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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

PERSPECTIVAS DA DESREGULAMENTAÇÃO NA “DEFORMA” TRABALHISTA (Clovis Renato Costa Farias)


PERSPECTIVAS DA DESREGULAMENTAÇÃO NA “DEFORMA” TRABALHISTA
 (ARTIGO PUBLICADO COMO CAPÍTULO DE LIVRO DE EVENTO INTERNACIONAL)
Clovis Renato Costa Farias[i]

 
 

1 Justificativa

 

A iniciativa para dispor sobre as perspectivas para o Direito do Trabalho, com sua natureza protetiva e otimizadora da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição de 1988), em um contexto de forte pressão do mercado e adesão do Estado a modelos de caráter liberalista, em baixa realização dos direitos sociais, como demarcado na República Federativa do Brasil na atualidade, parte de questionamentos acerca do futuro do juslaboralismo clássico e do retrocesso social.

O tom dado no tema com a inserção “Deforma” ao invés do propalado pela mídia como “Reforma”, denota a observação de que o modo indiligente com que foi elaborada a Lei nº 13.437/2017, qu­e, pela amplitude e quantidade de artigos alterados, não poderia ter seguido o rito célere em que foi realizada, por tratar-se de verdadeira alteração de Código, como um todo e não mera alteração de dispositivos. Algo que tem gerado forte teor de insegurança jurídica, deformação na aplicação jurisprudencial e descompassos sociais nas relações de trabalho desde sua eficácia.

Objetiva-se a análise isenta com base no sistema normativo que, em caráter nacional e internacional, impõem a realização da dignidade nas relações de trabalho, com atuação estatal para garantir a melhoria das condições de trabalho em meio aos sistemas de produção e venda de produtos. Contexto em que se inserem, além dos aparelhos estatais, as entidades de defesa das categorias, em especial, os sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais.

Pretende-se a reflexão sobre dispositivos que viabilizam acordos individuais em casos históricos em que a experiência jurisprudencial e legal, até então, reconhecia como carecedores de proteção e negociação coletiva. Partindo-se da abordagem com a demarcação das principais perspectivas relacionadas à desregulamentação da normatização protetiva demarcada na Lei nº 13.467/2017, com ênfase na aplicação da Hermenêutica Constitucional e da Teoria dos Direitos Fundamentais, nos termos postados na Constituição de 1988, nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pela República Federativa do Brasil (Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos) sobre negociação coletiva, representação dos trabalhadores e dignidade da pessoa humana na relação laboral.

Para tanto, rememora-se que direitos fundamentais são proteções dos cidadãos contra arbítrios do Estado, em sua perspectiva vertical, e contra arbítrios dos próprios cidadãos contra os que estiverem distanciados contextualmente da igualdade, em se tratando de eficácia horizontal, esta onde se encontram inseridos os direitos dos trabalhadores, conforme postado no art. 7º da Constituição.

Ademais, parte-se da imperativa submissão da lei em tela com relação as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pela República Federativa do Brasil (Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos), ocupantes da supralegalidade e da equivalência às normas constitucionais, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição de 1988. O que se aplica, consequentemente, à normas constitucionais, em especial ao art. 1º, III (dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), arts. 7º, 8º, 9º, 10º e 11º, 170 e 193, que se impõem no ordenamento sobre o disposto na Lei nº 13.467/2017 em muitos casos.

Demarca-se, ainda, dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, vista de modo sistemático, que se contrapõem ao disposto na lei que alterou abruptamente alguns dispositivos, mas olvidou normas estruturantes e fundamentais. Em essência, trata da relevância dos instrumentos de negociação coletiva e dos limites que o sistema jurídico trabalhista traz às pretensões da nova legislação, como meio de preservação e ampliação do caráter protetivo remanescente à inovação legislativa.

Desse modo, se disporá sobre diversas normas em breves cotejos sobre hierarquia normativa e respeito ao Ordenamento Jurídico brasileiro, para que seja efetivada a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Abordagem imprescindível para que haja respeito ao sistema normativo e materialização do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da Constituição), com disposição sobre limites, proteção e vias ampliadoras do princípio da proteção.




2 Desregulamentação proposta pela Lei nº 13.467/2017

 

Dados os limites do presente escrito, apresenta-se apenas alguns dispositivos com pretensão desestruturante e desvirtuada da essência protetiva propalada pela Constituição, pelas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Casos interessantes como o art. 477-A, inovador, ao dispor que “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”, que elidiu a proteção contra despedidas coletivas e arbitrárias, conforme disposto no art. 7º da Constituição, equiparando a despedida e os impactos sociais da despedida individual à despedida coletiva.

O noticiário jurisprudencial e a jurisprudência encontravam-se mansamente definidos, quando a proteção quanto à despedida coletiva, como detentora de proteção e atenção maior do Estado, como demarcado pelo Supremo Tribunal Federal:

 

Necessidade de negociação para demissão em massa tem repercussão geral reconhecida

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral na matéria constitucional tratada num Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 647651) no qual se questiona entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou a exigência de negociação coletiva para que uma empresa possa promover a demissão em massa de empregados.

