DE SAÍDA -
POR UM MANIFESTO DA EMANCIPAÇÃO HUMANA
Após 165
anos do Manifesto Comunista surgiu uma oportunidade histórica para irmos para
além dele e do capitalismo.
Uma ruptura ronda o capitalismo -
a ruptura antifetichista.
A crítica radical captou a lógica
do sistema. A prática emancipatória desfetichizará a sociedade.
Essa nova revolução volta o gume
para os fundamentos do capitalismo. Ela é transcendente. Ao não fazerem isso as
revoluções anteriores fracassaram.
Tal ruptura é proposta num
momento em que o sistema apresenta a crise do seu deus-fetiche-dinheiro. Por
isso, essa crise é também a crise do ser humano, a crise do sujeito. Afinal,
fomos formatados por essa matrix fetichista. Em razão disso nós, seres humanos,
que fomos os criadores desse sistema, vivemos uma crise inusitada.
Não há mais respostas nos marcos
do capitalismo para esta crise. Hoje, diante dos nossos olhos, o sistema
assumiu a sua face autodestrutiva. Autodestruir-nos-emos também? Apostamos que
não! Mas, para isso a substituição do capitalismo entra na ordem do dia. Esse
impensável já floresce em vários países. E o que era considerado até aqui como
impossível ensaia seus primeiros passos.
Por causa
disso, os que interpretam e querem inaugurar uma nova prática que suplante o
capitalismo são chamados para exporem abertamente, ao mundo inteiro, o conteúdo
da sua crítica e o que propõem para irmos além do sistema.
No
entanto, todos os poderes da terra se juntaram para a defesa do sistema: o Papa
e Obama, Merkel e Dilma, Netanyahu e Ahmadinejad, Xi Jinping e Castro, Putin e
Maduro, Manoel Barroso e Kim Jong-un, Al Qaeda e Hizbollah, mercado e estado,
FMI e bancos centrais, empresários e sindicalistas, mídia e partidos políticos.
Seus acordos e disputas têm um ponto em comum: a manutenção do capitalismo.
Esse
posicionamento tornou-se, porém, inconsistente. O sistema vive um momento
histórico bem diferente dos anteriores. Seus impasses indicam que ele se
defronta com uma crise não transitória. Suas barreiras econômicas e ambientais
estão à vista. Os recursos naturais estão se esgotando. A redução drástica do
trabalho produtivo pela microeletrônica dessubstancializou fortemente o
capital. O fim do trabalho anuncia o fim do capitalismo. Com isso, o
capitalismo perdeu sua dinâmica. Alcançou seu limite. Entrou em colapso. Seu
fundamento afunda. Sua lógica ficou insustentável.
Porém, a
agonia do sistema não é resultado do protesto dos movimentos sociais ou de
algum movimento revolucionário. Os que o defendem e os que insistem em
modernizá-lo mendigando suas migalhas não querem admitir que a bancarrota provém
de seus próprios fundamentos.
A demora
em suplantar essa excrescência histórica contribuiu para que o capitalismo se
transformasse nessa catástrofe que devasta a humanidade e o planeta.
O que
devemos fazer para deixarmos de ser prisioneiros de uma inconsciência que
responde por 95% da nossa capacidade cognitiva?
A DUPLA
NATUREZA
DA CRÍTICA
AO CAPITALISMO
Já faz um
certo tempo que se descobriu que a libertação só pode ser do trabalho e não no
trabalho. No trabalho ninguém se liberta. Além do mais, não se deve confundir
trabalho com atividade humana. O ser humano sempre teve e sempre terá
atividades. Já o trabalho é uma construção histórica que foi imposta aos seres
humanos. E imposta por meio de uma repressão sangrenta. Pois, foi através da
invenção e do uso das armas de fogo que foi implantada a economia mercantil.
