Tiros,
pancadarias e vandalismo. ISTOÉ revela a violência da disputa entre as centrais
de trabalhadores e os bastidores da luta por recursos públicos e poder. É a
nova face do sindicalismo
Pedro
Marcondes de Moura e Cláudio Dantas Sequeira
Sequência de
vídeos mostra a escalada de violência no sindicalismo paulista. Há cenas de
pancadaria, derrubada de portões, correria, uso de fogos como arma e até
disparo de revólver diante de sedes em São Paulo, Osasco e Jundiaí.
Três
episódios recentes e emblemáticos ilustram estas páginas.
No alto, à
esquerda, está estampada a foto de Edson Matias, presidente do Sindicato dos
Marceneiros de Taboão da Serra (SP). Dizer que sua imagem é um retrato da nova
face do sindicalismo brasileiro poderia soar como um trocadilho de mau gosto.
Infelizmente, trata-se da simples expressão de uma verdade.
Na tarde da
sexta-feira 26, Matias foi agredido com coronhadas por três adversários,
contrários à criação de sua entidade. Levou 32 pontos no rosto. Na foto maior,
à direita, um segurança do Sindicato dos Químicos de Jundiaí (SP), ligado à
Central Única dos Trabalhadores (CUT), aponta o revólver em direção a um grupo
de militantes da Força Sindical que tentava, a coices, invadir a sede da
entidade.
Antes, ele
já havia disparado para o alto, como mostra um vídeo obtido por ISTOÉ. Na
sequência de fotos na parte inferior da página, é o outro lado que ostenta o
poder de fogo: no sábado 13, homens da Força, escoltados por pelo menos três
leões de chácara armados, quebraram as portas do Sindicato dos Trabalhadores
nas Indústrias Gráficas de São Paulo. Eles estavam ali para impedir uma
assembleia de filiação à CUT.
As cenas reveladas por ISTOÉ retratam vítimas ou
algozes de um tipo de violência que já deixou dezenas de mortos nos últimos
três anos: o banditismo sindical. Nelas não se consegue identificar
trabalhadores que cumprem jornadas de mais de 44 horas semanais ou líderes
devotados a suas categorias. Há, sim, jagunços bem remunerados para dar ou
tirar o sangue de quem contrariar seu contratante.
Por trás dos confrontos não há sinais de oposições
ideológicas expressivas ou concepções muito distintas sobre a maneira de
representar determinada categoria. Isso é coisa do passado. Traços de um tempo
em que o movimento sindical ajudava a fazer a história do País e se legitimava
por princípios. Hoje,
discursos inflamados não conseguem mais disfarçar o que move essas contendas:
poder e dinheiro.
Cada
sindicato representa, além de força política para barganhar cargos com o
governo, uma generosa fonte de renda para as federações, confederações e
centrais. O dinheiro vem da contribuição sindical, criada na era Vargas,
imposto que transfere um dia do salário suado de cada trabalhador para a
entidade de classe que lhe representa e para as organizações da qual ela é
associada. Somente em 2010 foi repassado R$ 1,2 bilhão. Perder ou ganhar o
controle de um sindicato, portanto, significa ter acesso ou não a essa bolada.
O dinheiro que vem da contribuição sindical se transforma, em muitos casos, em
capital para cooptar entidades ou contratar capangas, quebra-paus e comprar
armamento para intimidar adversários.
A situação
do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Paulo, criado em
1919, ilustra bem esse cenário de guerra. Desde que Márcio Vasconcelos,
presidente da entidade, resolveu abandonar o cargo de vice-presidente da Força
Sindical e filiar sua entidade à CUT, no começo de agosto, ameaças de morte,
quebra-quebras, bombas e agressões físicas se tornaram frequentes.
O auge dos confrontos
foi o sábado 13, conforme mostram as imagens da câmera de circuito fechado da
entidade, às quais ISTOÉ teve acesso. Além dos invasores armados, as cenas
registram agressões entre militantes dos dois lados, uso de spray de pimenta e
a depredação da porta de entrada. “Isso foi orquestrado pelo Paulinho da Força
(o deputado federal Paulo Pereira da Silva, do PDT-SP, líder da central
sindical)”, acusa Vasconcelos. “Ele veio aqui na véspera e disse que a
assembleia não iria acontecer.” Alegando ter sido ameaçado de morte por
Paulinho, Vasconcelos mudou de endereço e anda escoltado por seguranças.
O deputado
Paulinho da Força nega tudo. “É conversa fiada”, diz. Ele admite, porém, que
participou do encontro citado por Vasconcelos. “A maioria da diretoria não
queria sair da Força Sindical e eu fui lá pedir ao Márcio para suspender a
assembleia, para não dar confusão. Ele não aceitou. Acabou em pancadaria como a
gente previa.”
O
parlamentar alega que o grupo de “militantes” responsável pelo confronto no sindicato
não foi orientado por ele e era formado apenas por associados dos gráficos. As
imagens, no entanto, desmentem a sua versão. Dirigentes de outras categorias
associadas à Força Sindical aparecem no vídeo durante o quebra-quebra. E a
confusão não parou por ali. Nos dias seguintes, bombas foram lançadas contra a
entidade e funcionários ameaçados. Na segunda-feira 29, o controle do Sindicato
dos Gráficos mudou de mãos. De posse de um documento contestado na Justiça e
com um time reforçado de quebra-paus, integrantes da oposição assumiram o
controle da sede da entidade. Na manhã da quarta-feira 31, já respondia pelo
sindicato um personagem famoso no meio: Paulo Rogério, o maior especialista em
coordenar “situações adversas” da Força Sindical.