O caso examinado diz respeito à demissão, em fevereiro de 2009, de cerca de 4.200 trabalhadores pela Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer) e pela Eleb Equipamentos Ltda. Ao julgar recurso ordinário no dissídio coletivo interposto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região contra as empresas, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST entendeu que a dispensa coletiva, diferentemente da individual, exigiria a aplicação de normas específicas.

O fundamento foi o de que, no âmbito de direito coletivo do trabalho, esse tipo de dispensa não constitui poder potestativo do empregador e exige, portanto, a participação do sindicato dos trabalhadores, a fim de representá-los e defender seus interesses. No caso de a negociação se mostrar inviável, caberia a instauração de dissídio coletivo.

No recurso ao STF, a Embraer e a Eleb Equipamentos Ltda. alegam que a decisão violou diversos dispositivos constitucionais e que o TST, ao criar condições para a dispensa em massa, estaria atribuindo ao poder normativo da Justiça do Trabalho tarefa que a Constituição reserva a lei complementar, invadindo assim a esfera da competência do Poder Legislativo. As empresas afirmam que sua sobrevivência estaria ameaçada pela interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto que viola o princípio da livre iniciativa.

Como o TST inadmitiu a remessa do Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo, as empresas interpuseram agravo, provido pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar prosseguimento ao RE. Ao submeter o processo ao Plenário Virtual do STF, para verificar a ocorrência de repercussão geral no caso, o ministro Marco Aurélio observou estar-se diante de situação jurídica “capaz de repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é “evidente o envolvimento de tema de índole maior, constitucional”.

O mérito do recurso será analisado posteriormente, pelo Plenário da Corte.CF/AD (BRASIL, 2013).

 

A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho mantinha decisões reiteradas em caráter tuitivo, como se pode observar no Recurso Ordinário nº 6-61.2011.5.05.0000, Ministro Relator Walmir Oliveira da Costa, publicado em 22.02.2013:

 

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA. DISPENSA COLETIVA. ENCERRAMENTO DA UNIDADE FABRIL. NEGOCIAÇÃO COLETIVA.

1. Ao interpretar o sistema constitucional vigente, como também as Convenções da OIT, firmou-se a jurisprudência desta Seção de Dissídios Coletivos no sentido de que a dispensa coletiva não constitui mero direito potestativo do empregador, uma vez que, para sua ocorrência e a definição de seus termos, tem de ser objeto de negociação com o correspondente sindicato de trabalhadores.

2. Na hipótese vertente, a empresa suscitada encerrou suas atividades no município de Aratu-BA, procedendo à dispensa de todos os empregados dessa unidade industrial, alegando questões de estratégia empresarial e redução dos custos de produção.

3. Nesse contexto, a negociação coletiva prévia com a entidade sindical dos trabalhadores fazia-se ainda mais necessária, tendo em vista que não se tratava de mera redução de pessoal, mas de dispensa da totalidade dos empregados do estabelecimento, com consequências mais graves para os trabalhadores desempregados.

4. Impõe-se, portanto, a manutenção da decisão recorrida que declarou a ineficácia da dispensa coletiva, e suas consequências jurídicas no âmbito das relações trabalhistas dos empregados envolvidos.

Recurso ordinário a que se nega provimento.[C1] [ii][CRCF2] 

 

A viabilização de negociação individual, com claro descompasso de forças entre empregado e empregador, disposta no art. 59-A que faculta às partes, mediante acordo individual escrito, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso. Algo antes disposto no art. 60 da CLT, limitadamente, até 2017:

 

Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim. [C3] [iii]

 

Na Lei nº 13.467/2017 houve a inserção do parágrafo único para dispor que “excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso”. Com claros prejuízos para a saúde e dignidade humana dos trabalhadores na relação de trabalho.

A desproteção legal aos empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, art. 444, parágrafo único, da CLT, que dispõe sobre a livre estipulação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos. Norma desvinculada da hipossuficiência social em que se inserem os trabalhadores, independentemente de formação acadêmica e montante percebido de vencimentos mensais.

A hipossuficiência social, diferenciada da psíquica (capacidade de manifestação hígida da vontade) e da econômico/financeira (capacidade de arcar com as custas processuais), uma vez que se centra na perspectiva de distanciamento da liberdade negocial do trabalhador na relação de trabalho capitalista, uma vez que não detém o capital, meios de produção, e encontra-se alheio a possiblidades concretas garantidoras da paridade de forças frente ao empregador, de modo que se encontra obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, não tem escolhas reais sobre a profissão, o emprego, o salário, a jornada e o modo de produção, submetendo-se aos revezes do mercado que lhe impõe os modos aos quais deve se adequar para poder vender seu labor. Em decorrência, resta clara a impossibilidade de desproteção e equiparação de trabalhadores com base no nível de formação acadêmica e salário, para fins de negociação trabalhista, a qual deve permanecer protegida pela atuação das entidades de classe.

