O juiz do
Trabalho da 10ª Região e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, participou de
um seminário sobre terceirização realizado na Escola Judicial do TRT da 4°
Região.
Grijalbo
Coutinho é juiz e ex-presidente da Anamatra
“A terceirização tem dois propósitos muito
evidentes: o econômico e o político. Sua razão econômica é permitir aos patrões a diminuição de custos com a
exploração da mão de obra. Vários argumentos são usados no sentido de que
se trata de especialização, de
racionalização, mas tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho político. Nesse ponto o objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los,
especialmente em suas representações sindicais”, disse ele em entrevista em
que fala sobre a terceirização e o Projeto de Lei 4.330/04.
O projeto,
em princípio, está pautado para votação, em turno único, no plenário da Câmara
dos Deputados para a próxima terça-feira (7).
As
negociações em torno do texto do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA)
estão acontecendo, mas no fundamental os empresários não abrem mão, que é a
expansão da modalidade de contratação para o setor fim da empresa.
Confira a
íntegra a entrevista concedida à Secretaria de Comunicação do TRT4:
Quais são os
impactos da terceirização para o trabalhador?
Na minha
compreensão, os impactos são todos negativos para o trabalhador. Não há sequer
uma vantagem. A terceirização surge com
maior intensidade a partir dos anos 70 e ganha corpo definitivamente no Brasil
na década de 90. Hoje é uma verdadeira febre.
A
terceirização tem dois propósitos muito evidentes: o econômico e o político.
Sua razão econômica é permitir aos
patrões a diminuição de custos com a exploração da mão de obra. Vários
argumentos são usados no sentido de que se trata de especialização, de
racionalização, mas tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho
político. Nesse ponto o objetivo é dividir
os trabalhadores, fragmentá-los, especialmente em suas representações
sindicais.
A ideia de que a terceirização cria novos postos
de trabalho é inverídica. Os postos de trabalho
são uma necessidade de determinado setor. Ou você utiliza a mão de obra
contratada diretamente pelo tomador de serviços ou o faz por meio da
terceirização.
O senhor
menciona um crescimento da terceirização no Brasil nos anos 90. Por que isso
ocorreu?
Esta foi uma
tendência mundial. O capital se reestruturou a partir dos anos 70. Houve uma
crise econômica evidente, a crise do petróleo, do capitalismo norte-americano.
E o capitalismo foi bastante hábil para se reinventar, para continuar com
aquela máxima de gerar lucro e criar riquezas materiais. Um das formas de fazer
isso é justamente diminuir o poder do trabalho e de todas as suas organizações.
Nada foi por acaso.
Assim como
se verifica, a partir dos anos 90, um processo intenso de privatização e de
esvaziamento do Estado, por outro lado há um duro golpe contra o trabalho.
Houve a reestruturação dos modos de produção, com utilização intensa dos
recursos da robótica e da microeletrônica, e a fragmentação da cadeia
produtiva. Essa fragmentação ocorre tanto na terceirização interna quando na
externa.
A
terceirização externa é observada principalmente nas grandes empresas
automotivas, onde a fragmentação é total. As peças de um carro são fabricadas
em diferentes regiões e países, sempre com o intuito de se conseguir o menor
custo. Na terceirização interna, contrata-se um empregado e arranja-se uma
pessoa para figurar como intermediário de mão de obra. As duas formas são
terríveis para o trabalhador. A diferença é que na interna a fraude é
escancarada, e na externa é menos perceptível.
Em qualquer
caso, o senhor considera a terceirização uma precarização da relação de
trabalho?
A terceirização é talvez a forma mais selvagem de
precarização.
Ela é mais selvagem do que o “negociado
sobre o legislado”, porque esconde o verdadeiro empregador, o verdadeiro
beneficiado com a mão de obra. Acho que os capitalistas não imaginavam, no
fim do século 19 e início do século 20, que arranjariam um artifício tão bem
construído para enganar os trabalhadores.
Hoje o mundo
jurídico do trabalho apresenta algumas soluções intermediárias, como se
pretendesse remediar os efeitos, tapar alguns buracos. Mas isso na verdade
acaba abrindo as portas para o fenômeno.
A súmula 331
do TST, de 1993, é o exemplo de uma solução intermediária. Ela admite a
terceirização naquilo que é atividade meio e proíbe a atividade fim. A partir
desse parâmetro os diversos operadores de direito têm se guiado. Eu reconheço a
vontade política do TST de pôr um freio no problema. Mas ao mesmo tempo,
abriu-se a porta larga para terceirização. E hoje o capital se acha tão forte
que súmula já não resolve seu problema. Parte considerável do capital
estabelecido no Brasil, nacional e estrangeiro, quer mais. Quer a possibilidade
de se terceirizar em qualquer atividade, meio ou fim, e sem quaisquer limites.
