Rodolfo
Valente diz que “o constrangimento ao trabalho de advogadas é o ápice de um
processo de violações e contra quem se organiza”
Agressões
de policias, dificuldades de acessar a delegacia e uma intimação para depor em
inquérito que investiga manifestantes. Esses são alguns dos problemas elencados
por Rodolfo Valente, advogado do Movimento Passe Livre, em sua atuação na
defesa de militantes durante protestos na cidade de São Paulo. Leia abaixo
trechos da entrevista, feita por e-mail com Valente:
Quais os
maiores empecilhos que você teve para atuar como advogado nos protestos em junho
e depois?
Em grandes
manifestações, há, invariavelmente, orquestração política entre as ações da
Polícia Militar e a Polícia Civil. A Polícia Militar, a mando do Governo,
barbariza as manifestações, agride e prende a esmo manifestantes, jornalistas e
quem mais passar pela frente, tortura e depois conduz às delegacias. Às vezes,
a depender das ordens superiores, chegam com acusações distribuídas
arbitrariamente entre as pessoas detidas.
Acompanhamos
casos de pessoas que sequer estavam na manifestação e foram presas
arbitrariamente pela Polícia Militar em meio à repressão, supostamente "em
flagrante" e ao chegar ao DP foram indiciadas por crimes como incêndio,
dano ao patrimônio público, formação de quadrilha, entre outras invenções.
Outras
vezes, fazem as chamadas "prisões para averiguações". Isto é, prendem
sem qualquer acusação, o que é completamente inconstitucional e configura crime
de abuso de autoridade.
O grande
problema é que na Delegacia, lugar onde, em tese, os abusos da PM deveriam ser
corrigidos, a barbárie continua. No ato de 25 de outubro do ano passado [na
jornada de lutas pelo transporte público], por exemplo, simplesmente fecharam o
1º DP. A Tropa de Choque ocupou o prédio da Delegacia e submeteu as mulheres
detidas a violência sexual quando elas foram obrigadas a se despirem e passaram
por revista vexatória aos olhos de todos os policiais que estavam no local.
Nada pudemos fazer, porque sequer sabíamos da existência dessa sala onde
violentaram as manifestantes. Só tivemos conhecimento do fato após sairmos da
delegacia. Dentro da delegacia, as autoridades fazem o que querem, pois sabem
que têm respaldo do Governo e que poucos setores ousarão questioná-las.
Você já
foi impedido de trabalhar pela polícia durante os protestos? O que aconteceu?
No
primeiro ato de junho, tentaram impedir a minha entrada e a de outro advogado
no 78º DP. Depois de alguma tensão entre nós e alguns investigadores,
conseguimos entrar. Em outro episódio, em um ato pelo transporte público no
Grajaú [extremo sul de São Paulo], prenderam arbitrariamente cerca de 30
manifestantes. Quando me aproximei para acompanhar, um dos policiais, aos
berros, disse para eu ir para o outro lado da rua. Eu afirmei que era advogado
do movimento e iria acompanhar, mas ele, histericamente, insistiu em me
repelir. Pedi, então, que ele se identificasse, uma vez que estava sem
identificação na farda, momento em que ele me deu voz de prisão e um outro
policial me deu uma gravata. Segundos depois, eles desistiram da ação.
A polícia
cria outras dificuldades além da repressão direta?
Outra
estratégia utilizada frequentemente para desarticular a defesa jurídica de
manifestantes presos é distribuí-los por várias delegacias. Agora, soube que,
no ato desse sábado [o segundo contra a Copa do Mundo em São Paulo], advogados
ligados a comissões da OAB de São Paulo estiveram nas delegacias para
constranger o trabalho dos colegas que tentavam defender manifestantes presos
ilegalmente. O relato é gravíssimo e a OAB deve explicações.
O senhor
foi chamado a depor. Qual foi o motivo e porque você decidiu não comparecer?
A
orientação geral para não comparecer ao inquérito policial 1 de 2013,
instaurado a partir de consertos obscuros entre Ministério Público, Secretaria
de Segurança e Ministério da Justiça, foi construída coletivamente no Movimento
Passe Livre a partir da percepção de que esse inquérito não serve para
investigar fatos específicos, mas sim para intimidar e controlar, ilegalmente,
as lutas populares.
O
fundamento jurídico para o não comparecimento é o exercício do direito
constitucional de ficar em silêncio e de, portanto, não comparecer. No meu caso
específico, sou advogado atuante nesse inquérito policial e, em razão disso,
para além do direito ao silêncio, tenho a prerrogativa legal de me recusar a
depor.
Você
concorda com a ideia de que está acontecendo uma criminalização do trabalho de
advogados que defendem manifestantes? Por que acha que isso ocorre?
A
criminalização é expansiva. O constrangimento ao trabalho de advogadas e
advogados é o ápice de um processo de violações e de ilegalidades perpetradas
contra quem se organiza para contestar a ordem injusta do capital. Precisamos
ter bem claro que o sistema penal já atua ilegal e seletivamente. As ações das
agências de repressão são quase que exclusivamente voltadas à neutralização e
estigmatização daquelas pessoas que mais sofrem com as desigualdades, em
especial a juventude pobre e negra, alvo constante das balas, duras e algemas
policiais. Afinal, violentadas por um sistema que as mói cotidianamente, elas
são possíveis focos de resistência e de luta contra o sistema capitalista e,
nesse sentido, o sistema penal serve exatamente de instrumento do capital para
fragmentá-las e subjugá-las. Obviamente, quando movimentos populares conseguem
se organizar para desestabilizar o sistema, as agências de repressão
rapidamente direcionam o seu autoritarismo a eles. Daí para criminalizar também
advogados que atuam para evitar prisões ilegais é um pulo. Difícil é sustentar,
a partir daí, a aparência de legalidade que se tenta emprestar à atuação
repressora e terrorista do Estado.
por Piero
Locatelli
Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/advogado-do-mpl-sp-ja-sofreu-agressoes-e-foi-intimado-a-depor-2082.html
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