Contexto seguido pela viabilização de arbitragem para questões individuais, contrariando todos os rumos da jurisprudência pacífica em âmbito nacional até então. Nos termos dispostos no art. 507-A, ao dispor que nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa.

Até então, decisões reiteradas do TST, dispunham que, embora prevista na Lei nº 9.307/1996 (Lei da Arbitragem), a cláusula compromissória não é admissível no contrato de trabalho, devido à posição desvantajosa do trabalhador no momento da contratação. Era destaque nos votos dos ministros que era preciso enfrentar que o ato de vontade do empregado não é concreto na sua plenitude, no momento da admissão da empresa, em face da subordinação implícita no contrato de trabalho e à hipossuficiência do empregado. O que pode ser demarcado no Recurso de Revista nº 170400-06.2008.5.15.0008, Ministro Relator José Roberto Freire Pimenta, publicado em 19.12.2011:

 

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO DURANTE A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. INAPLICABILIDADE AOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. Diante da violação do art. 1.º da Lei n.º 9.307 /96, determina-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DISSÍDIO INDIVIDUAL TRABALHISTA. RESTRIÇÃO DURANTE A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. INAPLICABILIDADE AOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. O artigo 1.º da Lei n.º 9.307 /96 limita o uso da arbitragem para "dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Não é o caso dos direitos sociais do trabalho, que são direitos indisponíveis e, em sua maioria, de sede constitucional. A cláusula compromissória (artigo 4.º Lei n.º 9.307 /96) é anterior ao litígio e acarreta renúncia prévia a direitos indisponíveis. Tal renúncia, na hipótese dos autos, ocorreu na contratação, momento de clara desproporção de forças entre empregador e trabalhador. Não produz efeitos a cláusula compromissória arbitral inserida no contrato de trabalho do Reclamante. Recurso de Revista conhecido e provido.[C4] [iv]

 

O Tribunal Superior do Trabalho, ainda após a eficácia da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, tem mantido julgamentos contrários à aplicação da arbitragem em dissídios individuais, como pode ser notado no agravo de instrumento em recurso de revista (AIRR nº 1822001820095020021, publicado em 15.12.2017:

 

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO RÉU. ARBITRAGEM EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. INVALIDADE. QUITAÇÃO GERAL DO CONTRATO DE TRABALHO. 1. A jurisprudência desta Corte superior vem-se firmando no sentido de que é inválida a utilização de arbitragem, método de heterocomposição, nos dissídios individuais trabalhistas. Tem-se consagrado, ainda, entendimento no sentido de que o acordo firmado perante o Juízo Arbitral não se reveste da eficácia de coisa julgada, nem acarreta a total e irrestrita quitação das parcelas oriundas do extinto contrato de emprego. Precedentes desta Corte superior. 2. Correta, portanto, a decisão do Tribunal Regional, no sentido de determinar ao réu - Instituto de Mediação e Arbitragem - que se abstenha de mediar conflitos e homologar acordos relativos a dissídios individuais de trabalho. 3. Agravo de Instrumento não provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA. ARBITRAGEM. NULIDADE DAS SESSÕES, ATAS, TERMOS DE HOMOLOGAÇÃO E SENTENÇAS ARBITRAIS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA. SÚMULA Nº 422, I, DO TST. Os argumentos aduzidos nas razões do Recurso de Revista devem se contrapor aos fundamentos norteadores da decisão que se tenciona reformar. Do contrário, reputa-se carente de fundamentação o recurso. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.[C5] [v]

 

A lei contraria o reconhecimento de uma das lutas mais históricas dos trabalhadores, a jornada de trabalho, pretendendo afastar, sem respaldo doutrinário ou fundamental, no art. 611-B, parágrafo único, as regras sobre duração do trabalho e intervalos da natureza de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins de alteração ilimitada por acordos individuais ou coletivos. Retalia-se experiência amadurecida em âmbito nacional, conforme pacificado, até então, pelo TST[vi]:

 

SUM-437 INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT

II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.  

[...]

SUM-446 MAQUINISTA FERROVIÁRIO. INTERVALO INTRA-JORNADA. SUPRESSÃO PARCIAL OU TOTAL. HORAS EXTRAS DEVIDAS. COMPATIBILIDADE ENTRE OS ARTS 71, § 4º, E 238, § 5º, DA CLT 

A garantia ao intervalo intrajornada, prevista no art. 71 da CLT, por constituir-se em medida de higiene, saúde e segurança do empregado, é aplicável também ao ferroviário maquinista integrante da categoria “c” (equipagem de trem em geral), não havendo incompatibilidade entre as regras inscritas nos arts. 71, § 4º, e 238, § 5º, da CLT.

[...]

