28 de junho de 2012
A que
esquerdas me dirijo? Aos partidos e movimentos sociais que lutam contra o
capitalismo, o colonialismo, o racismo,
o sexismo e a homofobia, e a
todos os cidadãos que não se consideram organizados mas partilham os objetivos
e aspirações daqueles que se organizam para lutar contra tais objetivos. É um
público muito vasto, sobretudo porque
inclui aqueles que têm práticas de esquerda sem se considerarem de esquerda.
E, no
entanto, parece tão pequeno. Nas
últimas semanas, as esquerdas tiveram a oportunidade de
vivenciar a riqueza global das alternativas que oferecem e de identificar bem
as forças de direita a que se opõem.
Infelizmente, essa oportunidade foi desperdiçada. Na Europa, as esquerdas estavam avassaladas pelas crises e urgências do imediato e, noutros continentes, os média ocultaram o que de novo
e de esquerda pairava no ar.
Refiro-me
à Conferência da ONU Rio+20 e à Cúpula dos Povos que e realizaram no Rio de
Janeiro. A primeira realizou-se na Barra da Tijuca e a segunda no Aterro do
Flamengo. Eram poucos os quilómetros que as separavam, mas havia um vasto
oceano de distância política entre elas. Na Barra, estavam os governos e a
sociedade civil bem comportada, incluindo as empresas multinacionais que
cozinhavam os discursos e organizavam o cerco aos negociadores oficiais. Na
Barra, a direita mundial deu um espectáculo macabro de arrogância e de cinismo
ante os desafios incontornáveis da sustentabilidade da vida no planeta. Nenhum
compromisso obrigatório para reduzir os gases do efeito estufa, nenhuma
responsabilidade diferenciada para os países que mais têm poluído, nenhum fundo
para o desenvolvimento sustentável, nenhum direito de acesso universal à saúde,
nenhuma quebra de patentes farmacêuticas em situações de emergência e de pandemias.
Em vez disso, a economia verde, o cavalo de Troia para o capital financeiro
passar a gerir os bens globais e os serviços que a natureza nos presta
gratuitamente. Qualquer cidadão menos poluído entende que não é vendendo
natureza que a podemos defender e não acredita que os problemas do capitalismo
se possam resolver com mais capitalismo. Mas foi isso o que os média levaram ao
mundo.
Ao
contrário, a Cúpula dos Povos foi a expressão da riqueza do pensamento e das
práticas que os movimentos sociais de todo o mundo estão a levar a cabo para
permitir que as gerações vindouras usufruam do planeta em condições pelo menos
iguais às de que dispomos. Milhares de pessoas, centenas de eventos, um
conjunto inabarcável de práticas e de propostas de sustentabilidade. Alguns
exemplos: defesa dos espaços públicos nas cidades que priorizem o pedestre, o
convívio social, a vida associativa, com
gestão democrática e participação popular, transportes coletivos, hortas
comunitárias e praças sensoriais; economia cooperativa e solidária; soberania
alimentar, agricultura familiar e educação para a alimentação sem produtos agro-tóxicos; novo paradigma de
produção-consumo que fortaleça as economias locais articuladas translocalmente;
substituição do PIB por indicadores que incluam a economia do cuidado, a saúde
colectiva, a sociedade decente e a prosperidade não assente no consumo
compulsivo; mudança na matriz energética baseada nas energias renováveis
descentralizadas; substituição do conceito de capital natural pelo de natureza
como sujeito de direitos; defesa de bens comuns, como a água e a
biodiversidade, que apenas permitem direitos de uso temporários; garantia do
direito à terra e ao território das populações camponesas e indígenas;
democratização dos meios de comunicação; tributação penalizante das atividades
extrativas e industriais contaminantes; direito à saúde sexual e reprodutiva
das mulheres; reforma democrática do Estado que elimine a pandemia da corrupção
e trave a transformação em curso do Estado protector em Estado predador;
transferências de tecnologia que atenuem a dívida ecológica.
Se as
esquerdas quiserem ter futuro, têm de
adoptar o futuro que está contido nestas propostas e transformá-las em
políticas públicas.
Fonte: http://saladeimprensa.ces.uc.pt/?col=opiniao&id=5809
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