Um dos fundadores do Fórum Nacional para a Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), que desde 1994 reúne representantes
do poder público, trabalhadores, empregadores, entidades da sociedades civil e
organizações internacionais, o ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal
Superior do Trabalho, classificou o relatório "Brasil Livre de Trabalho Infantil: o debate sobre as estratégias para
eliminar a exploração de crianças e adolescentes", da ONG Repórter Brasil, como excelente ferramenta para promover mudanças. Trata-se de um estudo detalhado sobre a
exploração de crianças e adolescentes no país, com o objetivo fortalecer o debate sobre como aprimorar o
combate e erradicar tal prática. O lançamento se deu no Congresso Nacional,
este mês. Clique aqui para baixar o relatório (http://reporterbrasil.org.br/trabalhoinfantil/livro/).
Para ministro, que é o coordenador da Comissão para
Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho (CETI), o estudo é
importante porque traz, além de informações atualizadas, um exame profundo das
raízes do fenômeno e um diagnóstico preciso das dificuldades encontradas no
combate à prática. Ele ressalta que desde a década de 90 houve avanços significativos no combate ao trabalho
infantil no Brasil e na América Latina, onde o fenômeno foi praticamente
reduzido à metade desde 1992. Porém, ressalta, há atualmente certa estagnação na taxa de decréscimo.
De acordo com o ministro Lelio, em certas faixas etárias, como dos 10 aos 13 anos, por exemplo, houve
até um leve crescimento. Isso demonstra, de acordo com ele, que, embora muito bem sucedidas num primeiro
momento, as estratégias adotadas até aqui não se revelam eficazes diante de
novos fenômenos, "como a migração de um grande número de famílias do campo
para a cidade, por conta do desenvolvimento econômico do país, a realização de
grandes obras e o crescimento do setor informal", explica.
"Tínhamos
um panorama de trabalho infantil rural, em sua maioria. Hoje, há situações de
características mais urbanas", afirma.
"Então, é preciso rever as
estratégias e adaptá-las à nova realidade, já que estamos lidando com o mesmo
fenômeno, mas com características diferentes, inclusive com trabalho infantil
em formas bastante aviltantes" – entre
elas atividades ilícitas tais como tráfico de drogas e a exploração sexual.
"São atividades que exigem abordagem
diferente, um trabalho que relacione repressão aos exploradores e um forte
investimento em conscientização e educação, para que essas crianças que se
encontram em situações de vulnerabilidade estejam mais protegidas",
ressalta o ministro.
Ele lembra que, em
virtude do destaque que teve nas últimas décadas no combate ao trabalho das
crianças e adolescentes, o Brasil vai receber, em outubro, a III Conferência
Global sobre Trabalho Infantil, que deve reunir representantes de governos,
empregadores, trabalhadores e organizações da sociedade civil dos 185 países
membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O encontro
internacional deve ser um espaço de reafirmação das metas de erradicação do
trabalho infantil assumidas pelos países e de discussão de estratégias para
alcançar esse objetivo.
Um dos eixos de discussão, explica o ministro Lelio, é a
participação do Poder Judiciário e do Ministério Público no combate ao trabalho
infantil. O TST faz parte da comissão organizadora do evento, que é coordenado
pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
O papel do
Judiciário
Um dos especialistas entrevistados para elaboração do
relatório da Repórter Brasil, o ministro Lelio afirma que uma das dificuldades
a serem superadas é a falta de coordenação
dos esforços do Estado, que muitas vezes desencadeia programas a cargo de
ministérios distintos, carentes de coordenação e rumo político.
Para ele, o
esforço do Estado não deve ser só do Executivo. "O Judiciário tem
importante papel, não apenas no julgamento dos casos do trabalho infantil, que
é proibido pela Constituição, mas acima de tudo na dimensão cidadã, como
formador de opinião".
