Entrevistas à mídia televisiva - Clovis Renato |
Em decisão
proferida no dia 16 de abril de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF - ADIN nº
1.923/DF) manifestou-se favorável que Organizações Sociais (pessoas jurídicas
de direito privado, sem fins lucrativos, direcionadas ao exercício de
atividades referentes a ensino, pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde)
realizassem convênios com o Poder Público para prestação de serviços de saúde e
demais enquadrados como direitos sociais:
Tereza Neuma no dia da audiência com o reitor da UFC |
Convênio do poder
público com organizações sociais deve seguir critérios objetivos
Na sessão
plenária desta quinta-feira (16), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela
validade da prestação de serviços públicos não exclusivos por organizações
sociais em parceria com o poder público. Contudo, a celebração de convênio com
tais entidades deve ser conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com
observância dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública
(caput do artigo 37).
Por votação
majoritária, a Corte julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 1923, dando interpretação conforme a Constituição às normas que dispensam
licitação em celebração de contratos de gestão firmados entre o Poder Público e
as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino,
pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao
meio ambiente, cultura e saúde. Na ação, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o
Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionavam a Lei 9.637/1998, e o inciso
XXIV do artigo 24 da Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações).
Voto condutor
O voto condutor
do julgamento, proferido pelo ministro Luiz Fux, foi no sentido de afastar
qualquer interpretação que restrinja o controle da aplicação de verbas públicas
pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. Ele também salientou que
tanto a contratação com terceiros como a seleção de pessoal pelas organizações
sociais devem ser conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, e nos
termos do regulamento próprio a se editado por cada identidade.
Em maio de 2011,
quando proferiu o voto, o ministro Luiz Fux ressaltou que o poder público e a
iniciativa privada podem exercer essas atividades simultaneamente porque ambos
são titulares desse direito, “nos precisos termos da Constituição Federal”. “Ao
contrário do que ocorre com os serviços públicos privativos, o particular pode
exercer tais atividades independentemernte de qualquer ato negocial de
delegação pelo poder público de que seriam exemplos os instrumentos da
concessão e da permissão mencionados no artigo 175, caput, da Constituição
Federal”, disse.
Hoje (16), o
ministro relembrou seu voto e afirmou que a atuação das entidades não afronta a
Constituição Federal. Para ele, a contratação direta, com dispensa de
licitação, deve observar critérios objetivos e impessoais de forma a permitir o
acesso a todos os interessados. A figura do contrato de gestão, segundo
explicou, configura hipótese de convênio por conjugar esforços visando a um
objetivo comum aos interessados, e, por isso, se encontram fora do âmbito de
incidência do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que prevê a
realização de licitação
Maioria
O voto do
ministro Luiz Fux foi acompanhado pela maioria. O ministro Teori Zavascki
lembrou o julgamento do RE 789874, quando o STF reforçou o entendimento de que
os serviços sociais autônomos possuem natureza jurídica de direito privado e
não estão sujeitos à regra do artigo 37, inciso II, da Constituição. “As
entidades sociais e as do Sistema S são financiados de alguma forma por
recursos públicos”, disse ao ressaltar que, quando há dinheiro público
envolvido, deve haver necessariamente uma prestação de contas.
A ministra Cármen
Lúcia considerou que o particular pode prestar os serviços em questão, porém
com a observação dos princípios e regras da Administração Pública, para que
haja “ganho ao usuário do serviço público”. No mesmo sentido, o ministro Gilmar
Mendes salientou a ideia de controle por tribunal de contas e de fiscalização
pelo Ministério Público, tendo em vista que os recursos continuam sendo
públicos. “Deve-se buscar um novo modelo de administração que possa se revelar
mais eficiente do que o tradicional, mas sob os controles do Estado”, avaliou.