Evidentemente as pessoas não se deixaram levar de livre e espontânea vontade
pelas exigências do trabalho na nova economia armamentista e financeira. Foi a
repressão que transformou os pequenos produtores das formas de domínio
pré-capitalista em trabalhadores. Para isso eles foram expulsos de suas terras
e tiveram cortados seus direitos à caça, à pesca e à lenha. A finalidade dessas
medidas era exatamente forçá-los a venderem a única coisa que ainda lhes
restava - a sua capacidade de trabalho. A própria raiz latina da palavra,
«tripalium», «três paus» refere-se a uma espécie de canga utilizada para
tortura e castigo dos escravos e outros não livres. Apesar disso, os defensores
do trabalho insistem em ignorar sua crítica.
Hoje, essa
defesa se reveste de um caráter reacionário. Porque contrasta fortemente com o
momento histórico que nos possibilita não só superarmos o trabalho, mas também
os seus sistemas, tanto capitalista como socialista. Afinal, estamos diante de
uma possibilidade de eliminarmos o sofrimento, parte dele causado pelo
trabalho, cujas origens e impasse atual residem na história das relações
fetichistas.
Quando
percebemos essa possibilidade fomos considerados profetas do caos. Agora que
ela chegou, nos dizem que não há saída. E perguntamos: por quê? Respondem-nos:
porque o capitalismo é como fênix, renasce das cinzas, sempre encontra uma
maneira para continuar. Mas como ele vai continuar se a natureza da crise atual
é do seu fundamento?
Para nós,
a configuração dessa realidade demorou a se aproximar do pensamento crítico
radical. Agora se aproximou. Com isso, irrompe uma conjugação histórica para
suplantarmos o moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias. Podemos
afirmar a você com segurança que capitalismo, trabalho e suas demais categorias
e o sofrimento daí advindos já não têm motivo nenhum para continuarem.
A
microeletrônica, ao ser utilizada como força produtiva, levou ao absurdo a
razão de ser do trabalho. Com isso, a visão transistórica, ontológica, natural
do trabalho não se sustenta. E por quê? Porque o próprio capitalismo começou a
dispensar o ser humano do trabalho.
Assim,
ficam desmentidos não só o cristianismo, o protestantismo, o marxismo, mas o
próprio capitalismo. Consequentemente, a revolução não pode se fundamentar num
conceito positivo de trabalho.
Faz muitos
anos que se captou o valor como fundamento da produção burguesa e o trabalho
como a substância do capital, a substância formadora do valor que se expressa
no dinheiro. Esta crítica, já no seu início, apanhava as formas básicas da
sociedade capitalista que tem no valor o negativo central da sociedade moderna.
Porém, a
crítica social inaugurada pela modernidade originou duas críticas sociais
antagônicas. Uma, que ensaiava a crítica radical das formas básicas desta
sociedade. Outra, que criticava a insuficiência e subdesenvolvimento da mesma.
A primeira, que no início permaneceu oculta e durante um bom tempo reprimida,
só recentemente foi (re)descoberta e por isso só agora dá os seus primeiros
passos. Passos que poderão nos conduzir ao quarto onde estão guardados os
segredos mais importantes da humanidade. A segunda sobreviveu e se desenvolveu
até agora como uma reflexão imanente ao capitalismo. Sua fundamentação está
baseada na teoria da modernização capitalista que colapsou.
A GÊNESE
DAS TEORIAS
As duas
teorias se voltam para uma mesma base de estudos, o capitalismo. Porém, o
capitalismo não ingressou na história em estado puro, mas sim através de uma
miscelânea de momentos capitalistas, pré-capitalistas, modernos e pré-modernos.
Isso ocasionou uma disparidade entre os vários países continentais da Europa
que eram subdesenvolvidos em relação à Inglaterra e também nos demais países do
mundo, que eram ainda mais atrasados do que os subdesenvolvidos europeus. Nessa
não simultaneidade interna e externa do capitalismo reside a gênese dessas
teorias. Dessa contradição emanam o Marx esotérico e o Marx exotérico. Daqui
advêm suas distintas abordagens, com duas teorias diferentes: uma, a teoria da
suplantação do capitalismo; outra, a teoria de sua modernização.