OJ-SDI1-360 TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. DOIS TURNOS. HORÁRIO DIURNO E NOTURNO. CA-RACTERIZAÇÃO (DJ 14.03.2008)

Faz jus à jornada especial prevista no art. 7º, XIV, da CF/1988 o trabalhador que exerce suas atividades em sistema de alternância de turnos, ainda que em dois turnos de trabalho, que compreendam, no todo ou em parte, o horário diurno e o noturno, pois submetido à alternância de horário prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade da empresa se desenvolva de forma ininterrupta.[C6] [vii]

 

Viabiliza, ainda, a negociação individual do banco de horas, antes somente permitido por negociação coletiva com participação obrigatória do sindicato laboral. O que está demarcado no art. 59, § 5º, que dispõe ser possível o banco de horas pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. Até 2017, dispunha a Súmula nº 85, inciso V, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), sobre compensação de jornada, que “as disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade ‘banco de horas’, que somente pode ser instituído por negociação coletiva[viii].

Conforme destacado por Gérson Marques,

 

a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017)  não  implementa  um “novo” Direito do Trabalho. Ela regride, no geral, para volver um “velho” Direito do Trabalho, aquele que estava se debatendo nas  incertezas  do  início  do  século  XX. A modernização econômica, que ela supostamente traduz, é confrontada com um atraso jurídico e social (GÉRSON MARQUES, ano, pg[C7] )[ix].

 

Observa-se verdadeira desestruturação antissocial em dissonância com os avanços sociais e o amadurecimento da jurisprudência pátria, em prejuízo da dignidade humana e dos dispositivos fundamentais, apta a configurar, inclusive, dumping social, com relação a outros Estados parte das convenções internacionais da OIT, uma vez que pode ensejar baixo custo de produção com sérios impactos no mercado internacional, além de precarizar a mão de obra em atos sem precedentes, após a Segunda Guerra Mundial e o contexto Pós Positivista.

 

3 Perspectivas limitadoras da “Deforma” Trabalhista

 

Apesar do ânimo açodado que culminou com a reforma de dezenas de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem respeitar o devido processo legislativo, por ter se tratado de verdadeira alteração de código, a qual não poderia ter ocorrido com tamanha celeridade, deixou-se diversas arestas que precisam ser aparadas para que se mantenha a higidez do sistema normativo e do ordenamento jurídico nacional.

Em breves linhas, os artigos apresentados no tópico anterior referentes à negociação individual apta a contrariar a negociação coletiva ou a elidir a participação das entidades representativas, tais como sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais de trabalhadores, não atentaram sequer para dispositivos que restaram incólumes em termos celetistas, tais como o art. 619, com redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967: “Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito.”  

Dispositivo que deve ser considerado robustamente, caso haja contrariedade ao disposto em instrumentos de negociação coletiva, sendo “nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, conforme o art. 9º celetista.

Ademais, caso haja negociação em prejuízo ao trabalhador, o caput do art. 444 foi mantido incólume, ao dispor que:

 

As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.[C8] [x]

 

Algo que se sedimenta no art. 7º, caput, da Constituição de 1988, ao demarcar que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, impedindo a redução e incentivando a melhoria, o aprimoramento e a perspectiva da dignidade humana em âmbito social.

Ressalte-se, nos termos do art. 8º, III, também da Constituição, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, não podendo eficazmente a lei, hierarquicamente inferior no ordenamento jurídico, sobrepor-se para afastar o movimento sindical e a representação da categoria, priorizando o desprotegido indivíduo nas relações de trabalho.

Norte que, inclusive, pode ser ampliado para o respeito à posição do sindicato dos trabalhadores, conforme convencionado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Convenção nº 98 (aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva), Convenção nº 87 (liberdade sindical), Convenção nº 135 (sobre a proteção de representantes de trabalhadores), Convenção nº 154 (incentivo à negociação coletiva), dentre outras.

Apesar de não ratificada, mas tomada como norte interpretativo pela República Federativa do Brasil, a Convenção nº 87 da OIT, no art. 3º, item 2, dispõe que “as autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal”. Algo replicado no art. 8º da Constituição, em todos os seus dispositivos, mas que pretende ser mitigado pela Lei nº 13.437/2017 nos casos de prevalência do individual sobre o coletivo apresentados no tópico anterior.

O art. 8º, item 2, da Convenção nº 87, reitera que “a legislação nacional não deverá prejudicar nem ser aplicada de modo a prejudicar as garantias previstas pela presente Convenção” (OIT, 1948)[xi]. [C9] Ainda, o art. 10, demarca que “o termo ‘organização’ significa qualquer organização de trabalhadores ou de empregadores que tenha por fim promover e defender os interesses dos trabalhadores ou dos empregadores” (OIT, 1948)[xii].[C10] 

A Convenção nº 98 da OIT (aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva), ratificada pelo Decreto Legislativo nº 49, de 1952, impõe o caráter protetivo, no art. 1º, inciso 1, ao dispor que “os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego[xiii]. A norma supralegal destaca, art. 4º, que:

 

Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego (OIT, 1949).[xiv][C11] 

 

Em sentido contrário, a norma legal de 2017, intenta, nos dispositivos apresentados no tópico anterior, reduzir a possibilidade de negociação coletiva e, em muitos casos, fazer com que a negociação individual prepondere, ainda que contrariando instrumentos de negociação coletiva. Algo que não pode prosperar, por contrariar o ordenamento jurídico e contradizer a noção de sistema normativo.

