Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso 12.879, Vladimir Herzog e outros, a respeito do Brasil.
O caso está
relacionado com a responsabilidade internacional do Estado do Brasil pela
prisão arbitrária, tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em uma
dependência do Exército em 25 de outubro de 1975 durante a ditadura militar, e
pela contínua impunidade dos fatos, em virtude de uma Lei de Anistia promulgada
durante a ditadura.
A Comissão
estabeleceu que o jornalista Vladimir Herzog foi emprisionado, torturado e
morto por agentes do Estado enquanto em custódia em uma depêndencia do
Exército. A CIDH indicou que esses atos ocorreram em um marco de graves
violações de direitos humanos ocoridas durante a ditadura, e de maneira
particular dentro de um padrão sistemático de ações repressivas contra o
Partido Comunista do Brasil (PCB), onde dezenas de militantes foram presos e
torturados; e pelo menos 12 jornalistas foram detidos por sua militância ou
suspeita de militância no PCB. A CIDH determinou que o Brasil é responsável
pelas violações dos direitos à liberdade, integridade e vida do jornalista.
Da mesma
maneira, a Comissão considerou que as ações do Estado buscaram impedir a
militância política de Vladimir Herzog, assim como seu exercício jornalístico, e
se manifestaram na forma de restrições ilegítimas de seus direitos à liberdade
de expressão e liberdade de associação com fins políticos. Ademais, as
violações tiveram um efeito dissuasor e intimidador para outros jornalistas
críticos ao regime militar e companheiros de trabalho, e também para a
coletividade de pessoas que militavam no Partido Comunista Brasileiro ou
simpatizavam com o seu ideário.
No relatório
de mérito, a Comissão recomendou determinar, na jurisdição de direito comum, a
responsabilidade criminal pela prisão arbitrária, tortura e assassinato de
Vladimir Herzog, por meio de uma investigação judicial completa e imparcial dos
fatos nos termos do devido processo legal, a fim de identificar os responsáveis
por tais violações e puni-los penalmente; e publicar os resultados dessa
investigação. A CIDH também indicou que no cumprimento da presente
recomendação, o Estado deveria considerar que tais crimes de lesa-humanidade
são inanistiáveis e imprescritíveis. Ademais, a CIDH solicitou o Estado a adotar
todas as medidas necessárias para garantir que a Lei Nº 6.683/79 (Lei de
Anistia) e outras disposições do direito penal, como a prescrição, a coisa
julgada e os princípios da irretroatividade e do non bis in idem (direito de
não ser julgado duas vezes pelo mesmo crime), não continuem representando um
obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos, a
exemplo do presente caso. Também urgiu o Estado a outorgar uma reparação aos
familiares de Vladimir Herzog, que inclua o tratamento físico e psicológico, e
a celebração de atos de importância simbólica que garantam a não repetição dos
crimes cometidos no presente caso e o reconhecimento da responsabilidade do
Estado pela prisão arbitrária, tortura e assassinato de Vladimir Herzog, e pela
dor de seus familiares. E finalmente, a Comissão solicitou ao Brasil reparar
adequadamente as violações de direitos humanos, tanto no aspecto material,
quanto moral.
A Comissão
Interamericana submeteu o caso à Jurisdição da Corte em 22 de Abril de 2016,
porque o Estado Brasileiro não cumpriu com as recomendações contidas no
Relatório de Mérito. A Comissão submeteu à jurisdição da Corte as ações e
omissões estatais ocorridas ou que continuaram a ocorrer após 10 de Dezembro de
1998, data da aceitação da competência contenciosa da Corte pelo Estado do
Brasil. Os atos que foram submetidos a Corte Interamericana incluem violações à
Convenção Americana de Direitos Humanos e à Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura, derivadas da atuação das autoridades estatais no
marco do processo aos direitos humanos relacionados com a violação à
integridade dos familiares de Vladimir Herzog como consequência da uma situação
de impunidade e negação ao acesso a justiça.