Com o
predomínio da teoria da modernização, a crítica se voltou apenas para a
mais-valia, ou seja, a quantia não paga do valor produzido pelo trabalhador da
qual ele é privado. Aqui, a exploração, a dominação e a luta de classes
ocuparam o cenário da crítica. Esse aspecto ensejou a ideia de que a libertação
da classe trabalhadora seria no trabalho e não do trabalho. O resultado foi que
o trabalho constituiu-se como o fundamento da revolução socialista, com a qual
o proletariado iria para além do capitalismo.
Consequência:
a crítica ao capitalismo não se dirigiu à qualidade destrutiva da socialização
na forma-valor, mas sim, apenas, ao mecanismo quantitativo de distribuição que
se encontra sobre essa base cegamente pressuposta. Nesse pressuposto, a revolução
socialista só poderia modernizar o capitalismo.
Após a
morte de Marx, um vago pressentimento tomou conta de alguns revolucionários
marxistas que, mesmo sem ter a dimensão, constataram que nele existiam
abordagens diferentes sobre várias questões.
Esse vago
pressentimento, no entanto, gerou uma fobia contrária à ideia de um limite
interno da valorização do valor, da valorização do dinheiro, levando a que essa
ideia permanecesse desvinculada das conjunturas sociais da economia e da
política, da crise e da prosperidade, das guerras mundiais, da crise econômica
mundial e da era da prosperidade do pós-guerra proporcionada pelo fordismo. Sem
dúvida uma questão injustificável, mas compreensível. Afinal, não estávamos
perante conjunturas que evidenciassem a fronteira histórica do moderno sistema
patriarcal produtor de mercadorias.
Mas, a
possibilidade da crítica categorial estar correta diante da dinâmica
capitalista gerou incômodos, provocou escândalos e produziu desconfortos na
intelectualidade.
Vários e importantes
revolucionários ficaram perplexos diante da possibilidade de que pudesse
existir nos textos de Marx a ideia de que a classe operária perderia emprego e
suas concentrações nas fábricas se reduziriam drasticamente; que se encontrasse
neles a negação da classe operária como sujeito histórico; que eles fornecessem
elementos para pensar e fazer uma outra revolução que não a socialista e que
suas formulações viessem a ser confirmadas por um momento novo da produção
capitalista em que praticamente desapareceria o valor e, concomitantemente, a
mais-valia.
A CRÍTICA DO
TRABALHO E A RUPTURA
COM O TRABALHO E O
CAPITALISMO HOJE
A nova
crise mundial, com a terceira revolução industrial, é exatamente a confirmação
da previsão de Marx (Grundrisse). Estamos diante da crise do limite interno da
valorização do valor, da valorização do dinheiro. Se, anteriormente, não
presenciamos essa situação, agora ela está diariamente na nossa cara. Antes,
tratava-se de crises relacionadas com a expansão do sistema. Hoje, trata-se da
crise do limite do capitalismo. Estamos diante do xeque-mate do capitalismo
provocado pelo próprio capitalismo. Por causa disso, o desenvolvimento da
crítica radical do valor- dissociação que supera a interpretação da história
como luta de classes e a substitui pela história das relações fetichistas
desdobrou-se no tempo e constitui o fundamento da crítica à nossa época
histórica.
O objetivo
da produção moderna é transformar dinheiro em mais dinheiro. Isto só foi
possível porque, no capitalismo, o dinheiro é a encarnação do trabalho. Com o
seu desenvolvimento, surgiram fábricas com mais de 30 mil trabalhadores(as). E
surgiram porque no capitalismo o fundamento do sistema é a valorização do dinheiro
que surge como uma forma de riqueza constituída pelo dispêndio do trabalho
humano direto, tendo por base o tempo de trabalho. Nisto reside o coração do
sistema capitalista, a valorização do valor, a valorização do dinheiro. Todos
os obstáculos que se ergueram frente a este objetivo, inclusive os
revolucionários, foram derrotados pela dinâmica, pela imposição, expansão e
modernização do capitalismo.
