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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O STF PRECISA DE MINISTROS MAIS COMPROMISSADOS COM A CAUSA SOCIAL

FRANCISCO GÉRSON MARQUES DE LIMA
Doutor, Professor da UFC, Procurador Regional do Trabalho (PRT-7ª Região), Tutor do GRUPE (Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista), membro fundador da Academia Cearense de Direito do Trabalho
A ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, acaba se aposentar (DOU 08/08/2011). Com isto, aberta a vaga para um dos 11 maiores magistrados do país, inicia-se a corrida de candidatos à Corte, entre ministros de tribunais, desembargadores, advogados públicos e privados, membros do Ministério Público, acadêmicos, políticos etc.

Em 2008, quando o cenário era idêntico, escrevi um texto, que circulou na imprensa, em revistas especializadas e em vários sites, defendendo a hora e a vez de o então Presidente Lula, de origem e supostas concepções trabalhistas, nomear para a Corte um Ministro trabalhista, ante a ausência de membro com este perfil no STF. A ABRAT-Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas encampou a idéia. Mas não surtiu efeito: foi nomeado o Min. José Antonio Dias Toffoli, proveniente da AGU, assim como o fora anteriormente o Min. Gilmar Mendes. Quase todos os Ministros atuais do STF foram nomeados por Lula, mas nenhum de tendência ou formação trabalhista ou social. E isto traz conseqüências socialmente indesejáveis.
A composição do STF não tem sido favorável aos valores sociais do trabalho nem à fixação das competências constitucionais da Justiça do Trabalho (ADI 3395-6/DF). Têm provado isso suas decisões sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade, que se encontra confiada às negociações coletivas (Súm. Vinculante 4); a proporcionalidade do salário mínimo e os penduricalhos que devam ser considerados para que se chegue ao total de salário mínimo (Súm. Vinculante 16); a possibilidade de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial (Súm. Vinculante 6); a interpretação contra legem sobre a EC 45/2004, sobretudo quanto aos servidores da Administração Pública e o julgamento de suas greves; a redução do que se deva entender por “relação de trabalho”, expressão propositalmente cunhada no art. 114, CF, pela EC 45/2004, em substituição à restrita “relação de emprego”; a compreensão pouco social sobre as responsabilidades do tomador de serviço na terceirização (ADC 16, j. 24/11/2010); a restrição ao direito de greve dos servidores públicos (MI’s 712-8/PA, 708 e 670), , inclusive impossibilidade de greves de policiais federais, civis e carreiras de Estado (Rcl 6568, em 21/05/2009); a desnecessidade de diploma para os jornalistas (RE 511961, j. 17/06/2009); a vedação da Justiça do Trabalho para executar as contribuições do INSS nas sentenças meramente declaratórias (RE 569056, j. 11/09/2008); a consideração de que as matérias trabalhistas são infraconstitucionais (apesar de inscritas na Constituição) e que, por isso, não devem subir ao STF (AI-AgR 664781/GO; AI 628526/SP, DJ 22/02/2007, p. 65;  AI 539736/SP, DJ 17/05/2005, p. 104; AI 513032/ES, DJ 30/09/2004, p. 68; AI 442853/ES, DJ 27/08/2004, p. 99; AI 485792/SP, DJ 03/02/2004, p. 75; AI 477227/SP, DJ 12/12/2003, p. 126; AI 442898/SP, DJ 12/08/2003, p. 45; AI 362751/MG, DJ 04/08/2003, p. 35; AI 437023/SE, DJ 25/04/2003, p. 105; AI 373788/BA, DJ 25/03/2002, p. 40; AI 245360 / PB, DJ 25/03/2002, p. 12; AI-AgR 506977/BA, 2ª T., DJ 10/11/2006, p. 62; AC 340 / RJ, DJ 02/08/2004, p. 55; RE 252229/BA, DJ 27/08/2001, p. 49; RE 170802/RJ, 2ª T., DJ 19/12/1996, p. 51791; AI-AgR 145244 / RJ, 2ª T., DJ 17/02/1994, p. 2750; AI-AgR 146603/PR, 1ª T., DJ 21/05/1993, p. 09769), salvo excepcionalmente (e isto acontece para reduzir competências ou quando se tem em lide interesses de grandes grupos econômicos); as constantes suspensões ou encerramentos de ações trabalhistas pela via da Reclamação Constitucional, inclusive liminarmente, interferindo na competência constitucional da Justiça do Trabalho, aliás, uma intervenção direta do STF no primeiro grau de jurisdição, sem nenhuma