O ministro Celso
de Mello observou a ineficácia do perfil burocrático da administração pública e
a necessidade de redefinição do papel estatal, “em ordem a viabilizar de
políticas públicas em áreas em que se mostra ausente o próprio Estado”. O
presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, salientou que tais
organizações podem colaborar com flexibilidade e agilidade na prestação de
serviço público, mas estão submetidas aos princípios constitucionais. “Em uma
República, qualquer empresa, pública ou privada, e qualquer indivíduo deve
prestar contas. A solução dada para o caso é a mais adequada: permitir que
essas instituições subsistam”, ressaltou.
Vencidos
O relator da ADI,
ministro Ayres Britto (aposentado), ficou parcialmente vencido. Os ministros
Marco Aurélio e Rosa Weber julgavam procedente o pedido em maior extensão.
Íntegra do voto
do ministro Luiz Fux.
EC/FB
Fonte:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289678
A ação foi
proposta em 1998 pelo Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido Democrático
Trabalhista – PDT. Tais partidos ajuizaram a ADIN postulando a declaração de
inconstitucionalidade, na íntegra, da Lei nº 9.637/98, que “dispõe sobre a qualificação
de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de
Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de
suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências”. Formulam,
ainda, pedido de declaração de inconstitucionalidade da redação do art. 24,
XXIV, da Lei nº 8.666/93, conferida pela Lei nº 9.648/98, prevendo a dispensa
de licitação “para a celebração de contratos de prestação de serviços com as
organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de
governo, para atividades contempladas no contrato de gestão”.
Reuniões no Pátio da Mangueiras no Complexo Hospitalar da UFC - MDTS |
Alegaram os autores,
em síntese, que o regime jurídico das Organizações Sociais, instituído pelos
diplomas impugnados, ao transferir responsabilidades do Poder Público para o
setor privado feriria a Constituição.
Panfletagem do MDTS no São João do SINTUFCE - Rosângela Saldanha e advogado Thiago Pinheiro |
Contudo, o
STF denegou a essência peticionada na ADIN nº 1.923/DF, que era contrária às prestações
de serviços públicos em parceria com Organizações Sociais. Do voto do Ministro
Luiz Fux, seguido pela maioria dos onze ministros do STF, decidiu-se sobre a
constitucionalidade do tipo de serviço prestado por instituições sem fins
lucrativos como a SAMEAC junto à saúde, verbis:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATATIVO. TERCEIRO SETOR. MARCO
LEGAL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. LEI Nº 9.637/98 E NOVA REDAÇÃO, CONFERIDA
PELA LEI Nº 9.648/98, AO ART. 24, XXIV, DA LEI Nº 8.666/93. MOLDURA CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO
ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E SOCIAL. SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS. SAÚDE (ART.
199, CAPUT), EDUCAÇÃO (ART. 209, CAPUT), CULTURA (ART. 215), DESPORTO E
LAZER (ART. 217), CIÊNCIA E TECNOLOGIA (ART. 218) E MEIO AMBIENTE (ART. 225). ATIVIDADES CUJA TITULARIDADE É
COMPARTILHADA ENTRE O PODER PÚBLICO E A SOCIEDADE. DISCIPLINA DE INSTRUMENTO DE
COLABORAÇÃO PÚBLICOPRIVADA. INTERVENÇÃO INDIRETA. ATIVIDADE DE FOMENTO PÚBLICO.
INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AOS DEVERES ESTATAIS DE AGIR. MARGEM DE CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE
ATRIBUÍDA AOS AGENTES POLÍTICOS DEMOCRATICAMENTE ELEITOS. PRINCÍPIOS DA
CONSENSUALIDADE E DA PARTICIPAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 175, CAPUT,
DA CONSTITUIÇÃO. EXTINÇÃO PONTUAL DE ENTIDADES PÚBLICAS QUE APENAS
CONCRETIZA O NOVO MODELO. INDIFERENÇA DO FATOR TEMPORAL. INEXISTÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO DEVER CONSTITUCIONAL DE LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). PROCEDIMENTO
DE QUALIFICAÇÃO QUE CONFIGURA HIPÓTESE DE CREDENCIAMENTO. COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA QUE DEVE SER SUBMETIDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
PUBLICIDADE, MORALIDADE, EFICIÊNCIA E IMPESSOALIDADE, À LUZ DE CRITERIOS OBJETIVOS
(CF, ART. 37, CAPUT). INEXISTÊNCIA DE PERMISSIVO À ARBITRARIEDADE. CONTRATO DE GESTÃO. NATUREZA DE CONVÊNIO.