Hoje a
produção passou a depender menos do tempo de trabalho e do montante de trabalho
empregado e muito mais das sofisticadas máquinas na produção criadas pela
ciência e tecnologia. Fábricas que tinham 30 mil, têm 100 trabalhadores.
Produzem mais e bem mais barato. Mas, como sabemos, o capital não pode eliminar
totalmente o trabalho vivo do processo de produção da mercadoria. Afinal, é
deste trabalho que ele extrai o sobretraballho e de onde ele tira o lucro. Mas
como tem que aumentar a produtividade, em razão da concorrência, com o uso de
novas tecnologias, o tempo de trabalho fica cada vez mais reduzido.
Perante o
imenso acúmulo de trabalho morto, o trabalho vivo fica reduzido a mera
manutenção e supervisão do maquinário técnicocientífico. O aumento incessante
da produtividade do trabalho chegou a uma situação tal, que o valor novo
adicionado por unidade de produto é tão insignificante e mesquinho que a
medição pelo critério do valor se tornou insustentável. Com isso, nem o
trabalho e nem o tempo de trabalho são mais as condições principais da
produção. O trabalho começou a deixar de ser a fonte principal de riqueza e o
tempo de trabalho a sua medida. A humanidade está diante da eliminação da
galinha dos ovos de ouro do capital, o trabalho.
O CERNE DA
CRÍTICA RADICAL DA CRISE
A troca do
trabalho vivo pelo trabalho objetivado se apresenta então, como o último
desenvolvimento atual da relação do valor, da produção baseada no valor.
Estamos diante de um processo produtivo que altera profundamente o significado
de riqueza, tempo e relação social colocando em xeque o trabalho. A barreira
histórica do capitalismo se apresenta. A tentativa de superar esse impasse pela
especulação financeira, ou seja, dinheiro produzindo dinheiro aguça enormemente
a crise atual e exibe as proporções e consequências do colapso mundial.
Computadores
sofisticadíssimos, novas mídias e tecnologia de comunicação, bolhas financeiras
especulativas com mais de 400 trilhões de dólares nos mercados acionários e
imobiliários não conseguem mais ocultar esta realidade. A sociedade sólida do
dinheiro corre cada vez mais para se desmanchar no ar.
A
dessubstancialização do capital está tão avançada que só é possível uma
acumulação apenas aparente, insubstancial, através das bolhas financeiras e do
crédito público que atingiram atualmente os seus limites. A conclusão é
cristalina: a história da dessubstancialização do valor, ou seja, a
desvalorização do dinheiro, apresenta-se como uma questão de redução drástica
da quantidade de trabalho. Eis aqui o cerne da teoria crítica radical da crise.
Essa dessubstancialização real do capital em curso comprova que o capitalismo
está morrendo. Diante disso o chamamento só pode ser um: basta de masoquismo
histórico, que morra o capitalismo! Assim terá vida a humanidade e o planeta.
Anos após
a prospecção de Marx, depois da descoberta/insight do Crítica Radical, das
formulações bem fundamentadas de Robert Kurz e com a explicitação da crise da
fronteira histórica do capitalismo (2008), ressurge uma fobia agora pós-moderna
que, ao tentar negar a possibilidade da suplantação do capitalismo, contribui
para a configuração de uma subjetividade destrutiva e autodestrutiva, a do
sujeito contemporâneo. Mas ela não tem mais condições de conter a radicalidade
teórica e prática da crítica categorial ao capitalismo e, por isso, poderemos
começar “um certamente difícil processo de transformação prática, desde o
próprio comportamento quotidiano até a revolução das instituições sociais”.
