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quarta-feira, 12 de julho de 2017

CUSTEIO SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA


Francisco Gérson Marques de Lima 
(Doutor, Professor da UFC, Tutor do GRUPE, Procurador Regional do Trabalho)
Resumo: O modelo de custeio sindical, conforme negociado para minuta de futura Medida Provisória, constitui abertura para mais intervenção pelo Estado. A dita MP, aliás, talvez sequer seja aceita pela Câmara dos Deputados, o que significa ruptura de acordos realizados no processamento da reforma trabalhista. 
Reforma sindical:
Escutei do sindicalista Antonio Neto (CSB) que “hoje é o amanhã que tanto temíamos ontem”, referindo-se à reforma trabalhista aprovada pelo Senado Federal, no dia 11.07.2017, ontem, a qual segue para sanção presidencial. De fato, o Direito do Trabalho não será mais o mesmo, tão profundas foram as mudanças. 
Mas não é hora de choramingar. É tempo de mais luta, de mais entusiasmo. Os desafios estão postos. Assim é o ciclo vital. 
Como doutrinador, minha contribuição está no campo intelectual, subsidiando a melhor aplicação do Direito.  

Custeio sindical:
Na avalanche da reforma trabalhista, a qual torna voluntária a contribuição sindical dos arts. 578 e 579, CLT (antigo “imposto sindical”), as Centrais e outras entidades sindicais negociaram com o Senado Federal e o Presidente da República o texto de uma futura Medida Provisória, que promoveria algumas imediatas mudanças ao texto que viesse a ser aprovado na casa alta do Legislativo. Existem alguns textos que, supostamente, seriam a minuta da MP. Mas alguns pontos são comuns, pelo que se tem que há uma minuta real. Trate-se, aqui, do comum. 
No acordo, a MP criaria uma contribuição compulsória a empregados e empregadores, associados ou não, em benefício da entidade sindical respectiva. Seria uma forma de compensar a extinção da obrigatoriedade da contribuição tradicional. A minuta do texto condiciona a nova contribuição à negociação coletiva, fixada em valor razoável na assembleia da categoria. Não traz nenhuma disposição sobre ética sindical, conduta antissindical nem combate às más práticas sindicais. Lacuna que significa um grande erro. 
Dá para imaginar que tipo de negociação poderá ser feita por alguns sindicatos, com o único intuito de obter custeio. Ou seja, certas negociações serão falaciosas ou prejudiciais aos trabalhadores, já que a preocupação principal não serão as conquistas sociais, mas sim a justificativa para cobrar a tal contribuição. A minuta do texto da MP não faz nenhuma referência às negociações prejudiciais, às que retiram direitos ou às que simplesmente dizem o óbvio. 
Outro ponto é o que se entende por valor “razoável”, que se trata de conceito indeterminado. A redação proposta não traz nenhum critério para auxiliar na objetivação ou no estabelecimento de parâmetros. Algum limite precisa ser criado, determinados norteamentos são necessários para evitar que diretorias mal intencionadas usem a autorização de forma abusiva. Poderiam ser critérios fundados nas conquistas negociadas, nos reajustes obtidos, no piso salarial majorado e no número de membros da categoria, por exemplo. 
Da maneira como a redação se encontra proposta, a intervenção do Estado (MPT e Justiça do Trabalho) se tornará mais frequente. É que o Poder Público será provocado por quem se sinta prejudicado ou insatisfeito com a cobrança, provavelmente até por incentivo de empresas, sobretudo em face das parcas conquistas oriundas da negociação. O questionamento básico será a ausência de razoabilidade na fixação do valor. À míngua de critérios legais, o MPT e o Judiciário vão acabar estabelecendo-os. E toda a discussão existente hoje sobre a taxa assistencial vai ganhar potencialidade na nova contribuição. Novamente, os justos (bons sindicalistas) pagarão pelos pecadores (maus sindicalistas).
Ou seja, ao negociar a minuta da MP, os sindicatos entregam ao Poder Público sua forma de custeio e, com ela, sua sobrevivência. Legitimam a intervenção na organização sindical. 
 
