Na esteira dos recentes protestos que abalaram o país, a
Boitempo lança Cidades rebeldes: Passe
Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Trata-se do primeiro livro impresso inspirado nos
megaprotestos que ficaram conhecidos como as Jornadas de Junho, além de ser o
principal esforço intelectual até o momento de analisar as causas e
consequências desse acontecimento marcante para a democracia brasileira.
Escrito e editado no calor da hora, em junho e julho,
Cidades rebeldes é um livro de intervenção, que traz perspectivas variadas sobre as manifestações, a questão urbana, a
democracia e a mídia, entre outros temas.
Publicada em parceria com o portal Carta Maior e com o apoio
da Fundação Rosa Luxemburgo, a obra segue a linha do livro Occupy: movimentos de protestos que tomaram as ruas, com o mesmo
formato e preço (R$10,00 o impresso, R$5,00 o e-book), e consolida uma nova
coleção da Boitempo, de livros de intervenção e teorização sobre acontecimentos
atuais, intitulada “Tinta Vermelha”, em referência a um trecho do discurso do
filósofo esloveno Slavoj Žižek no Occupy
Wall Street, em 2011. Para tornar o
livro acessível ao maior número de pessoas – estimulando-as, quem sabe, a ir às
ruas por mudanças –, autores cederam gratuitamente seus textos, tradutores não
cobraram pela versão dos originais para o português, quadrinistas e fotógrafos
abriram mão de pagamento por suas imagens, o que possibilitou deixar o volume a
preço de custo.
Participam dessa coletânea autores nacionais e
internacionais, como Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Raquel Rolnik,
Ermínia Maricato, Jorge Souto Maior, Mauro Iasi, Silvia Viana, Ruy Braga,
Lincoln Secco, Leonardo Sakamoto, João Alexandre Peschanski, Carlos Vainer,
Venício A. de Lima, Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira. Paulo Arantes e
Roberto Schwarz assinam os textos da quarta capa. O livro também conta com um
ensaio fotográfico do coletivo Mídia NINJA e ilustrações sobre as manifestações
de Laerte, Rafael Grampá, Rafael Coutinho, Fido Nesti, Bruno D’Angelo, João
Montanaro e Pirikart, entre outros.
O lançamento pretende
contribuir com o debate iniciado pelo Movimento Passe Livre (MPL) – o MPL-SP
participa da coletânea com um artigo –, ajudando a consolidar suas bases
teóricas e práticas. Nesse sentido, Cidades rebeldes reúne o pensamento crítico independente para refletir os fatos
recentes, em meio a uma disputa de interpretações das vozes rebeldes, que se
estendeu inclusive às ruas.
Raquel Rolnik, na
apresentação do livro, pensa as manifestações
“como um terremoto que perturbou a ordem
de um país que parecia viver uma espécie de vertigem benfazeja de prosperidade
e paz, e fez emergir não uma, mas uma infinidade de agendas mal resolvidas,
contradições e paradoxos”.
Nesse sentido, os autores apontam várias agendas como o
epicentro do terremoto. Para Ruy Braga,
que analisa os operadores de
telemarketing como um fenômeno expressivo do mercado de trabalho brasileiro na
última década, as manifestações são revoltas de quem está empregado, mas não vê
perspectivas para o futuro decorrentes desse trabalho. “A satisfação trazida pela conquista do
emprego formal e pelo incremento da escolarização choca-se com um mercado de
trabalho em que 94% dos novos postos pagam até 1,5 salário-mínimo. Sem
mencionar as precárias condições de vida nas periferias das cidades e a
violência policial que persegue as famílias trabalhadoras, no intervalo de uns
poucos anos pudemos constatar que a vitória individual transformou-se em um
alarmante estado de frustração social”, afirma o sociólogo.
Nas palavras de Carlos Vainer
(parafraseando Mao Tse Tung), “uma
fagulha pode incendiar uma pradaria” e, no caso brasileiro, essa fagulha
foi a mobilização contra o aumento da tarifa nos transportes públicos convocada
pelo Movimento Passe Livre (MPL), que afirma em sua contribuição à coletânea
que a circulação livre e irrestrita é um
componente essencial do direito à cidade que as catracas – expressão da lógica
do transporte como circulação de valor – bloqueiam.
João Alexandre Peschanski,
compartilhando dessa visão, analisa a proposta da tarifa zero, sua apropriação
possível pelo sistema capitalista e, ao mesmo tempo, seu potencial
transformador da sociedade.
Já Mike Davis
analisa as origens da hegemonia dos
utilitários no trânsito (cada vez mais parecidos com veículos de guerra,
verdadeiros casulos de proteção) atribuída ao crescente medo da classe média a
partir da década de 1990. “Essa tendência
irresistível aponta para uma militarização das rodovias conduzida pelos
utilitários, em sincronia com uma militarização e uma imobilização mais amplas
do espaço urbano”, aponta Davis.
