Segundo
pesquisa, mais de 70% dos policiais
apoiam a desvinculação da Polícia Militar do Exército. A maior da população
quer proteção a direitos humanos
A repressão aos manifestantes nos protestos
iniciados em junho do ano passado no Brasil e o elevado grau de incidentes
violentos envolvendo a Polícia Militar fortaleceram as discussões sobre o fim
do vínculo da corporação com as Forças Armadas.
A eliminação do caráter militar das polícias
é defendida por especialistas como forma de tornar as corporações mais próximas
da sociedade e dar a elas uma formação mais voltada para a proteção da
cidadania. A proposta, que tramita
no Congresso em ao menos três projetos de emenda constitucional, estabelece a
redução de hierarquias e a interligação de carreiras.
A proposta
mais adiantada e polêmica é a PEC
51/2013, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ). O projeto prevê
que todos os órgãos policiais sejam
organizados em carreira única, e que os estados tenham autonomia para
estruturar os próprios órgãos de segurança pública. A nova polícia faria tanto
o trabalho ostensivo como a investigação, funções hoje atribuídas,
respectivamente, às polícias militar e civil.
Para seus críticos, a Polícia Militar tem um erro
fundamental: ao se orientar pela ideia de que um inimigo precisa ser eliminado,
ela esquece que deve garantir os direitos de todos os cidadãos. "O
policiamento deveria ser uma missão civil", argumenta o jurista Oscar
Vilhena, da Fundação Getúlio Vargas. "Mas a função atribuída à polícia hoje é a preservação do 'Estado e da ordem',
em detrimento dos direitos dos cidadãos."
Policiais
a favor
Uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o
Ministério da Justiça, mostra que 73,7% dos policiais apoiam a desmilitarização.
Entre os policiais militares, o índice
sobe para 76,1%. O levantamento ouviu 21.101 policiais militares, civis,
federais, rodoviários federais, bombeiros e peritos criminais de todo o país
entre os dias 30 de junho e 18 de julho.
Segundo
Renato Sérgio de Lima, pesquisador da FGV e membro do fórum, a maioria dos entrevistados apontou a
transição para o caráter civil e a integração das polícias em uma carreira
única como caminhos para a modernização das corporações. "Eles identificam
um limite no modelo atual. Os policiais apoiam o fim da Justiça Militar e a desvinculação do Exército para que
o foco seja a proteção da sociedade, e não os interesses do Estado",
afirma. "Isso não significa ausência de disciplina, hierarquia, uniformes
e controle, elementos necessários em uma organização policial", ressalta.
O debate também passa pela revisão de
regulamentos e procedimentos disciplinares, garantia à livre associação
sindical, direito de greve e a submissão de processos criminais envolvendo
policiais à Justiça comum.
Divergências
Apesar de
haver apoio à desmilitarização, o estudo
aponta que não há um consenso sobre como o modelo deveria ser implementado. A
integração de duas polícias que hoje desempenham funções diferentes é o
principal motivo de questionamento.
"Respeito
quem é a favor da ideia, mas me
pergunto: eu vou compor o que é hoje a Polícia Civil? Minhas garantias de
salário e carreira serão mantidas? Sou soldado e vou virar agente? Vou fazer
ciclo completo de polícia? Não é uma questão tão simples", questiona o
comandante da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Francisco Canindé de
Araújo Silva, há 30 anos na corporação.
Para a secretária nacional de Segurança Pública,
Regina Miki, será difícil encontrar um consenso. Ela ressalta que a forma como
a desmilitarização é entendida por policiais pode ser diferente do que a
sociedade espera da medida.
"Os policiais de base e a cúpula certamente
enxergam de forma distinta a desmilitarização, e por diversas razões.
Certamente até mesmo nas corporações não há consenso", afirmou durante
o 8º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado na última
semana em São Paulo.
O coronel
e jurista Sérgio Roberto de Abreu é cético em relação à criação de um pacto
pela reforma das polícias. Ele argumenta que as corporações que tiveram o
caráter militar acentuado durante a ditadura ainda estão vivenciando o processo
de redemocratização. E a passos lentos.
"É
fundamental que haja uma reforma política antes da realização de reformas
institucionais", afirma. "É
uma caminhada vagarosa e que encontra muros de resistência. As próprias
instituições policiais não conseguiram se conformar e compreender o que é ser
uma polícia democrática."
Formação
A reforma institucional passa por mudanças
profundas no projeto educacional das corporações. Uma formação civil baseada em
hierarquia e disciplina e voltada ao policiamento urbano é uma alternativa
experimentada com sucesso em outros países.
O Exército Nacional costarriquenho, por
exemplo, foi abolido em 1948. A Costa Rica não dispõe de armamentos pesados. As
unidades regionais de polícia possuem programas de prevenção de delitos, que
contam com a participação da população. Hoje, o país tem a menor taxa de
homicídios da América Central (10 para 100 mil habitantes), abaixo da média de
toda a América (15,4).
A Costa Rica tem menos habitantes que o
estado de Santa Catarina. Pode
servir como exemplo, mas não como o parâmetro para o Brasil. Mesmo assim, a
busca de um modelo ideal ainda parece distante para os brasileiros.
A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública mostra que, para 87,3% dos entrevistados, o trabalho policial precisa
ser reorientado para a proteção dos direitos humanos e da cidadania. De acordo
com eles, a corrupção é uma das maiores dificuldades a serem vencidas.
Para isso,
o sociólogo Ignacio Cano, da Uerj,
diz que é necessário acabar urgentemente
com o que chama de regulamentos "extremamente autoritários que regem as
forças policiais no Brasil". "As instituições de ensino policiais
precisam ser integradas", defende.
O
professor José Vicente Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, visitou escolas policiais de
12 países e, com base na pesquisa, concluiu que o "ofício de polícia ainda
não existe no Brasil".
"Existe uma tensão entre o treinamento
policial – que alguns até chamam de adestramento – e a educação. O conceito de
dignidade humana precisa ser central, e ainda não é. O foco deve ser a
prevenção da criminalidade", afirma.
Ele elaborou uma lista com 20 reformas
necessárias para a formação policial no Brasil. Entre elas está a criação de
uma Escola Nacional de Segurança Cidadã e o fomento de parcerias entre
academias e escolas de polícia com universidades.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/excessos-cometidos-por-pms-impulsionam-debate-sobre-desmilitarizacao-da-policia-1256.html
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