A Convenção nº 135 da OIT (sobre a proteção de representantes de trabalhadores), ratificada pelo Decreto Legislativo nº 86, de 1989, em sentido contrário ao disposto na Lei nº 13.467/2017, não sobrepõe ao sindicato dos trabalhadores sequer os representantes eleitos na empresa (representação por local de trabalho), sendo inviável a sobreposição dos trabalhadores individualmente considerados, como pode ser notado em:

 

ARTIGO 5º - Quando uma empresa contar ao mesmo tempo com representes sindicais e representantes eleitos, medidas adequadas deverão ser tomadas, cada vez que for necessário, para garantir que a presença de representantes eleitos não venha a ser utilizada para o enfraquecimento da situação dos sindicatos interessados ou de seus representantes e para incentivar a cooperação, relativa a todas as questões pertinentes, entre os representantes eleitos, por uma Parte, e os sindicatos interessados e seus representantes, por outra Parte (OIT, [C12] 1971)[xv]

 

A lógica internacional e internalizada é no sentido de reconhecer a hipossuficiência social dos trabalhadores individualmente considerados, os quais necessitam de representantes, sendo os mais legitimados os integrantes das entidades sindicais respectivas.

Conjuntura normativa, imperativa e cogente que se torna mais clara com os dispositivos da Convenção nº 154 da OIT (incentivo à negociação coletiva), ao demarcar de modo cristalino o respeito à posição do sindicato dos trabalhadores, art. 3º, inciso 2, verbis:

 

Artigo 3º - 2. Quando, em virtude do que dispõe o parágrafo 1 deste artigo, a expressão "negociação coletiva" incluir também as negociações com os representantes dos trabalhadores a que se refere o parágrafo mencionado, deverão ser adotadas, se necessário, medidas apropriadas para garantir que a existência destes representantes não seja utilizada em detrimento da posição das organizações de trabalhadores interessadas (OIT, [C13] 1981).[xvi]

 

O art. 8º da Convenção nº 154 da OIT ainda dispõe que “as medidas previstas com o fito de estimular a negociação coletiva não deverão ser concedidas ou aplicadas de modo a obstruir a liberdade de negociação coletiva” (OIT, [C14] 1981)[xvii].

Tal perspectiva já está sendo, ademais, alvo de acolhimento de denúncias e investigações pela Comissão de Normas da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, Suíça, que incluiu a República Federativa do Brasil na Lista Suja dos países que descumprem as normas da OIT:

 

OIT coloca Brasil em lista suja, por causa de reforma trabalhista[xviii]

Um dos pontos questionados é a priorização do negociado sobre o legislado

BRASÍLIA — A Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluiu o Brasil na lista de nações acusadas de descumprir normas internacionais de proteção dos trabalhadores. A decisão foi divulgada nesta terça-feira em Genebra, na Suíça, sede do organismo. Com isso, o Brasil entrou para um grupo de 24 países, ao lado de Haiti e Camboja. Um dos pontos questionados pela OIT é a priorização do negociado sobre o legislado, prevista na reforma trabalhista.

A entrada do Brasil nessa lista suja ocorreu após denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos sindicatos contra a reforma trabalhista. Agora, um comitê da OIT vai analisar possíveis violações de convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro.

Segundo o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto, a última vez em que o Brasil ficou nessa situação foi em 2001.

Em 2017, antes da aprovação da reforma trabalhista, o Brasil chegou a ser incluído em uma relação mais ampla e preliminar, mas acabou de fora da lista definitiva. No início deste ano, o Comitê de Peritos da OIT pediu ao governo brasileiro a revisão dos pontos da reforma que permitem a prevalência de negociações coletivas sobre a lei.

‘É uma falta de força no mercado de trabalho que desestimula a efetivação do temporário, dada a fraqueza do cenário econômico’ - Cimar Azeredo - Coordenador de Trabalho do IBGE

O problema estaria nos artigos 611-A e 611-B, inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela reforma trabalhista. O primeiro artigo lista quais são os casos em que o negociado pode sobrepor o legislado, entre eles jornada de trabalho, banco de horas, intervalo intrajornada (para o almoço) e participação nos lucros. O segundo deixa claro quais são as situações em que isso não é permitido. Nesse caso, estão incluídos o repouso semanal remunerado, o direito ao salário-mínimo e à licença-maternidade, por exemplo.