É definitivamente uma era da precarização absoluta. O que o PL 4.330/04 pretende
é ampliar os níveis de precarização e de miséria social.
O PL
4.330/04 é um retrocesso com relação à sumula 331?
Sem dúvida. Tenho objeção total à súmula 331, mas o PL
4.330/04 é um tapa na cara dos trabalhadores brasileiros e de suas organizações
sindicais. É o escárnio. Se não é o fim do Direito do Trabalho, é o mais duro
golpe que se pode proferir contra ele, na sua historia centenária. Nada mais
grave foi praticado contra as relações de trabalho institucionalizadas desde o
fim da escravidão.
Por esse
projeto, o Direito do Trabalho vai atuar de forma superficial sobre relações
precarizadas, flexibilizadas, irrelevantes. Os empregadores vão se sentir à
vontade para aumentar sua margem de lucro e fugir da responsabilidade que é
inerente à relação entre capital e trabalho: a tensão social. Eles transferem
essa tensão, de forma muito diluída, a um terceiro que não reúne condições
econômicas, financeiras ou políticas de suportar qualquer pressão.
A súmula
331, para o senhor, já era um retrocesso com relação ao enunciado 256?
Sim. A súmula 331 é de um momento em que o
trabalho começou a se fragilizar, e a terceirização a ganhar força. Alguns
entendiam que era uma realidade inevitável. Não era mais aquele quadro dos anos
80. O TST, tentando se aproximar de uma dura realidade, alterou sua
jurisprudência. Percebendo a correlação de forças entre capital e trabalho e
vendo aquele fenômeno se alargar cada vez mais tentou por um freio. E, como
disse, esse freio acabou abrindo um pouco mais a janela da terceirização.
Mas esse
projeto que aí está, o PL 4.330/04, é algo sem precedentes. A súmula 331,
frente ao PL 4.330/04, vira uma referência de proteção. Quando na verdade não
é.
Qual é o
ponto mais grave do PL 4.330/04?
É a abertura
larga, sem freios e sem limites, da terceirização. É a terceirização em
qualquer segmento, em qualquer atividade e sem nenhum limite quantitativo. Há
outros aspectos graves, mas esse que permite terceirizar em tudo, em qualquer
segmento ou atividade econômica é o central. É o mais nocivo do projeto.
É possível
fazer uma distinção clara entre atividade meio e atividade fim?
Não, não é
fácil. Embora a súmula 331 faça a distinção, ela não conceitua o que é
atividade fim e o que é atividade meio. Mas a Justiça do Trabalho tem atuado,
majoritariamente, com critérios e uma certa rigidez que não permite uma
terceirização tão ampla como esta que se propõe.
Não tenho
dúvidas de que esse projeto, que tramita no congresso nacional há quase dez
anos, ganhou força nos últimos tempos porque setores do capital já não toleram
mais a sumula 331, querem mais do que isso. Se sentem incomodados com as
interpretações proferidas por juízes e tribunais acerca dos limites da
terceirização. O projeto foi retirado da gaveta em um movimento intenso do
capital e do seu lobby.
Alguns
defensores da PL 4.330/04 afirmam que ele é necessário em face da realidade
brasileira, onde a terceirização é cada vez maior. Qual a sua opinião sobre
isso?
O fato de
ter aumentado o número de terceirizados não significa que tenhamos que ter uma
legislação para isso. O PL 4.330/04 acaba por legitimar esse quadro. Eu acho
que existem repostas políticas e jurídicas para resolver o problema. Esse
projeto agrava a situação. Falsamente se diz que o projeto vai resolver o
problema de 16, 20 milhões de terceirizados. É falso. Vai agravar a situação.
Vai reduzir o salário desses 20 milhões e colocar mais 40 ou 50 milhões nesse
mesmo quadro. Não vai resolver absolutamente nada, o projeto é uma falácia. É
muito bom para o setor empresarial que faz uso da terceirização. Não tenha
dúvida. É espetacular para todos que querem reduzir os seus custos e sua
responsabilidade social.
Qual seria a
reposta adequada do Judiciário para a terceirização?
O Judiciário
tem que refletir. Eu sei que ele é composto de homens e mulheres das mais
variadas tendências ideológicas, é natural que assim o seja. E com essas
diversas tendências a Justiça do Trabalho tem dado respostas. De algum modo tem
impedido a consumação de uma terceirização sem limites. Já é alguma coisa.
Na minha
compreensão, deveríamos ir além. Deveríamos avançar no sentido de vedar a
terceirização. Nesse ponto sou voz minoritária. Mas acho que, na medida do
possível, a Justiça do Trabalho tem atuado de forma eficaz para evitar a
propagação desse fenômeno econômico absurdamente terrível para a democracia no
país.
Fonte: TRT4
Fonte: http://www.m.vermelho.org.br/noticia/261664-1
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