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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Vida/Arte: A dança das garças (Maria Lúcia Martins)

Campus do Pici (UFC) - Fortaleza/Ce/Brasil
GARÇAS 


Antes não havia garças. (Antes
                            dos ventos).
Restos de estrelas navegavam a noite
                            (a nuvem escura)
e se alvejavam em seixos e ossos.
                            À mesma noite
acrescentam-se sombras: eram as penas
                            e a plumagem.
As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
                            feitas de vôo
(o vôo primeiro). Garças de asas
                            emendadas em asas,
as garças passam penhascos, além,
                            os prados cinza.
O verde inda é longe. Longe, as aves
                            adivinham a terra.
As garças descem (como atraídas) e
                            sentem a primeira
sede. A água compreendida pela
                            sede. Jamais
a informação da água: as garças gestadas
                            de puro vôo.


Nos ventos, o olhar enfastiou-se.
As garças buscam clarão de madrugadas
(ou de crepúsculos: nenhum sinal
por distinguir a cor das horas).
As garças pisam areias virgens
(imprimem sua chegada: a cruz aberta)
beiras de charcos, beiras de lagos,
restos de mar incendiados ao meio-dia.

Às vezes, as garças se animam
com o assovio dos ventos chamando
a noite. E dançam. Dançam o passado
cravado às asas. Nunca procuram
caminhos de volta: foram apagados.



Fonte: http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet051.htm

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