CELEBRAÇÃO NECSSARIAMENTE SUBMETIDA A PROCEDIMENTO OBJETIVO E IMPESSOAL.
CONSTITUCIONALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO INSTITUÍDA PELA NOVA REDAÇÃO DO
ART. 24, XXIV, DA LEI DE LICITAÇÕES E PELO ART. 12, §3º, DA LEI Nº 9.637/98.
FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA
IMPESSOALIDADE, DA PUBLICIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE
DE EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA OS CONTRATOS CELEBRADOS PELAS ORGANIZAÇÕES
SOCIAIS COM TERCEIROS. OBSERVÂNCIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CF, ART. 37, CAPUT). REGULAMENTO PRÓPRIO PARA CONTRATAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE DEVER DE
REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. INCIDÊNCIA DO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE, ATRAVÉS DE PROCEDIMENTO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CEDIDOS. PRESERVAÇÃO DO REGIME REMUNERATÓRIO
DA ORIGEM. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PARA O PAGAMENTO DE
VERBAS, POR ENTIDADE PRIVADA, A SERVIDORES. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 37, X,
E 169, §1º, DA CONSTITUIÇÃO. CONTROLES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESERVAÇÃO DO ÂMBITO CONSTITUCIONALMENTE DE DEFINIDO PARA
O EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO (CF, ARTS. 70, 71, 74 E 127 E SEGUINTES). INTERFERÊNCIA ESTATAL EM ASSOCIAÇÕES E
FUNDAÇÕES PRIVADAS (CF, ART. 5º, XVII E XVIII). CONDICIONAMENTO À ADESÃO
VOLUNTÁRIA DA ENTIDADE PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO
DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME AOS
DIPLOMAS IMPUGNADOS.
1. A atuação da Corte Constitucional não pode
traduzir forma de engessamento e de cristalização de um determinado modelo
pré-concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente
assegurados, as maiorias políticas prevalecentes no jogo democrático pluralista
possam pôr em prática seus projetos de governo, moldando o perfil e o
instrumental do poder público conforme a vontade coletiva.
2. Os setores
de saúde (CF, art. 199, caput), educação (CF, art. 209, caput), cultura
(CF, art. 215), desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e tecnologia (CF, art.
218) e meio ambiente (CF, art. 225) configuram serviços públicos sociais, em relação aos quais a Constituição, ao
mencionar que “são deveres do Estado e da Sociedade” e que são “livres à
iniciativa privada”, permite a atuação, por direito próprio, dos particulares,
sem que para tanto seja necessária a delegação pelo poder público, de forma que
não incide, in casu, o art. 175, caput, da Constituição.
3. A atuação
do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada
por intervenção direta ou indireta, disponibilizando
utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que
os particulares executem atividades de interesses públicos através da
regulação, com coercitividade, ou através do fomento, pelo uso de incentivos e
estímulos a comportamentos voluntários.
4. Em qualquer caso, o cumprimento efetivo dos
deveres constitucionais de atuação estará, invariavelmente, submetido ao que a
doutrina contemporânea denomina de controle da Administração Pública sob o
ângulo do resultado (Diogo de Figueiredo Moreira Neto).
5. O marco legal das Organizações Sociais inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais,
entendida tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos
particulares, cujo desempenho em
atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em
observância aos princípios da consensualidade e da participação na
Administração Pública.
6. A finalidade
de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as
entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará
o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância
com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem
alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais
de atuação.
7. Na essência, preside a execução deste programa
de ação institucional a lógica, que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais
eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade
que marcam o regime de direito privado.
8. Os arts. 18 a 22 da Lei nº 9.637/98 apenas concentram a decisão política, que poderia
ser validamente feita no futuro, de afastar a atuação de entidades públicas
através da intervenção direta para privilegiar a escolha pela busca dos mesmos
fins através da indução e do fomento de atores privados, razão pela qual a
extinção das entidades mencionadas nos dispositivos não afronta a Constituição,
dada a irrelevância do fator tempo na opção pelo modelo de fomento – se
simultaneamente ou após a edição da Lei.