Esse caso
oferece uma oportunidade para que a Corte Interamericana amplie e consolide sua
jurisprudência sobre alcance e conteúdo das obrigações estatais em matéria de
investigação e reparação de graves violações de direitos humanos praticados por
agentes do Estado durante a ditadura militar. Em particular, a Corte
Interamericana poderá reafirmar sua jurisprudência sobre a incompatibilidade
com a Convenção Interamericana pela aplicação da Lei da Anistia, e de figuras
legais como a prescrição ou coisa em julgado nestes casos. A Corte Interamericana
poderá analizar e se pronunciar sobre os obstáculos diversos, que na prática,
tem impedido a implementação total e efetiva dos estândares interamericanos
sobre essas matérias no contexto brasileiro.
Por outro
lado, a Corte Interamericana poderá analisar os efeitos prejudiciais ao exercício do direito à liberdade de expressão no geral como consequência da
impunidade e falta de reparação adequada em casos de violência contra
jornalistas identificados em certos setores políticos no contexto determinado pelo
relatório de mérito.
A CIDH é um
órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo
mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância dos
direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A
CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia
Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de
residência.
No. 61/16
Fonte:
http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2016/061.asp
Relembre-se
que, no caso da Guerrilha do Araguaia, a CIDH definiu:
ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS
Comissão
Interamericana de Direitos Humanos
Demanda
perante a Corte Interamericana
de Direitos
Humanos
Caso 11.552
Julia Gomes
Lund e outros
(Guerrilha
do Araguaia)
Contra a
República Federativa do Brasil
[...]
32. Em 31 de outubro de 2008 a Comissão
Interamericana aprovou o Relatório de Mérito No. 91/08 de 31 de outubro de
2008. Neste concluiu
que o Estado
brasileiro deteve arbitrariamente, torturou e desapareceu os membros do PCdoB e
os camponeses listados no parágrafo 94 deste Relatório. Além disso, a CIDH
conclui[u] que, em virtude da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia), promulgada pelo
governo militar do Brasil, o Estado não levou a cabo nenhuma investigação penal
para julgar e sancionar os responsáveis por estes desaparecimentos forçados;
que os recursos judiciais de natureza civil com vistas a obter informação sobre
os fatos não foram efetivos para garantir aos familiares dos desaparecidos o
acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia; que as medidas legislativas
e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito ao
acesso à informação desses familiares; e que o desaparecimento forçado das
vítimas, a impunidade dos seus responsáveis, e a falta de acesso à justiça, à
verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos
familiares dos desaparecidos. Por outro lado, a Comissão Interamericana
decid[iu] que não [era] necessário se pronunciar sobre a suposta violação do
artigo 12 da Convenção, visto que a mesma est[ava] subsumida nas violações à
integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos. Em conseqüência, a
Comissão Interamericana conclui[u] que o Estado é responsável pelas seguintes
violações de direitos humanos:
- Artigos I, XXV e XXVI da Declaração
Americana; e Artigos 4, 5 e 7 da Convenção Americana, em conexão com o Artigo
1.1 do mesmo instrumento em detrimento das vítimas desaparecidas;
- Artigo XVII da Declaração Americana e
Artigo 3 da Convenção Americana, em detrimento das vítimas desaparecidas, em
relação com o Artigo 1.1 da Convenção;
- Artigos I da Declaração Americana e
Artigo 5 da Convenção Americana, em conexão com o Artigo 1.1 do mesmo
instrumento, em detrimento dos familiares dos desaparecidos;
- Artigo 13 da Convenção Americana, em
conexão com o Artigo 2 do mesmo instrumento internacional, em detrimento dos
familiares dos desaparecidos;
- Artigo XVIII da Declaração Americana, e
Artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação com os Artigos 1.1 e 2 do
mesmo Tratado, em detrimento das vítimas desaparecidas e seus familiares, em
virtude da aplicação da lei de anistia a estes desaparecimentos forçados; e
- Artigo XVIII da Declaração Americana, e
Artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação com o Artigo 1.1 do mesmo
Tratado, em detrimento das vítimas desaparecidas e seus familiares, em virtude
da ineficácia das ações judiciais não-penais interpostas no marco do presente
caso.