(Kurz)
Esse
processo de transformação tem como um de seus pressupostos a crítica radical ao
trabalho. Por suas raízes o trabalho é masculino, branco e ocidental. A isto
está vinculada a dissociação sexual, a desvalorização das mulheres. A elas
foram impostos todos os momentos da reprodução social separados do trabalho.
Sem isto não haveria valorização do valor, valorização do dinheiro. Por causa
disso, o capitalismo não pode ser dimensionado somente como conexão de suas
formas categoriais, mas sempre também como processo de dissociação. A
dissociação é o valor. O valor é a dissociação. (Scholz)
Ademais,
ao código do disciplinamento do trabalho, está também vinculada uma
desvalorização das pessoas não brancas. Elas são consideradas insubmissas à
razão moderna.
Por outro
lado, as crises internas do sistema são atribuídas constantemente a um poder
subjetivo alheio, externo, como aconteceu aos judeus na história europeia.
Imagine agora, com a crise do fundamento do sistema!
Por esse
motivo, já desde a época da filosofia das luzes, o machismo, o sexismo, o
racismo e o antissemitismo foram transmitidos juntamente com a positivação do
trabalho que está na base e constitui a substância do processo de valorização
do valor, do dinheiro. Se esta relação essencial está anunciando que pode ser
ultrapassada, pode ser ultrapassada também sua sociedade e as categorias
fundantes do capitalismo juntamente com o machismo, o sexismo, a homofobia, o
racismo e o antissemitismo.
Para isso,
não cabe mais regressar ao Iluminismo, aos mitos da revolução burguesa, ao
estado dos trabalhadores(as), a uma pré-modernidade idealizada, ao romantismo
agrário, nem continuar aceitando a existência do sujeito formatado pelo
fetichismo da mercadoria. Além disso, todos os movimentos sociais que fizeram e
fazem parte da história da ascensão, imposição e modernização do sistema
patriarcal produtor de mercadorias e de sua metafísica real e que, portanto,
não transcenderam a ontologia capitalista, caducaram. E caducaram porque só
conseguem pensar a crítica e colocá-la em prática nas categorias fundantes do
capitalismo (valor, dissociação, dinheiro, trabalho, sujeito, mercadoria,
política, estado, nação, concorrência, fetichismo, democracia...). Isso se
manifesta claramente nas performances dos velhos e novos dirigentes políticos
do sistema, quer sejam da direita, do centro ou da esquerda.
ANTI-SUJEITO PRA SUPERAR A
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES
FETICHISTAS
A história
de todas as sociedades que existiram até aqui não é a história da luta de
classes, mas a história das relações fetichistas. O conceito de luta de classes
é imanente ao sistema. Não capta a essência do capitalismo. Apenas a aparência.
O conceito
de fetichismo constitui aqui a chave para entrarmos no quarto proibido. Através
dele compreenderemos o desenrolar histórico do início aos dias atuais. A
distinção entre a primeira e a segunda natureza constitui o ponto decisivo.
A segunda
natureza (constituída pelo fetichismo e codificada simbolicamente) significa
que a sociabilidade dos seres humanos constitui-se e apresenta-se de maneira
análoga à primeira natureza (biológica). Mas analogia não é uma identidade,
isto é, primeira e segunda natureza não se equiparam.
A
constituição sem sujeito da segunda natureza não advém como resultado natural,
mas histórico. A constituição sem sujeito da primeira natureza advém da
transformação biológica e natural. A distinção entre a primeira e a segunda
natureza e o seu dimensionamento através da crítica radical do fetichismo
fornece os fundamentos indispensáveis à humanidade para a sua libertação.
O ser
social surgido e não criado vem à luz como inconsciente de si mesmo e essa
inconsciência advém da própria forma de consciência e reprodução
inconscientemente constituída.