Outros casos
envolvendo a central sindical liderada pelo deputado Paulinho chamam a atenção
da Justiça. Em Jundiaí, no interior paulista, o Ministério Público Federal investiga o presidente do Sindicato dos
Plásticos da cidade, João Henrique dos Santos, por formação de quadrilha e
fraude sindical, entre outros crimes. Seus métodos violentos, típicos do novo
banditismo sindical, lhe renderam o apelido de “Lampião Paulista”. Em
setembro de 2009, Santos, esta reencarnação de Virgulino, enviou um grupo de 80
homens, inclusive ex-policiais militares, para a porta do Sindicato dos
Químicos. A ordem era invadir o local e retirar de lá à força o presidente da
entidade, Aparecido Nunes do Nascimento. “Eles conseguiram derrubar o portão,
mas um amigo policial estava lá e evitou o pior”, relata Nunes. O “amigo
policial” é o homem que atira para o alto e depois mira os invasores no vídeo
obtido por ISTOÉ.
O bando de
Lampião Paulista trazia na linha de frente Isaul Marcos Soares, tricampeão
mundial de kickboxing. Torrão, como o lutador é conhecido, revelou à ISTOÉ os
bastidores da ação. Segundo ele, Lampião, presidente do Sindicato dos Plásticos
e adversário de Nunes, do Sindicato dos Químicos, prometeu pagamentos
diferentes conforme o nível de violência empregado. “Eram R$ 100 para cada
homem cercar o local, R$ 200 se invadisse e R$ 300 para retirar o Nunes à
força, no braço.” A prática truculenta foi a mesma empregada em outras cidades
do Estado, como Caieiras e Vinhedo. Trata-se de um estilo, conforme Torrão
comprovou nos quatro anos em que trabalhou como segurança de Lampião e em duas
campanhas eleitorais do deputado Paulinho da Força das quais participou como
correligionário contratado. “Paulinho e João Henrique são parceiros e com eles
é na base da porrada. É uma guerra!” Paulinho diz ter uma relação “meramente
institucional” com Lampião Paulista. “Sou contrário ao uso da força”, afirma.
“Não é pelo caminho da violência que se conquistam as coisas.”
A guerra
entre sindicatos não é monopólio da Força Sindical. Também há relatos de violências
e fraudes praticadas pela Central Única dos Trabalhadores. De acordo com o
presidente do Sindicato de Trabalhadores do Setor de Hospedagem e Gastronomia,
Francisco Calasans Lacerda, a CUT, a maior das centrais brasileiras, criou
quatro sindicatos clones na base territorial da entidade, nas cidades de
Guarulhos, Mogi das Cruzes, Osasco e Atibaia. A implantação dessas entidades
teria sido garantida por uma mistura de ajuda política e força bruta. Em 31 de
julho de 2009, foram publicados simultaneamente quatro editais de convocação de
assembleias para discutir o tema. Naquele dia, porém, não foi permitido o
acesso de funcionários da categoria. “Eles encheram o local com gente deles e
não deixaram ninguém entrar. Quando começou a pressão para abrir os portões,
lançaram coquetéis molotov”, conta Calasans Lacerda. Mesmo com a violência, o
processo de legalização dos sindicatos clones prosseguiu, e as assembleias, com
apenas 12 pessoas, acabaram validadas por uma canetada do Ministério do
Trabalho. A pedido do sindicato original, entretanto, os registros das
entidades clones encontram-se impugnados pelo Judiciário, à espera de uma
decisão definitiva.
Os rastros
da batalha feroz entre as centrais sindicais se espalham por todo o País e já
produziram grandes desastres. Talvez o mais famoso deles tenha ocorrido em
Porto Velho, Rondônia, onde sindicalistas ligados à Força Sindical, à CUT e
independentes vivem em um permanente clima de hostilidade pelo controle da
representação dos aproximadamente 30 mil trabalhadores responsáveis pelas obras
de construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Autoridades locais
dizem que esta disputa esteve por trás da onda de revoltas nos canteiros das
obras à beira do rio Madeira em março deste ano. Durante os protestos, ônibus e
alojamentos foram queimados e outras instalações danificadas. Logo depois do
incidente, diversos interessados em representar os trabalhadores, vindos para a
cidade junto com os projetos de infraestrutura, trocaram acusações. Em São
Paulo, disputas desse nível levaram ao assassinato de Sérgio Augusto Ramos, que
havia denunciado esquema de corrupção no Sindicato dos Motoristas e Cobradores
de Ônibus.
O professor
da Unicamp Ricardo Antunes, autor de diversas pesquisas sobre o sindicalismo
brasileiro, relembra o importante papel institucional dessas entidades. “Os
sindicatos foram decisivos na resistência e na luta pelos direitos do
trabalhador.” O estudioso, no entanto, acredita que atualmente uma grande
parcela daquela saga se desvirtuou. “Lamentavelmente,
muitas entidades tornaram-se verdadeiras máquinas burocratizadas que recebem
dinheiro do Estado, por meio do imposto sindical ou pelo Fundo de Amparo, e se
distanciam cada vez mais de suas bases.” Se o dinheiro público continuar a
financiar sindicatos do crime, as representações dos trabalhadores, que
chegaram a levar um metalúrgico à Presidência do Brasil, correm o risco de ver
suas histórias enterradas num roteiro de ganguisterismo.
Título original da matéria: Bandidagem sindical (setembro de 2011)
Leia também:
Democracia como fundamento para as eleições sindicais (Clovis Renato Costa Farias): http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=edf0320adc8658b2
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