Sociólogo
Michael Löwy realiza análise sobre os 50 anos do movimento cristão progressista
no país
Michael
Löwy é um sociólogo marxista brasileiro, radicado na França, onde é diretor de
pesquisas emérito em ciências sociais do Centro Nacional de Pesquisa Científica
(CNRS). Ele é um dos pesquisadores que
vem buscando compreender o movimento da Teologia da Libertação. Sentindo-se impactado pelo que vinha
acontecendo com a Igreja brasileira no final dos anos 1970 e, sobretudo, pela
participação massiva de cristãos na Revolução Sandinista de 1979, ele começou a
escrever sobre marxismo e Teologia da Libertação a partir dos anos 80. Com
o material reunido ao longo dos anos, tal como entrevistas e documentos, Löwy escreve o livro Guerra dos deuses –
religião e política na América Latina, com a primeira edição em inglês, no
ano de 1996, e publicado no Brasil em 2000 pela Editora Vozes. Este livro analisa o campo de forças
político-religioso na América Latina desde o final dos anos 50 e foi o ganhador
do prêmio Sérgio Buarque de Holanda, na categoria ensaio social. Seguindo a
coerência de sua adesão ético-política, Löwy
doou o dinheiro do prêmio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra). Nesta entrevista ao Brasil de Fato, concedida pela ocasião dos 50
anos da Ação Católica Operária/ Movimento dos Trabalhadores Cristãos (ACO/MTC)
no Brasil, ele reflete sobre a trajetória deste movimento como parte do
cristianismo da libertação.
A Teologia
da Libertação, segundo Michael Löwy
Brasil de
Fato – Há pontos de contato entre o horizonte de movimentos como a ACO e o
projeto socialista? Quais?
Michael
Löwy – Movimentos como a Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude
Operária Católica (JOC), a ACO, promoveram, em particular nos anos de 1960 e
1970, uma crítica radical do capitalismo, inspirando-se não só em fontes
cristãs – desde encíclicas papais até escritos da esquerda católica francesa,
como Emmanuel Mounier etc. – mas também em textos de Marx e dos marxistas
latino-americanos (teoria da dependência). Entre seu horizonte sociorreligioso,
o reino de deus, e o reino da liberdade socialista, existe uma espécie de
afinidade eletiva.
Na sua
avaliação, quais são as principais contribuições sociais, políticas,
ideológicas de movimentos do cristianismo da libertação, entre os quais a ACO?
E quais as principais limitações?
O cristianismo da libertação é um vasto
movimento social que aparece no Brasil desde o começo dos anos 1960 – bem antes da aparição dos primeiros
livros da teologia da libertação. Este movimento inclui setores significativos do clero – padres, freiras, ordens
religiosas, bispos – dos movimentos religiosos leigos, como a Ação Católica, a
JUC, a JOC, a ACO, das comissões pastorais, como Justiça e Paz, Pastoral da
Terra, Pastoral Operária, e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Trata-se de uma ampla e complexa rede
que ultrapassa os limites da Igreja como instituição, e que reúne, a partir dos
anos 1970, milhões de cristãos que partilham a opção prioritária pelos pobres.
Sem a existência deste movimento social, sem o cristianismo da libertação – o
que inclui ao mesmo tempo uma prática social emancipadora, novas formas de
prática religiosa e uma reflexão espiritual (mais tarde teológica) que
corresponde a esta experiência – é impossível entender o conflito entre a
Igreja e o regime militar no curso dos anos de 1970, assim como, a partir de
1978, o espetacular surgimento de um novo movimento das classes subalternas,
dos trabalhadores da cidade e do campo: o Partido dos Trabalhadores, a Central
Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Com
efeito, uma grande parte dos militantes e quadros dirigentes dessas novas
organizações vêm das CEBs e pastorais populares, e é no cristianismo da
libertação que se encontra a motivação primeira de seu compromisso social e de
sua mística política.
Uma das
principais contribuições ideológicas do cristianismo da libertação – objeto de
críticas incessantes de parte do Vaticano e das correntes conservadoras da
Igreja no Brasil – é a integração, em maior ou menor grau, segundo os casos, de
elementos fundamentais do marxismo. Obviamente, existe uma grande diversidade
neste terreno, indo desde a desconfiança ou a hostilidade de alguns até a
explícita autodefinição de grupos ou indivíduos como “cristãos marxistas” –
passando por várias formas de prudente e implícita utilização de alguns
aspectos. A grande maioria dos
militantes de base do cristianismo da libertação provavelmente nunca ouviu
falar em Marx, mas isto não impede que em sua cultura político-religiosa se
encontrem, mais ou menos diluídos, temas e conceitos do marxismo.