No seu entender, o Judiciário
tem responsabilidades e deve esclarecer a sociedade sobre os riscos que o
trabalho infantil acarreta, em termos de saúde e perda de perspectivas de
futuro. Deve, ainda, estar disposto a colaborar com a sociedade a fim de que os
esforços de erradicação sejam bem sucedidos.
Nesse sentido, foi criada
em 2012, no âmbito do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT),
a Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, para
coordenar as ações, projetos e medidas a serem desenvolvidas pela Justiça do
Trabalho em prol da erradicação do trabalho infantil no Brasil e da proteção ao
trabalho decente do adolescente. Com a CETI,
explica o ministro Lelio Bentes, a
Justiça do Trabalho se engajou oficialmente na luta pela erradicação do
trabalho infantil, buscando cumprir o compromisso assumido pelo Brasil diante
da comunidade internacional, de extinguir as piores formas de trabalho infantil
até 2015, e quaisquer formas até 2020.
A Comissão conta
com dez integrantes, sendo dois ministros do TST (além de Lelio Bentes, a
ministra Kátia Magalhães Arruda) e magistrados de diversas regiões do país.
Todos com o espírito de "disseminar
a cultura de erradicação do trabalho infantil dentro do poder judiciário
trabalhista", explica o coordenador da Comissão. Para isso, a Justiça
do Trabalho reivindica para si a competência para emissão de autorizações
excepcionais para trabalho de crianças e adolescentes em situações não
previstas pela legislação.
A Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990,
asseguraram a proteção integral à população infanto-juvenil. É proibido qualquer tipo de trabalho até os
16 anos. A exceção é para atividades
remuneradas na condição de aprendiz, permitida entre 14 e 16 anos, com formação técnico-profissional, frequência à
escola, carteira assinada e direitos trabalhistas garantidos. Até os 18 anos, são proibidos os trabalhos
insalubres, perigosos ou noturnos.
As autorizações
excepcionais para o trabalho de crianças e adolescentes se dão na área do
trabalho artístico. Isto porque, em
2001, o Brasil ratificou a Convenção 138 sobre a Idade Mínima de Admissão no
Emprego, da OIT. A Convenção 138 admite o trabalho artístico como uma das
atividades a serem exercidas por crianças e adolescentes, uma exceção, mediante
autorização judicial.
Atualmente, porém, essas
autorizações têm sido concedidas pela Justiça Estadual para que menores de 16
anos ingressem precocemente no mercado de trabalho, independentemente do setor
– medida considerada inconstitucional por muitos que atuam no tema. Só em 2011,
foram registrados no cadastro de emprego formal da iniciativa privada
brasileira 3.134 casos de crianças e adolescentes trabalhando com autorização
prévia da Justiça, de acordo com dados citados no relatório "Brasil livre
do trabalho infantil".
Assim sendo, o
trabalho infantil institucionalizado preocupa tanto quanto o informal, e as
autorizações concedidas por Varas da Justiça Estadual provocam polêmica no
Judiciário. De acordo com depoimento do
ministro Lelio ao relatório da Repórter Brasil, "já chegaram ao conhecimento público casos de autorização para trabalho
em lixões, situação que obviamente se revela nociva à criança e ao jovem".
Casos de crianças a partir de dez anos
em outras atividades insalubres e perigosas, como na pavimentação de ruas, em
fábricas de fertilizantes, em olarias, na construção civil e em oficinas
mecânicas, também foram registrados.
"Para fazermos frente a essas atribuições, temos que
estar bem preparados, conscientes do papel do poder Judiciário no
processo", ressalta o coordenador da CETI. Para ele, se existe uma Justiça
especializada, ninguém melhor do que o
juiz do Trabalho para identificar as situações em que o trabalho em atividades
artísticas "será efetivamente a expressão legítima de um direito, ou se
está pretendendo uma autorização para uma exploração econômica disfarçada".
Em função disso, um
dos princípios da Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do
Trabalho é que as autorizações para o trabalho da criança e do adolescente
sejam concedidas pela JT.
(Marta Crisóstomo)
Fonte: TST
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