O pedido da OIT era para que o governo conversasse com os “parceiros sociais” em relação aos dois artigos e examinasse a revisão dos itens de forma a estar em conformidade com as convenções assinadas com a organização.

Segundo o MPT, o Comitê confirmou o entendimento de que a reforma trabalhista viola a Convenção nº 98, sobre direito de sindicalização e de negociação coletiva, ratificada pelo Brasil. Foi pedida ainda a revisão da possibilidade de contratos individuais de trabalho estabelecerem condições menos favoráveis do que o previsto na lei.

Para Ronaldo Fleury, procurador-geral do MPT, a inclusão expõe o Brasil internacionalmente e é fruto da aprovação, de forma açodada, de uma reforma que torna precárias as relações de trabalho no país.

— É uma pena o Brasil ser exposto internacionalmente. Entretanto, isso é resultado da reforma trabalhista, que só visou a precarização das relações de trabalho, criando formas alternativas e precarizantes de contratação e, principalmente, visando o enfraquecimento da estrutura sindical — disse o procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury.

Ele lembrou que, antes da aprovação e sanção da reforma trabalhista, o MPT alertou o Congresso Nacional e o governo federal que a matéria violava a Constituição Federal e normas internacionais ratificadas pelo Brasil. Fleury acrescentou que a instituição também teve atuação constante no cenário internacional para alertar sobre pontos da nova legislação trabalhista que ferem as convenções internacionais.

Embora os Estados tenham soberanias para editar suas leis, o Brasil passaria a ser visto como um país que assinou um acordo internacional, mas não o cumpriu. Além disso, entrar na lista de nações que não cumprem tratados por elas ratificados é considerado um constrangimento internacional.

Procurada, a OIT informou que o caso brasileiro, assim como o dos demais países listados, será discutido na próxima semana, durante reunião do Comitê de Conferência do organismo. Já o Ministério do Trabalho ainda não se manifestou.

'PESADA INJUSTIÇA', DIZ MINISTRO

O ministro do Trabalho, Helton Yomura, afirmou que a inclusão do Brasil na lista de 24 casos a serem examinados pela comissão de normas da OIT foi uma "pesada injustiça". Segundo ele, a decisão foi tomada sem qualquer base técnica, com o propósito de promover a projeção pública internacional da modernização trabalhista.

"As acusações feitas ao Brasil, nesse caso via Ministério do Trabalho, fazem parte de um discurso político-partidário que está perdendo força no país, mas que ainda teima em sabotá-lo frente à opinião pública, usando, entre outros estratagemas, a tentativa de colocá-lo em situação de constrangimento internacional", diz uma nota divulgada nesta terça-feira pelo ministro.

Ele esclareceu que o exame de casos nacionais pela OIT não representa condenação à reforma trabalhista brasileira. Para o ministro, será uma oportunidade para mostrar à comunidade internacional os avanços da nova legislação.

"Essa lei foi concebida com o objetivo de trazer para o século 21 as relações de trabalho praticadas no Brasil. Antes de sua entrada em vigor, o Brasil estava preso a amarras que o impediram, durante mais de 70 anos, de progredir no âmbito do relacionamento entre trabalhadores e empregadores. A modernização trabalhista veio para conferir segurança jurídica a esse diálogo, cuja qualidade é essencial ao desenvolvimento do país", destacou.

De acordo com Yomura, as ações diretas de inconstitucionalidade em análise no Judiciário se resumem a aspectos processuais da modernização, como o fim da contribuição sindical obrigatória. Acrescentou que, apesar do pouco tempo em que está em vigência, a Lei 13.467 já está gerando resultados.

Usando dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados mensalmente pelo Ministério do Trabalho, o ministro ressaltou que, em abril de 2018, houve 4.523 admissões na modalidade de trabalho intermitente, com um saldo de 3.601 empregos, envolvendo 1.166 estabelecimentos. No trabalho em regime de tempo parcial foram registradas 5.762 admissões, resultando em um saldo de 2.554 empregos, em 3.533 estabelecimentos.

"A modernização trabalhista veio para contribuir para a recuperação e a evolução do mercado de trabalho brasileiro, com mudança e aprimoramento de referências e de mentalidade. A nova lei é nada menos que o principal instrumento para que o país derrote, com a urgência e a efetividade necessárias, aquele que é hoje o seu maior inimigo: o desemprego. Aprimorá-la é um compromisso do Ministério do Trabalho com a sociedade brasileira. Aqueles a quem não interessa ver o Brasil avançar precisam se convencer de que não terão êxito em seu propósito. E que tentar denegrir o conceito do país no exterior é um ardil que vitima a nação como um todo. O Brasil está avançando. O Brasil dos direitos trabalhistas assegurados. O Brasil da valorização de cada trabalhador. O Brasil do emprego", enfatizou o ministro.

CNI CRITICA INCLUSÃO

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a inclusão não tem fundamento. Em nota, a entidade argumentou que a reforma trabalhista busca fomentar o diálogo entre empresas e empregados.