Reforma trabalhista: a primeira negociação coletiva:
Um dos pontos estruturais da reforma trabalhista é a prevalência do negociado sobre o legislado. A resistência a esta inversão do ordenamento decorre do receio sobre a qualidade das negociações coletivas, da falta de representatividade de muitas entidades sindicais e das dificuldades que o movimento sindical (laboral) vem enfrentando, mergulhado em muitos desafios. Também, preocupa a cultura do empresário brasileiro, ressalvadas as justas exceções, que resiste às negociações e tende a flexibilizar ainda mais os direitos trabalhistas. 
As negociações coletivas, no Brasil, não se dão com transparência e, muitas vezes, não são marcadas pela boafé. 
A primeira negociação coletiva, no presente momento, ocorre em plano nacional, envolvendo a classe política, os Poderes Legislativo e Executivo e o movimento sindical. Voltando ao início deste paper, temos um exemplo claro do que tendem a ser as negociações com o Poder Público. Os envolvidos travam consensos, os sindicatos cumprem a sua parte e, quando chega a vez do Poder Público, as autoridades traem o acordo. 
Num país que vive uma nítida crise política, a Câmara dos Deputados não respeita o Senado Federal nem, muito menos, o Presidente da República, que, aliás, já cumpriu sua função no cargo, como marionete a serviço dos interesses do capital, e pode, agora, ser descartado pelo poder econômico. Alguns senadores negam conhecer o acordo. E comentários correm na imprensa de que o próprio Presidente da República tenha interesse em manter o pacto.
O Senado desempenhou suas funções em regime de urgência, ratificando integralmente o texto da Reforma, proveniente da Câmara, sob a condição de que uma MP seria editada pelo Presidente da República com a finalidade de promover pequenos acertos ao texto. Hoje, um dia após a aprovação da reforma pelo Senado, no entanto, o Presidente da Câmara dos Deputados declara que a Casa Legislativa não aceitará nem aprovará o texto negociado pelas outras instâncias do Poder Público para a edição da MP. E alguns senadores se passam por desentendidos, que não lembram de acordo algum. Um desrespeito vergonhoso a princípios básicos das negociações coletivas (boa-fé, vinculação de compromissos). É má-fé, também, quando a Câmara sabe, como todo mundo sabia, das negociações travadas pelo Senado com o Presidente da República e sindicalistas e se cala, para só se manifestar quando é chegada a hora de cumprir os compromissos, negando-os. É má-fé quando autoridades afirmam compromissos e, depois, relegam pactos. E ainda dizem os doutrinadores que o Estado é não age sem ética. 
Nasce, assim, a primeira negociação coletiva no Brasil realizada na reforma trabalhista, pendente de sanção presidencial. Ou seja, há indícios de que a negociação nacional está manchada por má-fé. Novamente ludibriaram os sindicatos, que correm o risco de ficarem sem custeio e descrentes das negociações coletivas.  
Conclusão:
Como dito no início deste paper, ainda há muita luta a ser travada. A reforma trabalhista é apenas o início de novos desafios. O Brasil vai passar por uma reconstrução da jurisprudência, formulação de novas doutrinas e várias cobranças do movimento sindical. O MPT terá muito o que fazer nos próximos anos, até para auxiliar em negociações adequadas e promover o diálogo social. 
Os sindicatos não devem passar a mensagem para seus representados e para a população brasileira de que seus esforços estão concentrados unicamente no custeio sindical, mesmo em detrimento dos direitos sociais. Sem desespero, o discurso precisa ser construído de forma amadurecida, a fim de propiciar atuação mais segura. A hora é de reestruturar o sindicalismo com o que se tem e com o que ele oferece de melhor, independentemente de Medida Provisória. E quem pode promover esta preparação é, exatamente, o próprio sindicalismo, sem intervenções nem interferências do Poder Público. 
A reforma trabalhista não é o fim. É um recomeço, com todos os desafios inerentes a este fenômeno. 
Os desafios devem ser enfrentados, mesmo que as entidades sindicais recomecem mais pobres e o Poder Público nem sempre aja de boa-fé. A atuação deve ser feita mesmo sem confiança no Estado, mesmo sem crença em autoridades políticas. É reconhecer que determinadas comodidades acabaram e partir para a ação, prosseguindo no que já se fez e criando novos mecanismos de defesa dos direitos sociais. 
Fonte: Excola

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