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da
Organização Internacional do Trabalho. 1997. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf>.
Acesso em: 08 de set. de 2018.
[C1]falta
referência. A referência está no corpo do próprio texto... de regra, nos textos
jurídicos, não citamos a fonte na bibliografia quando se trata de norma
jurídica publicada e jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário