Painel de divulgação do evento elaborado pelo CAJU |
O evento ‘Seminário Primavera no Direito: uma flor
pode romper o asfalto?’ ocorreu nos dias 23, 24 e 25 outubro de 2013, como
meio de comemoração pelos 16 anos de existência do Centro de Assessoria
Jurídica Universitária (CAJU) da
Universidade Federal do Ceará (UFC),
tendo abordado temáticas que compreenderam a extensão universitária que o
núcleo procurou praticar em sua trajetória.
A
organização foi realizada pelos próprios integrantes do CAJU, com apoio da Universidade
Federal do Ceará (UFC) e da Escola da Magistratura Federal (Esmafe) da Justiça
Federal do Ceará.
Conforme
os membros do Centro, o CAJU foi fundado em 1997 como um projeto de extensão da
Faculdade de Direito da UFC, composto por estudantes e um professor orientador.
Surgiu da vontade de estudantes em firmar um diálogo mais efetivo entre o curso
e as necessidades da sociedade. Seu embasamento parte até hoje de sua atuação
nos princípios de Educação Popular e Direitos Humanos, de modo que possui como
principal finalidade a prática da Assessoria Jurídica Universitária Popular
(AJUP).
Profa. Alba de Carvalho, Boaventura de Sousa Santos, Clovis Renato, David Cruz |
A AJUP
toma a Educação Popular como método e segue pelo debate a partir do direito
como conteúdo político, sendo detentor de elementos constitutivos próprios, que
advêm das mediações necessárias que dão corpo a sua existência, como destacado
na página virtual criada pelos organizadores (http://www.primaveranodireito.com/).
Para os atuantes, a Universidade configura-se como uma dessas mediações
necessárias dessa prática insurgente, sendo, pois, este o ambiente social em
que a AJUP nasce e se desenvolve enquanto prática jurídica e pedagógica
diferenciada, como pode ser destacado:
“A
aproximação com as tarefas de movimentos sociais vêm a contribuir com a conexão
entre estudante e povo, numa relação que visa ao amplo acesso à justiça, à
construção coletiva de cidadania e à efetiva transformação social. Desse modo,
ao longo de seus mais de 15 anos, o núcleo trabalhou com diversos temas, como
“Dignidade em Presídios”, “Educação em Direitos Humanos”, “Direito Indígena”,
"Diversidade Sexual", “Direito das Crianças e Adolescentes”
"Direito Fundamental à Cidade", dentre outros.” (http://www.primaveranodireito.com/)
As mesas
dos dias anteriores do seminário ocorreram no Anfiteatro da Faculdade de
Direito da UFC, tendo a mesa de encerramento sido realizada no auditório,
contando com a presença de centenas de interessados.
Além dos
integrantes do CAJU, dos alunos de faculdades de Direito, Ciências Sociais e Serviço
Social, estavam profissionais do Direito que compuseram os quadros do Centro de
Assessoria Jurídica desde sua criação, muitos advogados, magistrados,
defensores públicos, membros do Ministério Público, procuradores, técnicos
judiciários, assessores e professores de cursos jurídicos de diversas Instituições
de Ensino Superior, com destaque para a UFC e o Centro Universitário Christus (Unichristus).
O
Coordenador da Pós Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado da Universidade
Federal do Ceará Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo e as professoras
doutoras Germana Moraes e Raquel Lens assistiram a apresentação.
A
Professora Doutora Alba Maria Pinho de Carvalho (Faculdade de Ciências Sociais
da UFC), tutora do Grupo de Estudos e Extensão Boaventura de Sousa Santos no
Ceará, marcou presença com seus alunos e orientandos, bem como o aluno do
Mestrado em Políticas Públicas da UFC David Pereira Cruz.