9. O procedimento de qualificação de entidades, na
sistemática da Lei, consiste em etapa inicial e embrionária, pelo deferimento
do título jurídico de “organização social”,
para que Poder Público e particular
colaborem na realização de um interesse comum, não se fazendo presente a
contraposição de interesses, com feição comutativa e com intuito lucrativo, que
consiste no núcleo conceitual da figura do contrato administrativo, o que torna
inaplicável o dever constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI).
10. A atribuição
de título jurídico de legitimação da entidade através da qualificação configura
hipótese de credenciamento, no qual não incide a licitação pela própria natureza
jurídica do ato, que não é contrato, e pela inexistência de qualquer
competição, já que todos os interessados podem alcançar o mesmo objetivo, de
modo includente, e não excludente.
11. A previsão de competência discricionária no
art. 2º, II, da Lei nº 9.637/98 no que pertine à qualificação tem de ser interpretada
sob o influxo da principiologia constitucional, em especial aos princípios da
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). É de
se ter por vedada, assim, qualquer forma
de arbitrariedade, de modo que o indeferimento do requerimento de qualificação,
além de pautado pela publicidade, transparência e motivação, deve observar
critérios objetivos fixados em ato regulamentar expedido em obediência ao
art. 20 da Lei nº 9.637/98, concretizando de forma homogênea as diretrizes
contidas nos inc. I a III do dispositivo.
12. A figura do contrato de gestão configura hipótese de convênio, por consubstanciar a
conjugação de esforços com plena harmonia entre as posições subjetivas, que buscam
um negócio verdadeiramente associativo, e não comutativo, para o atingimento de
um objetivo comum aos interessados: a realização de serviços de saúde,
educação, cultura, desporto e lazer, meio ambiente e ciência e tecnologia,
razão pela qual se encontram fora do âmbito de incidência do art. 37, XXI, da
CF.
13. Diante,
porém, de um cenário de escassez de
bens, recursos e servidores públicos, no qual o contrato de gestão firmado com
uma entidade privada termina por excluir, por conseqüência, a mesma pretensão
veiculada pelos demais particulares em idêntica situação, todos almejando a
posição subjetiva de parceiro privado, impõe-se que o Poder Público conduza a
celebração do contrato de gestão por um procedimento público impessoal e pautado
por critérios objetivos, por força da incidência direta dos princípios
constitucionais da impessoalidade, da publicidade e da eficiência na
Administração Pública (CF, art. 37, caput).
14. As dispensas
de licitação instituídas nos arts. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93 e no
art. 12, §3º, da Lei nº 9.637/98 têm
a finalidade que a doutrina contemporânea denomina de função regulatória da licitação, através
da qual a licitação passa a ser também vista como mecanismo de indução de
determinadas práticas sociais benéficas, fomentando a atuação de organizações
sociais que já ostentem, à época da contratação, o título de qualificação, e
que por isso sejam reconhecidamente colaboradoras do Poder Público no
desempenho dos deveres constitucionais no campo dos serviços sociais. O
afastamento do certame licitatório não exime, porém, o administrador público da
observância dos princípios constitucionais, de modo que a contratação direta deve observar critérios objetivos e impessoais,
com publicidade de forma a permitir o acesso a todos os interessados.
15. As organizações
sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito
constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em
suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria
em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de
todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos,
bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser
minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração
Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade,
de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio
(Lei nº 9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o
dispêndio de recursos públicos.
16. Os empregados
das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados
privados, por isso que sua remuneração não deve ter base em lei (CF, art.
37, X), mas nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Por identidade
de razões, também não se aplica às
Organizações Sociais a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), mas a
seleção de pessoal, da mesma forma como a contratação de obras e serviços, deve
ser posta em prática através de um procedimento objetivo e impessoal.