David Harvey
teoriza sobre a liberdade da cidade
que, segundo ele, é muito mais que um
direito de acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade de acordo
com o desejo de nossos corações. “A
questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de
pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e
a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os
direitos humanos”.
Nas ruas, o direito à
mobilidade se entrelaçou fortemente com outras pautas e agendas constitutivas
da questão urbana no Brasil, como o tema dos megaeventos e suas lógicas de
gentrificação e limpeza social, tema analisado pela urbanista Ermínia Maricato.
O texto de Silvia Viana
aponta para uma diferença substantiva
que se estabeleceu nas interpretações – e apresentações – das manifestações: a
clivagem entre “pacíficos” e “baderneiros”. Como em outros snapshots da guerra de significados, a ocupação da cidade foi disputada por
diferentes sentidos e ideologias.
A tropa de choque, que
no cotidiano executa pessoas sumariamente nas favelas e realiza despejos
jogando bombas de gás nos moradores, entrou e saiu de cena ao longo das
manifestações, lembrando que, no país próspero e feliz, a linguagem da
violência ainda é parte importantíssima do léxico político.
É também nesse sentido que o artigo de Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira sobre o Rio de Janeiro
demonstra a relação entre um projeto
excludente de cidade e a militarização dos territórios populares.
O jurista Jorge Luiz Souto
Maior reflete sobre o direito social
e a descriminalização dos movimentos sociais no esforço de superar a noção
retrógrada de que a questão social trata-se de “caso de polícia”. “Ocorre
que, adotando-se os pressupostos
jurídicos atuais, os movimentos sociais, quando se mobilizam em atos políticos
para lutar por direitos, não estão contrários à lei. Além disso, não podem ser
impedidos de dizer que determinadas leis, sobretudo quando mal interpretadas e
aplicadas, têm estado, historicamente, a serviço da criação e da manutenção da
intensa desigualdade que existe em nosso país”.
Desilusão/denúncia em
relação à democracia e as formas de expressão pública? Na chamada agenda da
“crise de representação” novamente convergem pautas e leituras contraditórias.
A questão da representação não envolve apenas a crise dos partidos e da
política e, portanto, a necessidade de uma reforma política, uma das principais
agendas das ruas. Segundo Venício A. de Lima, “os jovens manifestantes se consideram ‘sem voz pública’, isto é, sem
canais para se expressar”.
Qual a conexão entre o
movimento no Brasil e outros tantos do planeta, como o que ocorreu ao mesmo
tempo em Istambul, a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, os Indignados da
Espanha? Esses movimentos
levaram a protestos majoritariamente compostos por jovens, convocados por meio
de redes sociais, sem a presença de partidos, sindicatos e organizações de
massa tradicionais. Slavoj Žižek
analisa essa questão com maestria em seu ensaio. Nos diversos países citados, assim como nas cidades brasileiras, os
modelos de desenvolvimento e as formas de fazer política estão em questão.
De acordo com Leonardo Sakamoto,
a “civilização representada por fuzis,
colheitadeiras, motosserras, terno e paletó [...] mais cedo ou mais tarde terá
de mudar”. O velho modelo de república representativa, formulado no século XVIII e finalmente implementado como modelo
único em praticamente todo o planeta, dá sinais claros de esgotamento. O
leitor deste conjunto de artigos provavelmente concordará que a voz das ruas
não é uníssona. Trata-se de um concerto dissonante, múltiplo, com elementos progressistas e de liberdade, mas
também de conservadorismo e brutalidade, presentes na própria sociedade
brasileira.
Rolnik
prevê que as propostas alternativas ao
modelo dominante precisarão ter seu tempo de formulação e experimentação.
“Temos que aprender a não nos assustar com isso também, e, como diz Mauro
Luis Iasi: ‘Devemos apostar na rebelião
do desejo. Aqueles que se apegarem às velhas formas serão enterrados com elas’.”
[Este texto se baseia livremente na apresentação de Raquel
Rolnik]
Sumário
Apresentação – As
vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações
Raquel Rolnik
Não começou em
Salvador, não vai terminar em São Paulo
Movimento Passe Livre – São Paulo
É a questão urbana,
estúpido!
Ermínia Maricato
A liberdade da cidade
David Harvey
Quando a cidade vai às
ruas
Carlos Vainer
A rebelião, a cidade e
a consciência
Mauro Luis Iasi
Estrada de metal
pesado
Mike Davis
Será que formulamos
mal a pergunta?
Silvia Viana
O transporte público
gratuito, uma utopia real
João Alexandre Peschanski
Territórios
transversais
Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira
As Jornadas de Junho
Lincoln Secco
Sob a sombra do
precariado
Ruy Braga
A vez do direito
social e da descriminalização dos movimentos sociais
Jorge Luiz Souto Maior
Mídia, rebeldia urbana
e crise de representação
Venício A. de Lima
Em São Paulo, o
Facebook e o Twitter foram às ruas
Leonardo Sakamoto
Problemas no Paraíso
Slavoj Žižek
Sobre os autores
Carlos Vainer
é professor titular do instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ) e coordenador da Rede de Observatórios de conflitos Urbanos e
do Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual.