De acordo com a CNI, o setor produtivo brasileiro entende que a Lei 13.467/17, que modernizou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), está em linha com todas as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em especial as de número 98 e 154. Para a entidade, a reforma trabalhista valorizou e sedimentou seus conceitos na legislação, não tendo relação alguma com supressão de direitos ou com precarização do trabalho.

"É preciso reforçar que a nova legislação, com o reconhecimento da negociação coletiva e o seu estímulo como relevante instrumento de harmonização das relações do trabalho, busca dar a necessária segurança para que sindicatos e empresas encontrem soluções e ajustes que lhes sejam benéficos e compatíveis com a realidade de cada atividade produtiva", destacou a CNI.

Na nota, a confederação lembra que a necessidade de se modernizar as leis do trabalho no Brasil está em debate há, pelo menos duas décadas. Já em 2004, o Fórum Nacional do Trabalho deixava claro o entendimento entre trabalhadores, empregadores e governo do prestígio ao diálogo e a valorização da negociação coletiva. Para tanto, era preciso que os instrumentos coletivos negociados de forma espontânea e legítima, celebrados à luz da Constituição, deixassem de sofrer com o cenário de insegurança jurídica do Brasil.

A entrada do Brasil nessa lista suja ocorreu após denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos sindicatos contra a reforma trabalhista. Agora, um comitê da OIT vai analisar possíveis violações de convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro (OIT, 2017).

 

O Comitê de Liberdades Sindicais, em decisões reiteradas, tem decidido por sobrepor a “posição do sindicato” sobre acordos individuais e sobre instrumentos negociados com representantes eleitos na empresa, como pode ser verificado nos verbetes da Recopilação de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho, como, por exemplo, os verbetes nº 782, 787, 788, 789, 790. Importante a transcrição da decisão disposta no Verbete nº 787, litteris:

 

Na Convenção nº 135, de 1971, sobre os representantes dos trabalhadores, e na Convenção nº 154, de 1981, sobre a negociação coletiva, figuram determinações expressas para garantir que, numa mesma empresa, quando há sindicatos e representantes eleitos pelos trabalhadores, se adotem medidas adequadas para garantir que a existência de representantes eleitos não seja utilizada em detrimento da posição dos sindicatos interessados (OIT, [C15] 1997)[xix]

 

Desse modo, diante das dimensões do presente texto, resta grande incongruência do texto da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, com as normas que lhe são hierarquicamente superiores, o que já vem gerando desconforto internacional, caminhando para atitudes mais sérias a nível de Organização Internacional do Trabalho, mas que podem ser amenizadas com o posicionamento do Poder Judiciário quando provocado acerca das incompatibilidades da proposta normativa da “Lei da Deforma Trabalhista”.

 

  1. Conclusão
     

Conforme apresentado, a maturidade da jurisprudência e da normatização brasileira acerca dos valores sociais do trabalho em equilíbrio com a livre iniciativa, a fundação da ordem econômica no primado do trabalho humano, o princípio da proteção, o reconhecimento da hipossuficiência social e a otimização da dignidade da pessoa humana, encontram-se fortemente ameaçados com os dispositivos da Lei nº 13.467/2017.

Situação que tem gerado desconforto em âmbito nacional, com decisões de profunda divergência nos tribunais pátrios, para questões que se encontravam pacificadas até 2017, com decisões ora atentas à dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho, ora em total descompasso social e perecimento da vida dos trabalhadores na relação de trabalho.

Aspectos fundamentais como a inserção da jornada de trabalho como atinente à saúde e com repercussões diretas na segurança e dignidade dos trabalhadores sofrem ataque estatal com ameaças desmoronantes.

Princípios basilares como a negociação coletiva encontram-se vilipendiados pela legislação e forte insegurança jurídica paira nas terras verde amarelas, após a publicação da Lei nº 13.467/2017.

Já há casos no Supremo Tribunal Federal que sinaliza para a garantia da “Deforma” Trabalhista, em claro retrocesso social, mas que ainda restam sem definição e com profundas divergências nos Tribunais do Trabalho e cisão no Tribunal Superior do Trabalho. Remédios processuais reiterados, escusos têm sido utilizados, gerando confusão inclusive entre as instâncias trabalhistas e extraordinárias, com decisões conflitantes para o mesmo caso sendo apresentadas, por vezes, no mesmo dia ou semana, por instâncias diversas.

A nível internacional, a República Federativa do Brasil já está na lista suja da Organização Internacional do Trabalho, exatamente pela contrariedade a normas da OIT, destacando-se que o Ministro do Trabalho que compareceu para defender a “Deforma” e atacar a denúncia foi afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal por suspeita de descumprimento das normas trabalhistas e por corrupção.

