“A monarquia
constitucional foi admitida como instrumento de preservação do escravismo.
É claro que se esperava que a casa real europeia ajudasse no reconhecimento da
jovem nação. Mas a fórmula centralizada
foi aceita porque a unidade jurídica era essencial para evitar que uma
província liberal abolisse unilateralmente a escravidão. Eis o segredo da unidade territorial
brasileira, enquanto a América espanhola se esfacelava. Eis o limite da
democracia coroada.
Menos de 1% da
população exerceu efetivamente o direito ao voto. Mas a grande
questão ao longo de todo o império foi a tensão da centralização. Na colônia, as províncias nem sequer tinham
tradição de se reportar a uma capital. A Inconfidência foi mineira, não
brasileira. Os pernambucanos de 1817 defendiam uma confederação. O tema
voltou logo após a outorga da centralizadora Constituição de 1824, com a
eclosão da Confederação do Equador. Em 1828, o Uruguai tornou-se independente
do Brasil. No Pará, a Cabanagem (1835-1840) derivou em guerrilha rural, matando
20% da população. Na Bahia, a Sabinada, em 1837, sublevou tropas militares e a
miuçalha urbana. A Balaiada, no Maranhão (1838-1841), virou guerrilha popular.
No Sul, a Farroupilha (1835-1845), controlada pela elite, constituiu uma
república. E há quem diga não ter o Brasil tido uma história cruenta.
Democracia de fachada
O risco de
rebelião das massas e de desmembramento era tamanho que se aceitou o Poder
Moderador como árbitro do sistema parlamentar. O Segundo Reinado conseguiu
estabilidade, progresso econômico e liberdade de imprensa. Mas, sem poder
conciliar liberalismo e escravidão, o império nunca aprovou um Código Civil,
promulgado apenas em 1917.
Abolida a
escravidão, a unidade jurídica perdeu razão de ser. Um golpe proclamou a
república em 1889. Instituiu-se a federação, mas a autonomia só valeu para estados ricos e
armados. E a remoção do Poder
Moderador expôs toda a brutalidade da fraude eleitoral. Sem válvula de escape, a elite se
engalfinhou. A Revolução Federalista (1893-1895), conectada à Revolta da
Armada, bombardeou o Rio de Janeiro, conflagrou três estados, envolveu nações
estrangeiras e formou um governo paralelo na hoje Florianópolis.
Presidencialismo
com democracia de fachada. Basta dizer que a pena de morte e os castigos
corporais continuavam aplicados na surdina,
como informa a Revolta dos Marinheiros, de 1910, e a tragédia do navio
Satélite, quando os oficiais se vingaram dos amotinados jogando-os ao mar ou
abandonando-os na selva. Mas o que esperar de uma república que, em 1897, se
lançara a massacrar o povo pobre e sertanejo de Canudos, por temê-los
restauradores?
A república
inaugurou o mito de que as rupturas seriam democráticas. O estado de sítio e a
ameaça golpista tornaram-se recorrentes, coroados por 1964, que se pretendeu
revolução democrática. Verdade que a esquerda não era
santa: Brizola defendera em 1963 o fechamento do Congresso. Mas havia avanços.
A Revolução de 1930 modernizara a burocracia e trouxera a legislação
trabalhista urbana, mas também a Justiça Eleitoral. Ainda assim, em 1962, apenas 24% da população adulta
votou.
Entre o nazismo e o stalinismo, Getúlio Vargas
achava o seu Estado Novo liberal. O
regime pós-1964 censurou, cassou e torturou, mas conviveu com eleições. Prova
não ser o voto universal condição suficiente para a democracia.
(AXT, Gunter. Democracia no Brasil: um breve histórico - Séculos de um sistema educacional precário inviabilizam o conhecimento das regras do jogo democrático pelos cidadãos. In. Dossiê CULT: A democracia e seus impasses, julho, 2012. p. 48-49)
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