análise profícua dos fatos articulados pelos Reclamantes (Rcl 5656-RJ; Rcl 4.074-MC/GO; Rcl 4.104-MC/GO; Rcl 4.296-MC/TO; Rcl 4.466-MC/GO; Rcl 4.886-MC/GO; Rcl 4.912-MC/GO; Rcl 4.989-MC/GO; Rcl 4.990-MC/PB; Rcl 5.254-MC/PA; Rcl 5.398-MC/GO); a demora em julgar a Convenção nº 158-OIT, até que ela fosse denunciada (ADIn-1.480-3, promovida pela CTN-Confederação Nacional do Transporte), e o não julgamento da ADI que questiona a denúncia da mesma Convenção (ADI 1625-DF, ajuizada pela CONTAG-Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, em 17/06/1997); o não asseguramento do direito ou a demora em julgar ações sobre direitos sociais constitucionais, como o aviso prévio proporcional (ADI 695/2007, 278/MG), a inconstitucionalidade do “comum acordo” para os dissídios coletivos (ADI 3392-1, protoc. 20/01/2005; ADI 3431, protoc. 10/03/2005; todos pendentes de decisão), o enfraquecimento da Justiça para fazer cumprir os precatórios judiciais (ADI 1662-8-DF, j. 11.09.97) etc.

E várias outras questões se encontram por vir: prescrição do FGTS, proporcionalidade do aviso prévio, questões sindicais, greves de âmbito nacional, conflitos inerentes a recursos do PAC, direitos constitucionais dos trabalhadores (representação por empresa, direitos dos domésticos, alcance das Convenções da OIT, garantia de emprego, pejutização e precarização, trabalhos na COPA, novas formas de trabalho, serviços parassubordinados etc.). É de altíssima relevância, por exemplo, saber sopesar as dificuldades do micro-empresário com os trabalhadores intelectuais de que eventualmente se utilizem, ambos titulares de princípios protetivos, para manutenção da economia e da dignidade humana.
Estes e vários outros casos foram expostos e analisados, um a um, sob a ótica social, na obra O STF na Crise Institucional Brasileira: estudos de casos – abordagem interdisciplinar de sociologia constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, de autoria deste articulista.
Melhor dizendo: sob o ponto de vista social e das Instituições sociais, o STF vem descumprindo a Constituição e desfazendo os atos do constituinte, o que é ofensivo ao Estado Democrático de Direito. Suas decisões chegam à sociedade de uma forma nem sempre como a técnica de interpretação jurídica do Texto espera. Elas podem chegar truncadas, perniciosas, elitistas, mantenedoras de misérias sociais... A sociedade tem avançado. Para acompanhá-la, é preciso que os Tribunais, a começar pela sua mais alta Corte, tenha magistrados progressistas, com um olho no Direito e outro na sociedade, um conhecimento jurídico profundo e uma sensibilidade social admirável.
Defende-se que a Corte Constitucional deva ser a mais eclética possível, com integrantes de vários setores do Judiciário e atuação em vários ramos do Direito. No entanto, historicamente sua composição tem se caracterizado por conferir-lhe perfil dogmático, sem muita vigília pelas questões essencialmente sociais nem, muito menos, trabalhistas. Isto justifica a interpretação que a Corte conferiu ao chancelar a emenda da previdência social (EC 41/2003), ao direito adquirido (inclusive nos planos econômicos), à composição de elementos que somam para a definição de salário mínimo, a maior rigidez em aceitar recursos judiciais interpostos na Justiça do Trabalho, o pronto acatamento liminar de ADIs limitadoras de notória competência da Justiça do Trabalho, a demora quando as ADIs visam a proteger interesses sociais do trabalho, o acolhimento da enxurrada de Reclamações Constitucionais sobre competência da Justiça do Trabalho no plano da Administração Pública etc. E a maioria destas decisões, ora citadas, já foram tomadas na atual composição do STF, que conta com número considerável de integrantes nomeados pelo Governo Lula.
Um paradoxo, sem dúvida. Um Governo social que nunca nomeou para a Corte profissionais da área trabalhista. Ora, quando se tem um projeto trabalhista, social, é preciso que se ponha na mais alta Corte autoridades que se engajem na perspectiva social da nação: é a necessária formação e sustentação jurisprudencial. Faltou visão àquele Presidente; sem nenhuma atribuição de má-fé.