Nesse passo, urge o resgate pelos atores sociais, pelo Ministério Público do Trabalho, pela Justiça do Trabalho e Ministério do Trabalho, do caráter protetivo do Direito do Trabalho, sob pena de elisão desse ramo essencial do Direito ser elidido, com consequências desastrosas para o Estado Democrático de Direito.

Tal resgate deve partir das contradições deixadas pela Lei nº 13.467/2017, a qual deve sucumbir em seu caráter destrutivo da dignidade da pessoa humana, sendo sobreposta eficazmente pelas normas constitucionais e tratados internacionais sobre direitos humanos protetivos na relação de trabalho, conforme demonstrado em breves linhas no presente texto. Assim, que a civilização avance com seus estudos e experiências a fim de garantir a verdadeira dignidade da pessoa humana, sem retrocessos e com ajustes nas políticas públicas desumanas, como as pretendidas pela “Lei da Deforma Trabalhista”.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Necessidade de negociação para demissão em massa tem repercussão geral reconhecida. Publicado em 02 de abril de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=234798>. Acesso em: [C16] 22.01.2019.
 
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial,  SBDI-I,  SBDI-I Transitória, SBDI-II  e SDC). Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília:   Impressão e acabamento: Coordenação de Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
 
GÉRSON MARQUES, Francisco. Convite ao estudo da hermenêutica em Direito do Trabalho.  Disponível em: <http://www.excolasocial.com.br/informe-se/artigos/nossos-artigos/19/>. Acesso em:[C17]  22.01.2019.
 
OLIVEIRA, Eliane. OIT coloca Brasil em lista suja, por causa de reforma trabalhista. O Globo, 29.05.2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/oit-coloca-brasil-em-lista-suja-por-causa-de-reforma-trabalhista-22729381>. Acesso em:[C18]  22.01.2019.
 
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 87 - Liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_239608/lang--pt/index.htm. Acesso em:[C19]  22.01.2019.
 
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 98 - Aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_098.html>. Acesso em:[C20]  22.01.2019.
 
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 135 - Sobre a proteção de representantes de trabalhadores. Disponível em:  <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_135.html>. Acesso em:[C21]  [C22]  22.01.2019.
 
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 154 - Sobre o incentivo à negociação coletiva. Disponível em:  <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_154.html>. Acesso em:[C23]  [C24]  22.01.2019.
 
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Recopilação de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho. 1997. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf>. Acesso em 08 de set. de 2018. Acesso em: [C25]  22.01.2019.[C26] 
 
 
 
 
 
 
 
 


[i] Especialista, Mestre e Doutor em Direito, graduado em Letras e Direito. Membro do GRUPE (Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista) e da Excola (Excelêcia em Formação Social). Advogado sindical e Professor universitário.
[ii]REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário nº 6-61.2011.5.05.0000, Ministro Relator Walmir Oliveira da Costa, publicado em 22.02.2013.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 22.01.2019
[iv] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.Recurso de Revista nº 170400-06.2008.5.15.0008, Ministro Relator José Roberto Freire Pimenta, publicado em 19.12.2011.
[v] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento em recurso de revista (AIRR nº 1822001820095020021, publicado em 15.12.2017
[vi] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial,  SBDI-I,  SBDI-I Transitória, SBDI-II  e SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília:   Impressão e acabamento: Coordenação de Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
[vii] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial,  SBDI-I,  SBDI-I Transitória, SBDI-II  e SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília:   Impressão e acabamento: Coordenação de Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016
[viii] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial,  SBDI-I,  SBDI-I Transitória, SBDI-II  e SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília:   Impressão e acabamento: Coordenação de Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016.
[ix] GÉRSON MARQUES, Francisco. Convite ao estudo da hermenêutica em Direito do Trabalho.  Disponível em: <http://www.excolasocial.com.br/informe-se/artigos/nossos-artigos/19/>. Acesso em:  22.01.2019.
[x] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 22.01.2019
[xi] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 87 - Liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_239608/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xii] Op. cit. Convenção nº 87.
[xiii] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 98 - Aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_098.html>. Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xiv] Op. cit. Convenção nº 98.
[xv] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 135 - Sobre a proteção de representantes de trabalhadores. Disponível em:  <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_135.html.> Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xvi] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 154 - Sobre o incentivo à negociação coletiva. Disponível em:  <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_154.html>. Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xvii] Op. cit. Convenção nº 154.
[xviii] OLIVEIRA, Eliane. OIT coloca Brasil em lista suja, por causa de reforma trabalhista. O Globo, 29.05.2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/oit-coloca-brasil-em-lista-suja-por-causa-de-reforma-trabalhista-22729381>. Acesso em: 08 de set. de 2018.
[xix] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Recopilação de Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho. 1997. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf>. Acesso em: 08 de set. de 2018.


 [C1]falta referência. A referência está no corpo do próprio texto... de regra, nos textos jurídicos, não citamos a fonte na bibliografia quando se trata de norma jurídica publicada e jurisprudência
 

 [C3]falta referência

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 [C9]colocar ano e excluir a nota

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