Mas o ser
social surgido não seria plasmado à segunda natureza, sem recorrer a um sistema
simbólico (códigos) que forma a sua estruturação humana. Aqui reside o cerne da
constituição da matrix fetichista!
Os
conceitos de fetiche e de segunda natureza apontam para o fato de que existe
“algo” que não se resolve no dualismo sujeito-objeto e que não é nem sujeito e
nem objeto, embora constitua essa relação.
O ponto
decisivo é que tem de haver um plano no interior da constituição humana e
social, e, portanto, também no interior de cada ser humano isolado, plano esse
situado além do dualismo entre sujeito e objeto.
O conceito
chave para a compreensão desse plano só pode ser o conceito de inconsciente
(Freud). Mas o inconsciente freudiano não constitui um passo fundamental tanto
na elaboração crítica para a ausência do sujeito (estruturalismo) quanto para a
crítica da superação do sujeito (iluminista). Freud circunscreveu o conceito de
inconsciente sobretudo ao aspecto individual e psicológico e não enfrentou o
problema da constituição social do inconsciente. Com isso ontologizou sua descoberta
e atrelou o inconsciente diretamente à primeira natureza (impulso sexual).
Através de uma dedução pessimista interpretou que as contradições ontologizadas
de impulsos inconscientes e produtos culturais seriam insuperáveis (pulsão da
morte).
Marx, ao
contrário, chega através de Hegel a uma historicização da história da forma que
ele expõe como história das formações (político-econômicas) da sociedade. Com
isso, ele enfrenta o problema da forma universal da consciência que ele aborda
historicamente como constituição do fetiche. Ele não deixa dúvidas que se trata
aqui de formas de consciência universais e invertidas.
Copérnico
provou que o ser humano não estava no centro do universo. Freud prosseguiu ao
mostrar que o ser humano não tinha plena consciência psíquica de si mesmo. Em
seguida Marx dá um salto ao demonstrar que o fetichismo capitalista provoca uma
inversão da realidade e liquida a subjetividade político-econômica dos seres
humanos. Se antes o ser humano não conseguiu dimensionar esta inversão, agora
reúne todas as condições para compreendê-la e superá-la. Essa realização é
tarefa da atualidade.
Se Marx
não aprofunda a análise sobre a forma universal da consciência do sistema
produtor de mercadorias constituída pelo fetiche, isso ocorre porque seu
pensamento defronta-se aqui com um limite: a referência ao trabalho (ontologia
do trabalho). Isso coloca seu pensamento numa jaula de ferro. O ponto de vista
de classes e do operariado caminha para uma simplista abordagem dualista e
antagônica que cai nas malhas de uma visão reducionista e sociologista de
dominação. Ao se impedir que a forma universal da consciência seja posta
claramente, cria-se para ela um limite que a mantém presa apenas à aparência.
Com isso os objetivos, a vontade e a ação subjetiva das pessoas refletem os
desdobramentos da forma fetiche que constitui todos os sujeitos na medida em
que somos resultado de uma predeterminação inconsciente.
A
compreensão generalizada de que o pensar e o fazer autônomos são
características do sujeito constitui, portanto, um erro. E a interpretação de
que o sujeito da classe tem uma missão histórica, ou seja, um papel
revolucionário, constitui um duplo erro. Por outro lado, o estruturalismo ou a
teoria dos sistemas e o pensamento iluminista e seus sucedâneos pós-modernos
possuem uma identidade interna que os torna incapazes de uma crítica da
forma-mercadoria. Além disso, o pensamento iluminista permanece incapaz para
compreender a verdadeira constituição fetichista sem sujeito. O estruturalismo
e a teoria dos sistemas e seus desdobramentos pós-modernistas/hipermodernista
abrem mão do propósito de captar a constituição sem sujeito. Anti-sujeito,
então, para a superação do sujeito.