33. Além disso, no seu Relatório de Mérito, a
CIDH recomendou ao Estado
1. Adotar todas as medidas que sejam necessárias,
a fim de garantir que a Lei Nº 6.683/79 (Lei de Anistia) não continue
representando um obstáculo para a persecução penal de graves violações de
direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade;
2. Determinar, através da jurisdição de direito
comum, a responsabilidade penal pelos desaparecimentos forçados das vítimas da
Guerrilha do Araguaia, mediante uma investigação judicial completa e imparcial
dos fatos com observância ao devido processo legal, a fim de identificar os
responsáveis por tais violações e sancioná-los penalmente; e publicar os
resultados dessa investigação. No cumprimento desta recomendação, o Estado
deverá levar em conta que tais crimes contra a humanidade são insuscetíveis de
anistia e imprescritíveis;
3. Realizar todas as ações e modificações
legais necessárias a fim de sistematizar e publicar todos os documentos
relacionados com as operações militares contra a Guerrilha do Araguaia;
4. Fortalecer, com recursos financeiros e
logísticos, os esforços já empreendidos na busca e sepultura das vítimas
desaparecidas cujos restos mortais ainda não hajam sido encontrados e/ou
identificados;
5. Outorgar uma reparação aos familiares das
vítimas, que inclua o tratamento físico e psicológico, assim como a celebração
de atos de importância simbólica que garantam a não repetição dos delitos
cometidos no presente caso e o reconhecimento da responsabilidade do Estado
pelo desaparecimento das vítimas e o sofrimento de seus familiares;
6. Implementar, dentro de um prazo razoável,
programas de educação em direitos humanos permanentes dentro das Forças Armadas
brasileiras, em todos os níveis hierárquicos, e incluir especial menção no
currículo de tais programas de treinamento ao presente caso e aos instrumentos
internacionais de direitos humanos, especificamente os relacionados com o
desaparecimento forçado de pessoas e a tortura; e
7. Tipificar no seu ordenamento interno o
crime de desaparecimento forçado, conforme os elementos constitutivos do mesmo
estabelecidos nos instrumentos internacionais respectivos.
[...]
B. Prova testemunhal
261. A Comissão solicita à Corte que receba a
declaração das seguintes testemunhas:
• Victória Lavinia Grabois Olímpio,
familiar de vítimas desaparecidas, quem oferecerá testemunho sobre o impacto em
sua vida e de sua família pelo desaparecimento no Araguaia de Maurício Grabois
(pai); André Grabois (irmão) e Gilberto Olímpio (esposo e pai do seu
filho). Declarará também sobre os
esforços para obter verdade e justiça e os obstáculos enfrentados; entre outros
aspectos relativos ao objeto e fim da presente demanda.
• Laura Petit da Silva, familiar de
vítimas desaparecidas e da pessoa executada, declarará sobre a identificação de
sua irmã Maria Lucia Petit da Silva assim como sobre o impacto em sua vida e de
sua família pela execução de sua irmã e o desaparecimento dos seus irmão Lúcio
e Jaime; assim como os esforços para obter verdade e justiça e os obstáculos
enfrentados; entre outros aspectos relativos ao objeto e fim da presente
demanda.
• Diva Soares Santana, familiar de vítimas
desaparecidas e representante dos familiares na CEMDP, quem oferecerá
testemunho sobre os esforços dos familiares dos desaparecidos para obter
justiça, verdade e reparação, assim como para conhecer o paradeiro dos
desaparecidos, entre eles sua irmã Dinaelza Santana Coqueiro e seu cunhado
Vandick Reidner Pereira Coqueiro; assim como o impacto sofrido por ela e sua
família diante dos fatos do caso; entre outros aspectos relativos ao objeto e
fim da presente demanda.