David Harvey,
geógrafo britânico, é professor de antropologia na pós-graduação da Universidade da cidade de Nova York e
professor de geografia aposentado das universidades Johns Hopkins e Oxford.
Autor de diversos livros, pela Boitempo lançou O enigma do capital (2011) e
Para entender `O capital` (2013).
Ermínia Maricato,
professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (FAUUSP) e professora
visitante da Unicamp, formulou a
proposta do Ministério das cidades, onde foi ministra adjunta (2003-2005). É
autora do livro O impasse da política urbana no Brasil (Vozes, 2011).
Felipe Brito
é doutor em serviço social pela UFRJ e professor da Universidade Federal
Fluminense (UFF), no Polo
Universitário de Rio das Ostras. Em pareceria com Pedro Rocha de Oliveira,
organizou Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida
social (Boitempo, 2013).
João Alexandre
Peschanski, editor-adjunto da Boitempo Editorial, é
doutorando em sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). Organizou,
com Ivana Jinkings, As utopias de Michael Löwy (Boitempo, 2007). É colunista do
Blog da Boitempo.
Jorge Luiz Souto Maior
é jurista e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo (USP). Autor de Relação de
emprego e direito do trabalho (2007) e O direito do trabalho como instrumento
de justiça social (2000), pela LTR.
Leonardo Sakamoto,
jornalista, é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e
professor de jornalismo da Pontifícia Universidade católica de São Paulo (PUC-SP). É coordenador da ONG Repórter
Brasil e colunista do portal UOL.
Lincoln Secco,
professor do Departamento de História da USP,
é autor dos livros Gramsci e o Brasil (Cortez, 1995), A Revolução dos Cravos
(Alameda, 2005) e Caio Prado Júnior (Boitempo, 2008). É colunista do Blog da
Boitempo.
Mauro Luis Iasi
é professor-adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas,
membro do comitê central do Partido comunista brasileiro (PCB), presidente da
Associação de Docentes da UFRJ (Adufrj-SSind) e colunista do Blog da Boitempo.
Mike Davis
foi caminhoneiro, açougueiro e militante estudantil antes de se tornar
professor no Departamento de História da Universidade da Califórnia (UCLA), como especialista nas relações
entre urbanismo e meio ambiente. Pela Boitempo, é autor de Planeta favela
(2006), Apologia dos bárbaros (2008) e Cidade de quartzo (2009).
O Movimento Passe
Livre é um movimento
social autônomo, apartidário e horizontal, cuja principal luta centra-se na
gratuidade de um transporte público de qualidade. Foi oficializado em 2005, em Porto Alegre, na Plenária Nacional pelo Passe Livre, organizada durante o Fórum Social
Mundial.
Paulo Arantes
é professor aposentado do Departamento de Filosofia da USP. Publicou, entre outros livros, Hegel: a ordem do tempo
(Hucitec, 2000) e Extinção (Boitempo, 2007). Coordena a coleção Estado de
Sítio, da Boitempo Editorial.
Pedro Rocha de
Oliveira formou-se em filosofia na Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj) e é mestre e doutor em filosofia pela Pontifícia
Universidade católica do Rio de Janeiro (PUc-RJ).
É organizador de Até o último homem (Boitempo, 2013), em parceria com Felipe
Brito.
Raquel Rolnik,
arquiteta e urbanista, é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relatora especial do conselho de
Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Autora de A cidade e
a lei (Fapesp/Studio Nobel, 1997) e O que é cidade (Brasiliense, 1988), entre
outros livros.
Roberto Schwarz,
formado em ciências sociais pela USP,
é crítico literário e professor aposentado de teoria literária. Entre diversos
outros títulos, é autor de Um mestre na periferia do capitalismo (1990) e Ao
vencedor as batatas (1977), ambos pela Duas cidades.
Ruy Braga
é professor do Departamento de Sociologia da USP. Autor de A política do precariado (2012) e organizador de
Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão
financeira (2010), em parceria com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek. É
colunista do Blog da Boitempo.
Silvia Viana,
mestre e doutora em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, é professora de sociologia da Fundação Getulio Vargas de São
Paulo (FGV). Pela Boitempo, publicou
o livro Rituais de sofrimento (2013).
Slavoj Žižek,
filósofo e psicanalista esloveno, é
presidente da Sociedade pela Psicanálise Teórica, de Liubliana, e diretor do
Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck, de Londres. Possui nove
livros traduzidos pela Boitempo, incluindo, Menos que nada (2013) e O ano em
que sonhamos perigosamente (2012). Integra o conselho editorial da Margem
Esquerda.
Venício A. de Lima,
jornalista e sociólogo, é professor titular aposentado de ciência política e de
comunicação na Universidade de Brasília (UnB).
Publicou, entre outros livros, Liberdade de expressão x liberdade de imprensa
(Publisher Brasil, 2010) e Comunicação e cultura: as ideias de Paulo Freire
(Perseu Abramo, 2011).
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