17. Inexiste
violação aos direitos dos servidores públicos cedidos às organizações sociais,
na medida em que preservado o
paradigma com o cargo de origem, sendo desnecessária a previsão em lei para que verbas de natureza privada
sejam pagas pelas organizações sociais, sob pena de afronta à própria lógica de
eficiência e de flexibilidade que inspiraram a criação do novo modelo.
18. O âmbito constitucionalmente definido para o
controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas da União (CF, art. 70, 71 e 74)
e pelo Ministério Público (CF, arts. 127 e seguintes) não é de qualquer forma
restringido pelo art. 4º, caput, da Lei nº 9.637/98, porquanto dirigido à estruturação
interna da organização social, e pelo art. 10 do mesmo diploma, na medida em
que trata apenas do dever de representação dos responsáveis pela fiscalização, sem
mitigar a atuação de ofício dos órgãos constitucionais.
19. A previsão de percentual de representantes do
poder público no Conselho de Administração das organizações sociais não encerra
violação ao art. 5º, XVII e XVIII, da Constituição Federal, uma vez que
dependente, para concretizar-se, de adesão voluntária das entidades privadas às
regras do marco legal do Terceiro Setor.
20. Ação direta de inconstitucionalidade cujo
pedido é julgado parcialmente procedente, para conferir interpretação conforme
à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8666/93, incluído
pela Lei nº 9.648/98, para que: (i) o
procedimento de qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e
impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e
de acordo com parâmetros fixados em
abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº 9.637/98; (ii) a
celebração do contrato de gestão seja
conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos
princípios do caput do art. 37 da CF; (iii) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações
(Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e
outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12,
§3º) sejam conduzidas de forma pública,
objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art.
37 da CF; (iv) os contratos a serem
celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam
conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios
do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado
por cada entidade; (v) a seleção de
pessoal pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e
impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos
termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e (vi) para
afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério
Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas.” (destacou-se)
Reunião com o reitor da UFC |
Nos termos
do Estatuto da SAMEAC (Art. 1º), é clara a condição de entidade social sem fins
lucrativos, integrante do Terceiro Setor, litteris:
“O INSTITUTO
COMPARTILHA, com nome fantasia de SAMEAC, com registro no Cartório
Pergentino Maia, sob o nº 935, Lv. 06, fls. 435/437, de 08 de junho de 1955,
cuja anterior razão social denominava-se
Sociedade de Assistência à Maternidade Escola Assis Chateaubriand, criada por
transformação da anterior Sociedade Pós-Construção da Maternidade Popular
Escola de Fortaleza, é pessoa
jurídica de direito privado, de caráter não lucrativo, com autonomia
administrativa e financeira, sediada na Av. Senador Virgílio Távora, 1500, sala
1002, CEP: 60.170-079, Bairro Aldeota, Fortaleza-CE, com abrangência em todo o
território nacional, regida pelo presente estatuto e pelas normas legais
aplicáveis.” (demarcou-se)
Pátio da Reitoria da UFC - MDTS em manifestação |
Ressalte-se
que Organizações Sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
direcionadas ao exercício de atividades referentes a ensino, pesquisa
científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio
ambiente, cultura e saúde.
A
Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) e o Hospital Universitário Walter
Cantídio (HUWC) são partes integrantes da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde
a SAMEAC funciona há 51 (cinquenta e um anos) com seus empregados. Tal Complexo
Hospitalar atua com fins de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.
Nesse passo,
a SAMEAC, nos termos de seu estatuto (art. 3º), tem finalidade consonante com
as permissões referendadas pelo STF para a prestação dos serviços de saúde:
“- Assistir e
cooperar na manutenção e funcionamento da Maternidade Escola Assis
Chateaubriand, bem assim de outras Unidades Hospitalares da Universidade
Federal do Ceará, de acordo com Resolução que, em conjunto, venham a ser
formuladas nas diversas circunstâncias pelos Órgãos Administrativos da entidade
e da mesma Universidade Federal do Ceará, prestando serviços permanentes à
população carente em geral, sem qualquer discriminação de clientela;
[...]