A CRÍTICA
DA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DA CRÍTICA
O pensamento pré-moderno acrítico
só era possível sob a condição de que a sociedade repousasse estaticamente
sobre si mesma e o pensamento reflexivo se reportasse, não ao vazio, mas a uma
ordem divina. Não há mais volta a esta situação.
O
pensamento moderno, tendo por base a filosofia iluminista burguesa e a teoria
econômica a ela vinculada e praticada, realizou uma grande façanha, ao vender o
contexto da forma social capitalista, antes totalmente inexistente, como uma
lei natural da convivência humana. Este êxito contou com uma destacada
contribuição da crítica imanente ao capitalismo. Enquanto o capitalismo tinha
horizontes pela frente, ficou fácil projetar para toda a história da humanidade
a necessidade das relações sociais capitalistas. Mas, agora, a crise mundial
atual escancara os limites do sistema. E a teoria imanente ao capitalismo
esvai-se junto com ele. Daí só pode advir uma razão, a razão que quer
desesperadamente justificar a administração da barbárie.
O
pensamento pós-moderno constitui a crítica social fragmentada no estado
terminal do sistema e se coloca contra toda teoria que examina o conjunto da
sociedade. Trata-se de uma reflexão teórica que cada vez mais se fragmenta
porque a dinâmica social a ela subjacente extinguiu-se. As gerações
pós-modernas, portanto, já não compreendem os conceitos de reflexão. Elas são o
que são e mais nada. São perfeitamente idênticas a seus atos banais, quanto
mais absurdos forem estes atos.
O
pensamento DE SAÍDA compreende o capitalismo não somente como conexão das suas
formas categoriais, mas sempre também como processo de dissociação sexual, onde
o fetichismo não é apenas uma representação invertida da realidade, mas uma
inversão da própria realidade. Com base nessa fundamentação desenvolve a
crítica categorial ao capitalismo, às suas raízes, como crítica à
irracionalidade do moderno sistema de produção de mercadorias, ou seja, repudia
as classificações ontológicas básicas do capitalismo: trabalho, valor,
dissociação, mercadoria, dinheiro, mercado, Estado, nação, política,
democracia, direito, economia (solidária ou verde), etc. Ele examina o modo de
produção capitalista fundamentalmente em suas formas político-econômicas
elementares e suas correspondentes formas sociais dissociadas que abrangem
todos os grupos, classes e camadas sociais que formam o sistema coletivo de
referência dos conflitos sociais intercapitalistas.
MOMENTO
PARA A SOCIEDADE
AUTOCONSCIENTE
Para
vários intérpretes da história, o movimento autônomo do capital, a valorização
do valor, não decorre da essência, ou seja, do fundamento do sistema, mas de
sua aparência. Essa incompreensão está na base da suposição de que nas próprias
formas modernas do dinheiro e da mercadoria seria possível uma sociedade
humanitária. Como se sabe, isso nos conduziu à devastação humana e
ambiental.
Hoje,
portanto, estamos diante de uma crise categorial que exige uma crítica radical.
Uma crise que se constitui no colapso histórico do sistema e de todas as suas
relações sociais correspondentes. Uma crise que ficou evidente em 2008, que não
é debelada e que devasta a humanidade e o planeta. Uma crise que se manifesta
como crise da sociedade do trabalho, crise ecológica, crise da política e do
Estado nacional, bem como crise da relação entre os sexos.
Pensar
este desafio é refletirmos sobre a superação da nossa época. Mas não só da
história existente até agora. Afinal, não só a Guerra Fria chegou ao fim. Está
no fim também a história mundial da modernização. Não apenas essa história
especificamente moderna, mas a história mundial das relações de fetiche em
geral. O fetichismo nos acompanha desde os primórdios da humanidade. Por causa
disso, a nossa história é a história das relações fetichistas. Vale dizer, não
só a história contemporânea. Por mais diferentes que as relações sociais tenham
sido na história das sociedades até aqui existentes, uma conclusão se impõe:
todas elas foram dirigidas por meios fetichistas (Kurz). Nunca existiram,
portanto, sociedades autoconscientes que pudessem decidir livremente sobre o
emprego de suas possibilidades. O moderno sistema de produção de mercadorias
representa apenas a última forma social da dinâmica cega do fetichismo.