A
Unichristus foi representada pelo Coordenador Geral Adjunto Prof. Henrique Botelho
Frota, que já foi do CAJU e atualmente é, também, membro do IBDU (Instituto
Brasileiro de Direito Urbanístico) e membro Fundador do Instituto de Pesquisa
Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), no qual coordena o Grupo de Trabalho
sobre Cidades, o qual ministrou a Oficina Direito à cidade no contexto das
Manifestações. Ainda, pelos Professores Clovis Renato Costa Farias (EDH/Unichristus
e Doutorando em Direito pela UFC), Antônio Torquilho Praxedes e alguns alunos do
Curso de Direito.
O Diretor
do Fórum da Justiça Federal no Ceará (Tribunal Regional Federal da 5ª Região),
Juiz Federal Leonardo Resende, que foi integrante do CAJU na época em que era
aluno da Faculdade de Direito da UFC, representou a JFCE como um dos apoiadores
do seminário.
A mesa
definitiva foi composta por Boaventura de Sousa Santos (http://www.boaventuradesousasantos.pt/),
doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor
catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e autor de
diversos livros, e pelo Professor da Faculdade de Direito da UFPB e Doutorando
em Ciências Sociais da UNICAMP, Roberto Efrem Filho compuseram a última mesa
temática com o mote "Teoria
Sociojurídica da Indignação Social".
Boaventura
dedicou sua apresentação às pessoas afetadas pelo uso indiscriminado de
agrotóxicos, em especial, aos que receberam descarga tóxica (Veneno Engeo Pleno,
usado para matar insetos) de um avião pulverizador em uma escola de ensino fundamental
e médio localizada no assentamento Pontal dos Buritis – localizado em Rio Verde
(GO). Relatou que, na ocasião, crianças brincavam no recreio e lanchavam na
escola, por volta das 9h15min do dia 03 de maio de 2013, quando foram banhados
pela garoa prejudicial, quando foram registro de 93 casos de intoxicação.
Iniciou
sua fala relembrando ações contemporâneas em decorrência da defesa dos meio
ambiente, tais como o ‘Movimento 21’(formado
após o assassinato de Zé Maria - líder comunitário José Maria Filho, o "Zé
Maria do Tomé", que lutava contra os agrotóxicos em Limoeiro do Norte –
crime ainda impune). Ainda, as diversas manifestações populares ocorridas desde
junho de 2012 no Brasil e o Movimento em defesa do Parque do Cocó, em
Fortaleza.
No mesmo
passo, pelo mundo, ressaltou algumas ações:
a)
‘Primavera Árabe’ (uma onda
revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio
e no Norte da África desde 18 de dezembro de 2010). Até a data, tem havido
revoluções na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia e na Síria; também
houve grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e
Iémen e protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita,
Sudão e Saara Ocidental.Os protestos têm compartilhado técnicas de resistência
civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e
comícios, bem como o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube,
para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade
internacional em face de tentativas de repressão e censura na Internet por
partes dos Estados.[i]
b)
‘Movimento Eu Sou 132’ (movimento social
formado principalmente por estudantes universitários do México, que conta com o
apoio de adeptos de mais de 50 cidades do mundo, reivindicando a democratização
dos meios de comunicação, a criação de um terceiro debate entre os candidatos
das eleições presidenciais de 2012 e o rechaço ao apoio político e midiático de
meios de comunicação de massa ao candidato presidencial Enrique Peña Nieto, do
Partido Revolucionário Institucional - PRI, bem como seis pontos que incluem
diferentes temas de interesse público)[ii];
Foto retirada pelo CAJU - O caso da Ocupação do Parque do Cocó - Rosa da Fonseca |
c)
‘Movimento dos Indignados’[iii]:
nascido no dia 15 de maio de 2011, na Espanha, sendo sua primeira ação lançar
um apelo em 58 cidades espanholas através das redes sociais para protestar
contra a resposta dos políticos à crise. Sua plataforma “Democracia Real Já”
convocou manifestações poucos dias antes das eleições municipais e regionais,
apanhando de surpresa o governo. Milhares de pessoas reuniram-se na madrilena
Porta do Sol, mas também nas principais cidades de Espanha para denunciar a
crise, a corrupção e um desemprego recorde. As manifestações reuniram sempre
dezenas de milhares de pessoas e se dizem não violentas, não hierarquizadas e
sem nenhum vínculo aos partidos políticos e a sindicatos, considerando-se de
violência civil. Em 12 de junho de 2011, os indignados desmantelaram o acampamento
e sairam da Porta do Sol, mas o Movimento continuou, enquanto organizava
assembleias de bairro. Conforme a mídia espanhola, “O rastilho do 15-M
incendiou-se noutros países. O Movimento tem organizações filiadas em 70
países, como Occupy Wall Street, nos Estados Unidos.”
