“Os
intelectuais de esquerda, quando não abraçam o capitalismo como o melhor dos
mundos possíveis, limitam-se a sonhar com pouco mais que um espaço nos seus
interstícios e prescrevem apenas resistências locais e particulares. No exato
momento em que se necessita urgentemente de uma compreensão crítica do sistema
capitalista, grandes seções da esquerda intelectual, em vez de desenvolver,
enriquecer e refinar os instrumentos conceituais necessários, dão amplos sinais
de que pretendem abandoná-los. O ‘pós-marxismo’ deu lugar ao culto do pós-modernismo,
e a seus princípios de contingência, fragmentação e heterogeneidade, sua
hostilidade a qualquer noção de totalidade, sistema, estrutura, processo e ‘grandes
narrativas’. Mas se essa hostilidade se estende à própria ideia de capitalismo
como sistema social, ela não evita que essas correntes intelectuais tratem o ‘mercado’
como se ele fosse uma lei natural, universal e inevitável, enquanto, paradoxalmente,
bloqueiam o acesso crítico a esse poder totalizador pela negativa de sua
unidade sistêmica e pela insistência na impossibilidade de conhecimentos ‘totalizadores’.
A fragmentação e a contingência pós-modernistas se unem aqui à estranha aliança
com a ‘grande narrativa’ do ‘fim da história’.
Os
intelectuais da esquerda, então, vêm tentando definir novas formas, que não a
contestação, de se relacionar com o capitalismo. A maneira típica é procurar
interstícios no capitalismo onde criar espaços para discursos e identidades
alternativos. [...] Mas, subjacente a tudo isso, parece haver a convicção de
que o capitalismo chegou para ficar, pelo menos numa perspectiva histórica
previsível.
A
reformulação da relação da esquerda com o capitalismo como a criação de espaço
no seu interior, e não o desafio direto e a contestação a ele, ajuda a explicar
as principais transformações dos discursos tradicionais da esquerda [...]
Em oposição
a essa tendência dominante, proponho partir da premissa de que a crítica do
capitalismo é urgentemente necessária, que o materialismo histórico ainda
oferece a melhor base sobre a qual é possível construí-la e que o elemento crítico do marxismo está acima de tudo
em sua insistência na especificidade histórica do capitalismo – com ênfase
tanto na especificidade de sua lógica sistêmica quanto na sua historicidade. Em
outras palavras, o materialismo histórico aborda o capitalismo de uma forma
exatamente antitética às modas atuais: a unidade sistêmica do capitalismo em
vez de meros fragmentos pós-modernos, mas também a historicidade - e daí a possibilidade de sua superação- e não a inevitabilidade capitalista e o fim
da história.”
(WOOD,
Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 13-14)
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