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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Democracia Sindical. As mesas de negociação permanente entre as categorias, as OLTs e a realização de assembleias ostensivas com o povo representado: uma via necessária exemplificada por uma atuação concreta. O caso do SINTEPAV/CE


Indubitáveis são os desvirtuamentos ocorridos nos núcleos de poder, seja na macroestrutura político partidária ou na microestrutura ligada à política sindical, estudantil e demais, em situações que acabam por descredenciar socialmente as entidades (partidos, sindicatos, centrais, federações, confederações, uniões e associações de estudantes).  Observando tal contexto, Michels[1], no início do Século XX, questionou a Democracia dentro de sindicatos ao argumentar que organizações trabalhistas formais - partidos e sindicatos - desenvolvem inevitavelmente tendências oligárquicas. Segundo o autor, há uma tendência inexorável por parte dos líderes sindicais de desenvolverem interesses privados que não somente são diferentes, como também opostos aos interesses dos filiados.
Entrementes, apesar de toda a crítica e dos crescentes descompassos que envolvem o mundo sindical na contemporaneidade, o Sindicalismo ainda prevalece como um dos espaços mais efetivos da Democracia, pela sua constante atuação negocial, a qual envolve anualmente a construção das Convenções (CCT) e dos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), conforme o caso, e os rotineiros descumprimentos das normas que garantem mais dignidade nas relações de trabalho. Além de, em grande parte, estarem lutando para efetivar, também, o art. 11 da Constituição de 1988 (muitas vezes ampliando seus efeitos nas CCTs e ACTs)[2], que trata sobre as representações de trabalhadores nos locais de trabalho (OLT – Organização por Local de Trabalho), organizações que vêm enfrentando os problemas pontuais nos postos laborais e evitando, inclusive, o número de demandas na Justiça do Trabalho.
Destaca-se o papel combativo e construtivo do Estado Democrático de Direito na República Federativa do Brasil, atendendo-se ao pluralismo político (art. 1º, V, CF/88), que pode ser mais aproveitado pelas entidades, com seus núcleos já organizados e estrutura favorável.

As críticas são reconhecidas para grande parte das entidades sindicais, especialmente diante da forte pulverização e enfraquecimento das representações de algumas categorias e da formação de sindicatos amarelos (ligados dolosa e secretamente à categoria patronal). Complexidades que não desmerecem, na essência, todas as instituições compromissadas ideologicamente com a massa de trabalhadores que representam, mas que causam descrença por parte da sociedade, beneficiando a categoria patronal.
Relembra-se que a Democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria, associados aos direitos individuais e das minorias. Nos regimes de governo por ela formados, embora se respeite a vontade da maioria, protegem-se escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias. O povo detém o poder soberano (Democracia: demos= povo + kratos = governo).
No mesmo passo, a Constituição de 1988, em seus fundamentos, remete todo o poder ao povo (art. 1º, parágrafo único), que deve ter seus pensamentos ouvidos e respaldados em face do pluralismo político (art. 1º, V), respeitados os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV), em tudo otimizando a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), que faz com que o senso de cidadania (art. 1º, II) seja fortalecido, com consequente robustecimento da soberania (art. 1º, I) e do Estado Democrático de Direito, a ser cumprido pela República Federativa do Brasil. Eis o modelo democrático brasileiro que foi diligentemente defendido pelo constituinte originário e que vem sendo aprimorado em terras verde amarelas, com papel especial reservado ao Sindicalismo.
Em atenção a tal regime, ligado ao Sindicalismo, observa-se no setor de obras no Ceará, exemplificativamente, o SINTEPAV (representante dos trabalhadores na construção civil pesada), entidade que tem ascendido tanto em estrutura organizacional quanto em número da massa de filiados. Relembra o Movimento Sindical em suas origens, legitimando-se por ações coerentes e democráticas.