Obviamente se trata de uma integração
seletiva: são rejeitados elementos como o ateísmo materialista, e assimilados
outros como a crítica do capitalismo – em particular em sua forma dependente, no
Brasil e na América Latina – e do poder
das classes dominantes, a inevitabilidade do conflito social e a perspectiva da
auto-emancipação dos explorados.
A descoberta do marxismo pela esquerda cristã
não foi um processo puramente intelectual ou universitário. Seu ponto de partida foi um fato social
evidente, uma realidade massiva e brutal no Brasil: a pobreza. O marxismo foi escolhido porque parecia
oferecer a explicação mais sistemática, coerente e global das causas desta
pobreza e, ao mesmo tempo, uma proposta radical para sua supressão. Para lutar de forma eficaz contra a
pobreza, e superar os limites da visão caritativa tradicional da Igreja, era
necessário compreender suas causas. Como o resumiu com ironia e humor Dom Helder Câmara: “Enquanto eu pedia às pessoas que ajudassem aos pobres, diziam que eu
era um santo. Mas quando fiz a pergunta: ‘porque existe tanta pobreza?’, me
chamaram de comunista”.
A principal limitação de alguns – não todos –
setores do cristianismo da libertação, sobretudo na hierarquia da Igreja, tem a
ver com a dificuldade de aceitar o direito das mulheres a disporem de seu
corpo: divórcio, contracepção, aborto.
Em seu
ponto de vista, militantes de base marxista podem enriquecer sua militância ao
tomar contato com a trajetória destes movimentos cristãos? Como avalia este
contato entre militantes marxistas e militantes cristãos?
Em
primeiro lugar, é preciso enfatizar que
vários destes “militantes cristãos” também são marxistas. A pergunta então
seria: o que podem os marxistas ateus ou
sem fé religiosa aprender com os militantes do cristianismo da libertação?
Acho que em primeiro lugar, uma visão
mais dialética da religião, que não pode sempre ser reduzida a um simples “ópio
do povo” – coisa que Friederich Engels, Antonio Gramsci, José Carlos
Mariátegui e vários outros marxistas haviam entendido muito bem. Também há muito que aprender com o trabalho de
base, paciente e obstinado, destes militantes nos bairros populares, buscando a
auto-organização e a conscientização dos oprimidos. Finalmente, é enriquecedor o contato com a fé, a
dedicação, a entrega, a mística destes militantes cristãos das lutas sociais.
Para o
senhor, quais as iniciativas de maior peso da ACO em sua história?
Entre
outras, a resistência à ditadura militar
e a contribuição à formação da Pastoral Operária, que teve papel decisivo na
formação do novo movimento operário brasileiro. Desde 1978, os militantes da ACO estão presentes em sindicatos – como
membros ativos e dirigentes sindicais –, em associações de trabalhadores,
fundos de greve, sociedades de amigos de bairros, partidos políticos de
esquerda.
E qual sua
avaliação do papel dos movimentos do cristianismo da libertação, especialmente
a ACO, durante a ditadura militar?
Os movimentos ligados ao cristianismo da
libertação, entre eles a ACO, tiveram um papel importante na transformação da
Igreja brasileira, levando-a, a partir de 1970, a romper com o regime militar –
o qual havia apoiado em 1964 – tornando-se sua principal força de oposição.
Muitos militantes cristãos, inclusive padres e
religiosos, participaram diretamente de atividades de resistência contra a
ditadura, chegando, em alguns casos, a apoiar a resistência armada. Os militantes da ACO trataram de desenvolver
correntes sindicais opostas ao regime e dispostas a lutar contra a tirania
patronal nas fábricas.
Qual o
balanço dos avanços e retrocessos relacionados aos movimentos do cristianismo
da libertação até os dias atuais?
Como
observamos, os avanços são
consideráveis, e levaram à formação do novo movimento operário, camponês e
popular no Brasil a partir do fim dos anos de 1970. Mas a partir de 2002, com a
institucionalização governamental do Partido dos Trabalhadores e da direção da
CUT, uma parte desta militância oriunda do cristianismo da libertação perdeu
sua mística, seu horizonte utópico, e acabou enveredando pelos caminhos do
pragmatismo político tradicional. Felizmente
muitos setores da militância cristã, em particular nas fileiras do MST, mas
também outros movimentos sociais ou políticos, preservaram a chama sagrada da
luta pela libertação dos explorados e dos oprimidos.
08/01/2013
- Gustavo Xavier, de São Paulo (SP)
Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11478
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