Com isso,
o mundo capitalista passa, a partir de agora, a ser dimensionado como uma etapa
passageira na história da humanidade. E a consanguinidade, o totemismo, a
propriedade do solo e o valor passam a ser considerados como etapas mais longas
do processo através do qual o ser humano se despregou da natureza, tornando-se
um ser relativamente consciente em relação à primeira natureza, mas não ainda
em relação à segunda natureza, que é a sua própria conexão social criada por
ele mesmo (Jappe).
Em razão
disso, pensar sobre a natureza do fetiche e sua crise na atualidade nos
possibilita dimensionar um momento histórico imperdível de construirmos já uma
sociedade autoconsciente, a sociedade da emancipação humana.
DONDE VIRÁ
A SAÍDA?
Essa é a
questão candente que precisa ser bem dimensionada. Como não temos no
capitalismo nenhum grupo social que tenha uma predeterminação ontológica
transcendente, entra em pauta agora o anti-sujeito capaz de realizar a
desfetichização da sociedade. Esse é o aspecto nodal para sair do labirinto da
realidade capitalista constituída pela lógica do valor, da dissociação e demais
categorias capitalistas. Portanto, da relação social formatada pela matrix
fetichista. Esse ponto decisivo poderá, hoje, ser conquistado na medida em que
os seres humanos se coloquem de acordo entre si para construírem uma
sociabilidade autoconsciente. Aqui cumprirá um papel fundamental a associação
dos indivíduos conscientes e potencialmente livres.
Para essa
façanha histórica teremos que saber utilizar criativamente a contradição entre
nós, seres humanos, e a forma social na qual todos nós estamos plasmados. Ao
captar a tensão entre o sujeito formatado pelo valor e o indivíduo
social-sensível, cujo sofrimento permeia a história humana, é decisivo cavarmos
cotidianamente brechas que engrandeçam o ser humano. Através dessas brechas
acumularemos conquistas importantes na negação do sistema tendo em vista a
ruptura. Esse novo caminhar da humanidade poderá permitir a suplantação da
história das relações fetichistas assegurando a conquista da emancipação
humana.
Diante
disso, podemos iniciar já um processo de ruptura com o sistema. Não só para
deter o processo capitalista de devastação humana e ambiental em curso. Mas
para irmos muito mais longe, ou seja, construirmos de fato a alternativa ao
capitalismo.
Para essa
façanha histórica impõe-se uma atividade que nunca foi tomada e realizada
anteriormente. Construir de forma coletiva e organizada conscientemente a nossa
batalha antifetichista com base no nosso próprio tempo histórico concreto.
Para
darmos consequência a esta proposta, precisamos construir e estruturar um novo
movimento social que vá suplantando o irracional processo de fatalidade no
sistema vigente. Isto não está relacionado apenas com o emprego de nossos recursos
comuns, mas toda a beleza e complexidade da edificação de uma vida plena de
sentido.
Estamos,
portanto, perante formulações de uma nova teoria da revolução não só para
refletirmos, mas também para suplantarmos o capitalismo. Diante dessa situação
que se nos apresenta, pretendemos dar sequência ao desenvolvimento dessa nova
teoria com sua prática emancipatória correspondente e dos novos aspectos
teóricos daí advindos em razão da nova prática social em curso. Para isso,
continuamos apostando em seres humanos conscientes, coerentes e organizados,
solidários à luta imanente, mas que depositem as suas esperanças na luta
transcendente ao sistema para erradicarmos total e radicalmente o capitalismo.
A
emancipação humana se conquista, não se mendiga. Após 165 anos do Manifesto
Comunista surgiu uma oportunidade histórica para irmos para além dele e do
capitalismo.
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