d) ‘Movimento dos Estudantes no Chile 2011-2012’: corresponde a uma
série de manifestações realizadas a nível nacional por estudantes
universitários e do ensino secundário chilenos, a partir do primeiro semestre
de 2011. Chegou a ser considerada como das mais importantes dos últimos anos,
mesmo comparando com a de 2006. Tal mobilização, ao contrário das anteriores -
que apenas reuniram estudantes de escolas municipais e subvencionadas das 25
universidades pertencentes ao Conselho de Reitores das Universidades Chilenas -
conseguiu pela primeira vez convocar estudantes de escolas particulares pagas,
Centros de Formação Técnica (CFT), Institutos Profissionais (IP) e
universidades privadas, ou seja, todo o sistema educacional chileno. As
primeiras mobilizações nacionais foram convocadas pela Confederação de Estudantes
do Chile (CONFECH), uma organização que reúne as associações de estudantes das
universidades que integram o Conselho de Reitores das Universidades Chilenas -
conhecidas como "tradicionais" - em meados de maio de 2011. Os
principais porta-vozes do movimento universitário foram Camila Vallejo,
presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FEUCH) e
Giorgio Jackson, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica
do Chile (FEUC).[iv]
Autógrafo de Boaventura para Clovis Renato: "Para Clovis com um abraço e obrigado pela boleia (carona) - Boaventura" |
Afirmou
que há uma guerra civil de baixa intensidade que se agravará nos próximos anos,
partindo de ações que não são realizadas por movimentos sociais, dos que chamávamos
de ‘despolitizados’. Para Boaventura não são movimentos, mas presenças
coletivas, nem são desobediência civil, uma vez que não reconhecem a
legitimidade das leis, são uma desobediência política.
São
interessantes, especialmente, pelo fato de a teoria sempre ter se centrado nos
movimentos organizados, mas os mencionados não provém de partidos políticos,
movimentos ou organizações não governamentais, de modo que contradizem tudo o
que o autor escreveu sobre o Direito e a luta jurídica (dentro das
instituições), principalmente, por não acreditarem que através do Direito elas
poderão mudar a sociedade.
Ressaltou
Boaventura que o trabalho que vem desenvolvendo é para animar profissionais do
Direito a usarem as contradições do Direito para a conquista de uma sociedade
mais justa. “Direito como um instrumento
de transformação social progressiva [...] há o direito do Estado – configurativo e reconfigurativo, além de
outros direitos como o indígena [...] Retórica,
burocracia e violência são os três elementos do Direito. Os advogados populares
são uma prova da capacidade emancipatória do Direito”. Contudo, nas ações populares
observadas há muito pouco uso do Direito, há um Direito pré figurativo que
nasce da própria ocupação.
Alertou,
buscando uma lógica para o que está ocorrendo, que os direitos estão sendo
destruídos atualmente, como, por exemplo, no Brasil, onde há inclusão econômica
e ampliação da exclusão política, no topo do desenvolvimento adotado; outro
caso de destruição dos direitos foi como ocorreu a morte de Osama Bin Laden,
extensamente divulgada com clara constatação de descumprimento de todas as
convenções internacionais sobre Direitos Humanos, as Convenções de Genebra,
dentre outras.