- Aplicar integralmente suas rendas, recursos e
eventuais resultados operacionais na manutenção e desenvolvimento dos objetivos
institucionais no território nacional, bem como aplicar as subvenções e doações
recebidas nas finalidades a que estejam vinculados;
- Executar
programas e projetos públicos e/ou privados, nas áreas de saúde, assistência
social e educação, dentro do âmbito de sua abrangência territorial, visando
sempre o benefício da Comunidade.”
Desse modo,
tal compreensão de que a SAMEAC (Organização Social sem fins lucrativos) pode continuar
a desenvolver as atividades já exercidas há 51 anos junto à UFC é aceita pelo
Supremo Tribunal Federal, torna-se imprescindível para que os vínculos de
empregos laborando junto ao Complexo Hospitalar da Universidade sejam mantidos.
Ao cair da noite MDTS partindo pela conscientização dos trabalhadores atentos temendo por seus empregos e vidas dignas |
Algo que
deveria estar sendo defendido, inclusive judicialmente, pela UFC, pela
SAMEAC/Instituto Compartilha, pelos sindicatos representantes das categorias e
pelo Ministério Público, freando processos de despedidas em massa pautados em
decisões de órgãos inferiores ao STF, tais como o Tribunal de Contas da União
(Decisão de 2006), especialmente, quando tomadas em período anterior à decisão
do STF na ADI nº 1923/DF, em abril de 2015.
Importante
esclarecer aspectos históricos da SAMEAC que a colocam em situação especial,
que não pode ser equiparada à terceirização ora combatida por segmentos
trabalhistas, devendo o Poder Público dar tratamento diferenciado com os
trabalhadores da SAMEAC, especialmente, os mais antigos.
Coletivo Crítica Radical esclarece e conscientiza |
A SAMEAC
funciona há 51 anos prestando serviços diretamente à Universidade Federal do
Ceará, sendo completamente financiada pelo Poder Público, sem patrimônio
próprio, com mais de setecentas pessoas em atividade, em grande parte com mais
de vinte anos de serviço. Nunca teve fins lucrativos, não recebe remuneração
contratual como SAMEAC e os bens que foi adquirindo foram repassados à UFC, o
que demarca sua situação diferenciada, a qual deve receber tratamento, também,
excepcional.
A fundação
da UFC e a da SAMEAC ocorreram em períodos comuns da História de Fortaleza,
tendo a UFC (1954/1955) e a SAMEAC (1960) firmado o primeiro convênio, até
então ininterrupto, em 1965. Conforme os dados históricos, não existia a figura
jurídica da “terceirização” de mão de obra, com empresa interposta visando
lucro, nem as finalidades da SAMEAC e da UFC, ambas sem fins lucrativos e
completamente mantidas pelo Poder Público, se alinhavam a tal ideia.
Ressalte-se que a SAMEAC é instituição com fins sociais e sempre doou seu
patrimônio material ao Poder Público, além de prestar serviço por meio de seu
pessoal.
Em sua
história, a contratação dos empregados da SAMEAC seguiu o padrão adotado para a
contratação de milhares de funcionários públicos da UFC em sua fundação. A
contratação de celetistas pelo Poder Público nos anos 60 era comum, de modo
que, por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, houve, inclusive, a
estabilização dos obreiros que estivessem em serviço há pelo menos cinco anos
continuados da data da promulgação da CF/88, os quais não tinham sido admitidos
na forma regulada no art. 37, da Constituição (concurso público).
Desse modo,
não somos defensores da terceirização, mas entendemos que o caso Sameac é
diferente, pois há 51 anos o governo não lembrou de reconhecer o trabalho
social e das pessoas que foram propositalmente confundidos com terceirizados. O
justo teria sido reconhecer todos os trabalhadores da Sameac em 1988 como
servidores, depois encerrar suas atividades, mas não foi feito e estamos
lutando pelas sobras de dignidade e reconhecimento, por pessoas com dezenas de
anos trabalhando para a UFC que dão suas vidas pela saúde cearense.
Clovis Renato Costa Farias
Advogado do MDTS
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