[...]
X. PETITÓRIO
258. Com fundamento nos argumentos de fato e de
direito expostos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicita à
Corte que conclua e declare que a República Federativa do Brasil é responsável
por:
a. violação dos direitos à personalidade
jurídica, vida, integridade pessoal e liberdade pessoal (artigos 3, 4, 5 e 7),
em conexão com o artigo 1.1, todos da Convenção Americana, em detrimento das 70
vítimas desaparecidas;
b. violação dos direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25), em relação com os artigos
1.1 e 2, todos da Convenção, em detrimento das vítimas desaparecidas e seus
familiares, assim como da pessoa executada e seus familiares, em virtude da
aplicação da lei de anistia à investigação sobre os fatos;
c. violação dos direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25), em relação com o artigo
1.1, todos da Convenção, em detrimento das vítimas desaparecidas e seus
familiares, assim como da pessoa executada e seus familiares, em virtude da ineficácia
das ações judiciais não penais interpostas no marco do presente caso;
d. violação do direito à liberdade de
pensamento e expressão (artigo 13), em relação com o artigo 1.1., ambos da
Convenção, em prejuízo dos familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa
executada, em razão da falta de acesso à informação sobre o ocorrido; e
e. violação do direito à integridade pessoal
(artigo 5), em conexão com o artigo 1.1, ambos da Convenção, em detrimento dos
familiares dos desaparecidos e da pessoa executada, pela violação e sofrimento
gerados pela impunidade dos responsáveis, assim como pela falta de acesso à
justiça, à verdade e à informação.
259. Como consequência do anterior, a Comissão
Interamericana solicita à Corte que ordene ao Estado:
a. Adotar todas as medidas que sejam
necessárias, a fim de garantir que a Lei Nº 6.683/79 (Lei de Anistia) não
continue representando um obstáculo para a persecução penal de graves violações
de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade;
b. Determinar, através da jurisdição de
direito comum, a responsabilidade penal pelos desaparecimentos forçados das
vítimas da Guerrilha do Araguaia e a execução de Maria Lúcia Petit da Silva,
mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos com observância
ao devido processo legal, a fim de identificar os responsáveis por tais
violações e sancioná-los penalmente; e publicar os resultados dessa
investigação. No cumprimento desta recomendação, o Estado deverá levar em conta
que tais crimes contra a humanidade são insuscetíveis de anistia e
imprescritíveis;
c. Realizar todas as ações e modificações
legais necessárias a fim de sistematizar e publicar todos os documentos
relacionados com as operações militares contra a Guerrilha do Araguaia;
d. Fortalecer com recursos financeiros e
logísticos os esforços já empreendidos na busca e sepultura das vítimas
desaparecidas cujos restos mortais ainda não hajam sido encontrados e/ou
identificados;
e. Outorgar uma reparação aos familiares das
vítimas desaparecidas e da pessoa executada, que inclua o tratamento físico e
psicológico, assim como a celebração de atos de importância simbólica que
garantam a não repetição dos delitos cometidos no presente caso e o
reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo desaparecimento das vítimas e
o sofrimento de seus familiares;
f. Implementar, dentro de um prazo razoável,
programas de educação em direitos humanos permanentes dentro das Forças Armadas
brasileiras, em todos os níveis hierárquicos, e incluir especial menção no
currículo de tais programas de treinamento ao presente caso e aos instrumentos
internacionais de direitos humanos, especificamente os relacionados com o
desaparecimento forçado de pessoas e a tortura; e
g. Tipificar no seu ordenamento interno o
crime de desaparecimento forçado, conforme os elementos constitutivos do mesmo
estabelecidos nos instrumentos internacionais respectivos.
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