Demarcou
que há uma característica anarquista no que vêm ocorrendo,
exemplificativamente, a Primavera Árabe renega totalmente o direito estatal; o Movimento
Ocupai compreende que existe o direito do 1% e o dos 99%, os quais não se
comunicam, uma vez que perecem os direitos dos 99%, comprovando-se que não lhes
pertencem e lhes são impostos, de modo que acham que podem tomar atitudes
extrainstitucionais contra as movimentações extrainstitucionais dos 1%.
Outrossim,
o que os movimentos querem provar é que o Capital derrubou as instituições, que
há uma contradição entre as constituições dos Estados e o Sistema Global. Algo
que torna o uso emancipatório do Direito está cada vez mais difícil, há
retrocessos jurídicos como, no Brasil, o Novo Código Florestal (pior que o
primeiro – desrespeitador do meio ambiente), o que impõe que a mobilização
política seja cada vez maior.
O uso emancipatório
do Direito exige Democracia, para tanto, deve-se fazer uma luta democrática que
leva à reforma do Estado (política, participativa...). A Democracia
Representativa é fraca demais para enfrentar o capitalismo, há sinais
preocupantes que mostram que os governos permitem inclusão econômica mas não
social. “A Democracia está sendo usada para
destruir a Democracia, os Direitos Humanos estão sendo usados para destruir os
Direitos Humanos, a lógica do primado do Direito está sendo usada para destruir
o Direito”. Impõe-se o primado da mobilidade política, da Democracia e da
Reforma do Estado.
Rememorou
que tais movimentos recusaram que os Direitos Humanos fossem o lema, uma vez
que têm uma genealogia revolucionária na Revolução Francesa e reacionária após
isso. Postas tais condições, Boaventura asseverou que prefere ver os direitos
no contexto e que os Direitos Humanos não são uma luta, as lutas concretas são
outra coisa, têm seu próprio direito. Urge que se lute em cada situação
conforme as armas a disposição, “quem
luta pela emancipação utiliza radicalmente as armas que tem, apresentadas no
contexto”.
Não se
pode separar o epistemológico do político, deve-se entender o imaginário social do Continente Americano,
o índio, o quilombola, figuras que nunca entraram nos movimentos de esquerda.
Após a
apresentação de Roberto Efrem Filho e aos questionamentos dos ouvintes, antes
do encerramento, respondeu a diversas proposições, quando se destacaram alguns
trechos:
“Só podemos puxar o debate do Socialismo no
Século XXI quando fizermos a crítica do Socialismo do Século XX. Nunca chegamos
ao Socialismo através da Democracia Representativa. No Marxismo a dialética é a
da experiência. Não acredito em teorias de vanguarda, mas de retaguarda. Quem
está na luta tem que saber as armas que tem. A classe trabalhadora não é mais a dos anos 60, não há mais sequer a divisão
do trabalho pago para o não pago. Direito do Trabalho não faz o Socialismo, mas
ajuda na vida dos trabalhadores. Precisamos de uma articulação dos movimentos
sociais. Enquanto tivermos nossas lutas, temos que lutar. Para quem conquistou
alguns direitos eles não são triviais. O que impera são as lutas sociais, não a
teoria, apesar de estas poderem ser brilhantes. Não há mobilização jurídica sem
mobilização política, a própria burguesia desacredita do Direito, dentro do
panorama de contradições, mas acreditam na medida que lhes serve”.
O ‘Seminário
Primavera no Direito: uma flor pode romper o asfalto?’ foi encerrado às
21h30min, com agradecimentos, saudações da organização e coquetel para os
participantes.
Clovis Renato Costa
Farias
Doutorando em Direito / Bolsista da CAPES
Programa de Pós Graduação em Direito – Doutorado
Universidade Federal do Ceará
Membro do GRUPE, da Comissão de Direito Sindical OAB/CE e da
ATRACE
Nenhum comentário:
Postar um comentário