Sindicato inserido no contexto de expansão das grandes obras públicas no Estado do Ceará, que seguem desde 2007 até 2014, principalmente, pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) assoberbado pela realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 no Brasil, com uma das sedes em Fortaleza. De modo que estão em construção, por exemplo, uma siderúrgica, uma termoelétrica, uma subestação de energia, ampliado um estádio, reparadas estradas e criados novos caminhos de acesso e implantados inovadores meios de transporte.
Atualmente, encontram-se nos canteiros alencarinos milhares de trabalhadores, muitos com pouquíssimos recursos intelectuais, prevalecendo o conhecimento habitual na prática de seus misteres e dos problemas vivenciados no dia a dia das construções. Obreiros que necessitam fortemente de uma representação laboral atuante e compromissada para equilibrar a situação social e econômica de inferioridade frente às maiores construtoras nacionais, com membros da categoria patronal constando entre os homens mais ricos do mundo por revistas internacionais. 
Para tanto, ante a carência de tempo (vivem laborando) e temor da repressão (perseguições pessoais aos que reivindicam), precisam de uma organização e estrutura que viabilize seus pleitos em tempo real e de forma despersonalizada, com lideranças que os substituam nas ostensivas e necessárias negociações para melhoria das condições de trabalho e produção. Cotidiano que faz com eu cresça o movimento sindical, quando bem manejado, como um dos maiores realizadores da Democracia no Estado Democrático de Direito.
Comprova-se tal importância democrática ao serem observados os modos de agir do SINTEPAV/CE, ordeiramente engendrados para melhor atender a seu povo, que gira em torno de 18 mil pessoas, contando com 12 mil associados (60% cearenses), em 2012.
Para as obras específicas, o SINTEPAV/CE tem lutado e conseguido postar nas Convenções e Acordos Coletivos a figura dos representantes por canteiro (Organização por Local de Trabalho – OLT), garantindo-lhes, estabilidade. Tais representantes são empregados nos próprios canteiros e eleitos pelos trabalhadores no local, em eleição feita pelo sindicato nas assembleias ocorridas, via de regra, antes do trabalho. Os membros eleitos das OLTs continuam trabalhando em seus postos para que sejam o termômetro das condições laborais e ponte com a representação sindical, sendo liberados para eventuais reuniões.
O sindicato, logo após eleger cada membro da OLT pela massa operária, entrega-lhes um rádio comunicador (financiado pela entidade), para comunicação direta com a diretoria sindical.
Ademais, a entidade sindical permite e incentiva que os membros da OLT participem de reuniões semanais e quinzenais com representantes das empresas integrantes dos consórcios empresariais para as edificações e da diretoria do sindicato, previamente agendadas, em que são discutidos os problemas pontuais apresentados pelos obreiros, evitando paralisações e danos desnecessários. Reuniões mantidas permanentes, independentes da movimentação específica por ocasião da data base.
Os trabalhadores representados são escutados, considerados, protegidos e defendidos pela organização democrática, sendo os pontos não resolvidos e as propostas, invitadas nas mesas permanentes de negociação, levadas para os trabalhadores em assembleia feita geralmente com a utilização de trio elétrico (ferramenta de propriedade do SINTEPAV, adquirida pela entidade em face da necessidade de comunicação com obreiros em reuniões com a participação decisória maciça de 4, 10 e até 20 mil trabalhadores).
Em uma das assembleias (http://vidaarteedireitonoticias.blogspot.com.br/2012/09/video-democracia-sindical-utepecem.html), devidamente convocada com publicação de edital, ocorrida no dia 03.09.2012, os representantes dos trabalhadores levaram o trio elétrico da entidade e se postaram na entrada da UTE (Unidade Termoelétrica do Pecém/Ceará), entre as 05h30min e as 8h da manhã, uma das nove reuniões para informação e deliberação dos trabalhadores sobre alguns pleitos, tais como um bônus financeiro, bem como eventual paralisação por problemas recorrentes e não sanados pela via negocial.
Na ocasião, a massa aproximada de 5 mil trabalhadores foi chegando em dezenas de ônibus, sendo recebida pelo som eletrônico antes da concentração (vindo do trio elétrico do sindicato, devidamente caracterizado e com a frase: “Estamos juntos e misturados”), chamada pelo Presidente do SINTEPAV Raimundo Gomes para concentração após o café da manhã, por volta das 7h.
Notória era a satisfação dos trabalhadores e se destacava o contato do dirigente com seus representados, muitos cantando e dançando em frente ao trio, antes da reunião, a ser realizada após o café da manhã dos obreiros na empresa. Repetiam a canção de Edson Gomes durante a espera: Até mesmo um guerreiro/Tem o seu momento/ Pra Falar do seu amor/Do seu sentimento/E agora.../Fala só de amor/Todo mundo tem um amor!/Fala só de amor/Todo mundo tem um amor, yeah!/Fala só de amor/Olha todo mundo tem um amor, yeah!/Fala só de amor/E eu também tenho o meu amor, ‘né’?[3]
Presidente ensinando aos obreiros no contra cheque e na CCT firmada pelo SINTEPAV

Em seguida, o dirigente foi atendido e a assembleia teve início, sendo bem participada pelos obreiros, com eleição de um dos membros da OLT e discussão sobre o montante e a forma de pagamento de um bônus reivindicado. Em face da falta de consenso quanto a proposta de bônus, foi agendada nova rodada de negociação no dia seguinte, em mesa, com retorno para nova assembleia após 48 horas, para deliberar sobre o novo plano de ação ou sobre a necessidade de paralisação. 
Membros da OLT (Comissão UTE) e um dos carros do SINTEPAV/CE

Na ocasião, reunido com os membros das Comissões (OLT), afirmava constantemente o dirigente que a vontade da assembleia sempre deveria ser respeitada, de modo que o papel dos membros das comissões era bem esclarecer e buscar os entendimentos.
Encerrada a reunião, todos, ordeiramente, voltaram ao trabalho por volta das 08h05min, marcada nova assembleia para o dia 05.09 no mesmo horário.
Nesse passo, conforme comprovado em loco e por depoimentos colhidos em uma das assembleias, além das conquistas observadas nas negociações coletivas protagonizadas pelo SINTEPAV/CE e da manutenção de mesa de negociação permanente, toma-se tais ações como exemplo para o Movimento Sindical, percebendo-se o hercúleo papel do Sindicalismo na construção real da Democracia e como robusto concretizador da dignidade humana.
Emergem diversas possibilidades de ação e exemplos de atuação exitosa, que contribuem para a formação de uma sociedade mais livre, justa e solidária. Algo que deve ser observado pela sociedade em geral, especialmente, pelos integrantes do movimento sindical e pelos atuantes nos órgãos públicos (autoridades e servidores) e iniciativa privada, referendando o respeito que deve ser creditado aos militantes da seara trabalhista e instigando a luta pelo resgate dos valores em âmbito representativo.
Atitudes capazes de garantir a emancipação humana e social, com base nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, garantindo o desenvolvimento nacional, com erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, da Constituição de 1988).

Clovis Renato Costa Farias
Membro do GRUPE e da COMSINDICAL OAB/CE
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<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos (1911). Tradução de Arthur Chaudon. Brasília: Editora da UnB, 1982.
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Constituição de 1988. Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> GOMES, Edson. Fala só de Amor.

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