A
Consolidação das Leis do Trabalho deve continuar se aperfeiçoando para atender
às necessidades do mundo do trabalho, "Mas nunca, nesses ajustes, se
aceitará a precarização, a desvalorização do trabalho". A avaliação é do
presidente do TST, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, que, na virada do
ano, faz um balanço de sua gestão à frente do Tribunal e da Justiça Trabalhista.
O significativo aumento no número de processos que chegam ao Judiciário é tema
que preocupa o magistrado. "Temos que valorizar as ações de natureza
coletiva. Assim, com uma decisão alcançaremos um número maior de envolvidos e
teremos uma homogeneidade nas decisões", diz.
Como o
senhor avalia os 70 anos da CLT?
A CLT, ao
longo de seus 70 anos, apesar de já ter sofrido inúmeras alterações, continua
dialogando com a sociedade. E por que isso? O que dá vida à CLT são os seus
princípios. A matriz está em seus princípios. A CLT fez com que o trabalhador
se tornasse não apenas um "objeto", mas sujeito de direito na relação
de trabalho, na qual ele é geralmente a parte mais frágil. Por isso, a CLT tem
normas impositivas. Exatamente porque o Estado entende que é necessário
preservar valores. Então essa permanência da CLT, a meu ver, se deve ao vigor
de seus princípios. Mas, em momento algum, digo que a CLT está cristalizada.
Ela vai sendo ajustada e adequada. Mas nunca, nesses ajustes, se aceitará a
precarização, a desvalorização do trabalho.
Como o
senhor avalia as mudanças nas relações de trabalho e na sociedade ao longo da
sua trajetória profissional? A magistratura mudou desde quando o senhor se
tornou juiz?
Mudou e
isso é muito positivo! A Justiça do Trabalho mudou muito. Eu sou testemunha de
vários fatos. Colocaria como primeiro marco a Constituição de 1988, não apenas
na sociedade, mas também na Justiça Trabalhista, pois ela firmou a cidadania.
Se uma pessoa se descobre como cidadão, ela se descobre como detentor de
direitos e passa a ter voz. Outro marco foi a Emenda 45 e a criação do CNJ. O
cidadão ganha o seu espaço dentro do Poder Judiciário e ele tem que ser ouvido.
A justiça está aí para isso, para servi-lo. Então, se eu for fazer uma análise
do ponto de vista processual, do ponto de vista procedimental, o maior número
de ações coletivas, a atuação do Ministério Público do Trabalho, as condições
de trabalho dos juízes de primeiro grau com o PJe, tudo foi alterado. A
primeira sentença que dei, eu escrevi à mão. Depois, comprei uma máquina de
escrever. A vida mudou. E o que a justiça será? O que quisermos que ela seja,
em observância às normas constitucionais e os interesses da cidadania. Sempre
voltada à cidadania.
O senhor é
um dos poucos representantes negros da magistratura brasileira. Como avalia sua
carreira sob esse aspecto?
Se
olharmos hoje para a presença do negro no judiciário, tem aumentado. Quando eu
entrei, era muito reduzida. Eu fui o primeiro ministro negro nomeado em grau
superior. Hoje, temos o STF presidido pelo Joaquim Barbosa. As coisas mudaram.
Qual o sentido disso? Tem valor histórico, mas tem também um motivo para
reflexão. A sociedade brasileira tem que criar oportunidades para que todos os
seus segmentos representativos estejam presentes nos âmbitos politico, social e
econômico. Para que todos os negros possam acreditar que é possível ocupar
grandes cargos de representatividade na sociedade brasileira. Ações afirmativas
são tão importantes que a própria Constituição prevê seu uso. O que se busca
com ação afirmativa é uma melhor qualificação, para que se haja uma igualdade
de oportunidades entre os indivíduos.
Como
presidente do TST, o senhor abriu o Tribunal para o debate com a sociedade. Por
que o senhor considera importante esse tipo de iniciativa?
É um pouco
do reflexo das minhas crenças. Para o judiciário julgar, tem que estar próximo
daqueles que são os protagonistas do julgamento. O juiz não integra o conflito
de interesses. O conflito é entre o autor e o réu. Ora, se assim o é, é
fundamental que autor e réu, ou a sociedade em geral, venham aqui e mostrem a
sua realidade. Nós regulamos para a vida, para os fatos, e é necessário que
esses fatos sejam de nosso conhecimento. Essa é a nossa preocupação. Por isso,
fizemos os encontros, os debates. Acho que foi um trabalho que rendeu frutos
muito positivos.
O senhor
também promoveu comemorações relativas aos 70 anos da CLT.
Nós
mobilizamos a comunidade. Não apenas a jurídica, mas toda a sociedade. Levamos
essa data para dentro do Congresso. Fizemos sessão dentro do TST. Todas nossas
atividades de acessibilidade, trabalho seguro, a memória do Direito do
Trabalho, todas essas ações tiveram como mote os 70 anos de CLT. Ela é o grande
referencial. Mas não foi um trabalho do TST, foi um trabalho de todos os
tribunais, foram várias iniciativas. Lembro, inclusive, quando estivemos em São
Paulo lançando o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, que foi também um
momento comemorativo dos 70 anos. Foi importante, pois trabalhamos a
conscientização. Desenvolvemos um trabalho junto com as crianças com uma
publicação, uma história em quadrinhos com a Turma da Mônica. Distribuímos mais
de 30 mil exemplares sobre o trabalho infantil. Veja que coisa importante a
própria criança entender que ela não pode aceitar de forma passiva o trabalho
na sua idade. Ela nasceu para ser educada. Trabalhar jamais. Estamos plantando
para colher os frutos no futuro.