Não se compreende que um Presidente da República proveniente das lutas “trabalhistas”, um dos maiores líderes sindicais da história brasileira, preocupado com a perspectiva social (e isto, necessariamente, passa pela interpretação social do Direito), com poderes de indicação e nomeação de ministros, não tenha posto na mais alta Corte do país, aquela que definirá o direito em última instância, a que dará interpretação constitucional erga omnes, nenhum integrante oriundo da militância trabalhista. O Presidente da República tem condições de conferir perfil à Corte, mediante a nomeação de membros que possuam determinada concepção. Atualmente, há ministros oriundos do STJ, de Tribunais de Justiça, do Ministério Público Federal, da militância com o Direito Penal, o Administrativo, o Direito Civil, o Direito Constitucional, Fiscal, mas nenhum com talhe trabalhista ou social. Faz-se ressalva à nomeação feita pelo Presidente Collor de Mello ao Min. Marco Aurélio de Mello, um dos mais destacados integrantes da Corte, proveniente do TST; mas que, sozinho, não consegue implantar perspectiva social nem vanguardista à jurisprudência do Tribunal, por ser eterno voto vencido, mesmo após a aquisição tribunalícia do Min. Ayres de Britto. E, assim, no geral, ao longo dos anos, o STF tem se mostrado conservador, com pouco empenho social, apático às questões sociais e limitador das competências constitucionais da Justiça do Trabalho. Nas décadas de 1930 e 1940, quando haviam no STF integrantes de concepção social, um difícil período para a afirmação dos recentes direitos sociais, foi a época em que as conquistas trabalhistas e sociais mais se destacaram, na sustentação jurisprudencial do chamado Direito Social.
Importa, no mínimo, que o STF tenha formação plural, enriquecendo seus debates com a perspectiva das várias concepções. A democracia há de ser a essência da formação da Corte Suprema, o que passa pela dialética de sua composição e de seus debates. E que valorize, efetivamente, a Ordem Social da sociedade brasileira, cuja essência se encontra no art. 193: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Uma Corte que prega a essencialidade dos direitos fundamentais, não pode fugir do debate assegurador dos direitos sociais. Sendo o trabalho humano a mola propulsora da economia, é preciso que o mais elevado Tribunal do país compreenda as forças produtivas em todas as suas dimensões. Neste sentido, a Corte nacional se apresenta lacunosa, pois falta alguém lá para apresentar as condições em que o trabalho brasileiro é desenvolvido e a riqueza tuitiva da legislação social.
Mas, voltemos ao presente. Surgiu uma nova vaga no STF, que será preenchida por indicação da Presidenta Dilma Rousseff e aprovação do Senado Federal. A nova Presidenta possui vários projetos sociais, cujas discussões judiciais irão desaguar no STF. Quem estará lá para compreender toda a dimensão, o alcance e a sua relevância? Quem terá a desenvoltura para utilizar a eqüidade e ponderar com seus pares a interpretação social da norma?
É hora de as entidades trabalhistas solicitarem às instâncias próprias o resgate da dívida social-institucional representada pela ausência de membro trabalhista no STF. Isto exige estratégias, organização, união, superação de discrepâncias. A Justiça do Trabalho está moribunda em suas competências e os direitos sociais se encontram incompreendidos pela Corte. É preciso que a ANAMATRA, o COLEPRECOR, a ANPT, a ABRAT, as Centrais Sindicais e outras organizações de classe se unam e busquem indicar um nome trabalhista para o STF, apresentando-o ao Ministro da Justiça, à Casa Civil, ao Senado e, principalmente, à Presidenta Dilma Rousseff. Que se faça peregrinação às bancadas apropriadas do Congresso Nacional, que se sensibilizem os próprios membros do STF, as Universidades etc. Não basta indicar um nome qualquer. Mas alguém com suporte moral, intelectual e, o principal, de tendência realmente social. Se não for assim, é melhor deixar que o rio prossiga em seu curso, porque a reivindicação pode se transformar em motivo de anti-trabalhismo legitimado. Estrategicamente, creio que as entidades devam trabalhar com um ou dois nomes de envergadura, conquanto consensualizados, para dar maior margem de escolha pelo Poder Público.
Esta ação social não tem nada de fisiologismo, mas, sim, de democratizar a formação eclética da máxima Corte judicial do país, possibilitando o enriquecimento de seus debates e tornando mais seguras suas decisões. A Nação precisa disso.
Acreditemos na sensibilidade da nova Presidenta, no poder de organização e na importância que as instituições e entidades dêem aos direitos sociais.


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