Como foi o
ano de 2013 para o TST em relação ao número de processos julgados?
Houve um
crescimento muito grande no volume de casos novos. Fechamos o ano com mais de
293 mil processos, ou seja, um acrescimento de cerca de 30% sobre o volume de
2012.
Qual a
consequência disso?
É grave,
exige serviço mais intenso por parte dos juízes. Julgamos mais de 250 mil
processos, uma média de aproximadamente 1.600 processos por ministro. É um
numero extraordinário, que nos assusta.
E como os
ministros têm enfrentado a situação?
Temos
buscado julgar o máximo mantendo a qualidade. A providência imediata nesse ano
foi possibilitarmos a realização de horas extras dos servidores e, assim, eles
ajudaram de forma mais intensa, apresentando um rendimento quantitativamente
mais expressivo. Porém, essa solução exclusivamente paliativa não mostrou ser o
melhor caminho. Estamos conversando com os ministros para encontrar um melhor
caminho para esse problema.
Que
alternativas haveria?
Poderíamos
cogitar convocar mais desembargadores dos Tribunais Regionais para participar
de julgamentos de turma, julgamentos de agravos de instrumento e de recursos de
revista. É um encaminhamento. Existe também a possiblidade de se aplicar o
Princípio da Transcendência, que está na CLT, equivalente da Repercussão Geral.
Seria uma forma, mas temos dificuldade com a regulamentação.
Outra
opção é o projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional sobre
alterações no sistema recursal trabalhista. Esse é um projeto muito importante.
Teve origem no TST, já passou na Câmara dos Deputados e está no Senado Federal.
Em 2014, vamos nos empenhar para que esse projeto tenha o seu devido curso e
seja concluído com a sanção presidencial.
O TST
continua com seus grandes desafios. O maior é em relação a mantermos o
julgamentos dos processos que nos chegam de forma célere e mantermos uma
razoável qualidade nos julgamentos, sem esquecer da pessoa do magistrado, da
pessoa do servidor, de todos os envolvidos no julgamento dos processos. Afinal, queremos que os processos sejam
julgados devidamente, mas mantendo um padrão de vida adequado àqueles que
servem ao serviço público.
A que o
senhor credita o crescimento no número de processos?
Há um
aspecto positivo. Quando você bate à porta de alguém é porque você acha que
esse alguém pode ter respostas para você. Quando alguém vem à Justiça do
Trabalho, é porque confia nela. Ou seja, a justiça ganha cada vez mais a
confiança no cidadão. Agora, de outra sorte, temos que refletir sobre a
necessidade de se ter tanta judicialização. Não haveria outras formas de
resolver conflitos e interesses que permeiam os dissídios? Sei que o Congresso
hoje está discutindo a intermediação e a arbitragem. É possível trazer esses
mecanismos para a Justiça do Trabalho? Em tese, é. Mas é preciso ter o cuidado
para preservamos os valores relativos ao trabalho.
Eu
continuo a entender que é preciso firmar, no processo do trabalho, uma outra
vertente. Criar uma mentalidade de uma não valorização tão intensa dos
dissídios individuais. Se cada um vir postular o seu direito individual, que
muitas vezes é igual a outros demais, teremos uma incidência muito grande de
ações, correndo-se o risco de termos decisões diversas para situação que são,
no fundo, a mesma coisa, e que as vezes só se diferenciam no relato e na
instrução. Então, eu continuo a entender que temos que ter é a valorização das
ações de natureza coletiva. Assim, com uma decisão alcançaremos um número maior
de envolvidos e ter uma homogeneidade das decisões.
O PJe pode
contribuir para o crescimento do número de processos julgados?
O projeto
judicial Eletrônico é um instrumento de trabalho, no qual a justiça trabalhista
é pioneira. O PJe está implantado nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho e no
TST. É um instrumento que visa a celeridade, a transparência. Ele é uma das
formas da Justiça do Trabalho para enfrentar essa grande demanda a que
assistimos. Tivemos em 2013 um ano muito
fértil em termos de PJe. Em 2012, contávamos com cerca de 234 varas funcionando
com o sistema. Logo no início de 2013, alcançamos 340 varas. Hoje, temos 937
varas. É um número excepcional. Buscamos agora a estabilização. O PJE é
definitivo e estamos em constante aperfeiçoamento do sistema, para que ele abra
as melhores perspectivas possíveis.
Fonte:
http://www.tst.jus.br/home/-/asset_publisher/eVj1/content/%E2%80%9Cnunca-se-aceitara-a-precarizacao%E2%80%9D?redirect=http%3A%2F%2Fwww.tst.jus.br%2Fhome%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_eVj1%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-3%26p_p_col_count%3D5
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