O
nascimento da CPT
A Comissão
Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho
de 1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e realizado em Goiânia (GO). Inicialmente
a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra um serviço
pastoral. Na definição de Ivo Poletto, que foi o primeiro secretário da
entidade, "os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros,
os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e
dignidade numa terra livre da dominação da propriedade capitalista".
Fundada em
plena ditadura militar, como resposta à grave situação dos trabalhadores
rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, a CPT teve um importante
papel. Ajudou a defender as pessoas da
crueldade deste sistema de governo, que só fazia o jogo dos interesses
capitalistas nacionais e transnacionais, e abriu caminhos para que ele fosse
superado. Ela nasceu ligada à Igreja Católica porque a repressão estava
atingindo muitos agentes pastorais e lideranças populares, e também, porque a
igreja possuía uma certa influência política e cultural. Na verdade, a
instituição eclesiástica não havia sido molestada.
No período
da ditadura, o reconhecimento do vínculo com a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) ajudou a CPT a realizar o seu trabalho e se manter. Mas já nos
primeiros anos, a entidade adquiriu um caráter ecumênico, tanto no sentido dos
trabalhadores que eram apoiados, quanto na incorporação de agentes de outras
igrejas cristãs, destacadamente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil - IECLB.
Os
posseiros da Amazônia foram os primeiros a receber atenção da CPT. Rapidamente,
porém, a entidade estendeu sua ação para todo o Brasil, pois os lavradores,
onde quer que estivessem, enfrentavam sérios problemas. Assim, a CPT se
envolveu com os atingidos pelos grandes projetos de barragens e, mais tarde,
com os sem-terra. Terra garantida ou conquistada, o desafio era o de nela
sobreviver. Por isso, a Agricultura Familiar mereceu um destaque especial no
trabalho da entidade, tanto na organização da produção, quanto da
comercialização. A CPT junto com seus parceiros foi descobrindo que esta
produção precisava ser saudável, que o meio ambiente tinha que ser respeitado,
que a água é um bem finito. As atenções, então, se voltaram para a ecologia.
A CPT
também atua junto aos trabalhadores assalariados e os bóias-frias, que
conseguiram, por algum tempo, ganhar a cena, mas que enfrentam dificuldade de
organização e articulação. Além destes, há ainda os "peões",
submetidos, muitas vezes, a condições análogas às da escravidão.
Em cada
região, o trabalho da CPT adquiriu uma tonalidade diferente de acordo com os
desafios que a realidade apresentava; sem, contudo, perder de vista o objetivo
maior de sua existência: ser um serviço à causa dos trabalhadores rurais, sendo
um suporte para a sua organização. O homem do campo é que define os rumos que
quer seguir, seus objetivos e metas. A CPT o acompanha, não cegamente, mas com
espírito crítico. É por isso que a CPT conseguiu, desde seu início, manter a
clareza de que os protagonistas desta história são os trabalhadores e
trabalhadoras rurais.
Finalmente,
os direitos humanos, defendidos pela CPT, permeiam todo o seu trabalho. Em sua
ação, explícita ou implicitamente, o que sempre esteve em jogo foi o direito do
trabalhador, em suas diferentes realidades. De tal forma que se poderia dizer
que a CPT é também uma entidade de defesa dos Direitos Humanos ou uma Pastoral
dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da terra.
Missão
Convocada
pela memória subversiva do evangelho da vida e da esperança, fiel ao Deus dos
pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, ouvindo o clamor que vem dos
campos e florestas, seguindo a prática de Jesus
A CPT quer
ser uma presença solidária, profética, ecumênica,
fraterna e
afetiva, que presta um serviço educativo e transformador
junto aos
povos da terra e das águas,
para
estimular e reforçar seu protagonismo.
A CPT
reafirma seu caráter pastoral e retoma, com novo vigor, o trabalho de base
junto aos povos da terra e das águas, como convivência, promoção, apoio,
acompanhamento e assessoria:
1. nos
seus processos coletivos:
de
conquista dos direitos e da terra, de resistência na terra, de
produção sustentável (familiar, ecológica, apropriada às diversidades
regionais);
2. nos
seus processos de formação integral e permanente:
a partir
das experiências e no esforço de sistematizá-las; com forte
acento nas motivações e valores, na mística e espiritualidade;
3. na
divulgação de suas vitórias e no combate das injustiças;
sempre
contribuindo para articular as iniciativas dos povos da terra e das águas e
buscando envolver toda a comunidade cristã e a sociedade, na luta pela terra e
na terra; no rumo da “terra sem males”.
Texto
elaborado, em novembro de 1998, por agentes que participam da CPT há mais de
dez anos e revisto e aprovado durante o I Congresso da CPT, realizado em Bom
Jesus da Lapa, em 2001.
Eixos de
Ação
Terra
Os vários
significados da terra
O homem e
a mulher do campo estabelecem com a terra uma relação diferente da lógica dos
grandes mercados. Dela se tira o sustento e se estabelece a convivência com o
meio ambiente. A terra é para o trabalho. Já sob a ótica capitalista, ela é
vista como reserva de valor e geradora de lucros, é para a exploração. Esta
reflexão, atribuindo à terra significados distintos - de trabalho e de
exploração -, foi feita pela CPT no final da década de 70 e incorporada pelo
documento "Igreja e Problemas da Terra", produzido pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1980.
A ação da CPT junto aos trabalhadores rurais
se dá em diversos âmbitos. A que ganhou maior destaque foi a defesa do direito
dos trabalhadores a terra, sobretudo posseiros e sem-terra. Só que a democratização
do acesso à terra passa pela quebra do latifúndio, por isso, a CPT sempre
defendeu e se envolveu diretamente com as diversas lutas e manifestações em
favor da Reforma Agrária.
A CPT
também se preocupa com a permanência do agricultor na terra, por isso,
desenvolve ações na busca de alternativas de sobrevivência para o homem e a
mulher do campo, apoiando iniciativas e políticas agrícolas neste sentido. O
uso da terra, contudo, deve sempre vir acompanhado com a defesa do meio
ambiente. A CPT ainda tem centrado sua atenção na produção orgânica e
ecológica, na convivência respeitosa com os diversos ecossistemas e no combate
ao desmatamento indiscriminado, às queimadas e ao uso de agrotóxicos.
Nestas
atividades, a CPT caminha com os diversos movimentos sociais do campo, apoiando
suas ações e se somando a eles em suas lutas e reivindicações.
Direitos
Dignidade
humana
O trabalho
desenvolvido pela CPT junto aos trabalhadores da terra e da água, quilombolas e
indígenas visa, sobretudo, a defesa de seus direitos. Direito à terra e de
permanecer nela, de trabalhar, de acesso à água, direitos trabalhistas e à
dignidade humana. E, para que estes direitos sejam conquistados e garantidos,
uma das ações desenvolvidas pela CPT é a de apoiar a organização destes trabalhadores.
A CPT também promove cursos e encontros, procurando divulgar em linguagem
popular os direitos das diferentes categorias de trabalhadores da terra, para
que eles possam reivindicá-los. A CPT ainda denuncia a violação dos direitos
primordiais da pessoa humana. Esta atuação foi assumindo um caráter científico
com a publicação, todos os anos, do caderno Conflitos no Campo Brasil, que tem
conquistado o respeito dos movimentos sociais, autoridades governamentais,
acadêmicos e de pesquisadores (veja o link Conflitos no Campo).
Outro
campo de defesa dos direitos humanos tem sido a denúncia e o combate
sistemático ao trabalho escravo. Para acompanhar esta realidade de perto, a CPT
criou, em 1997, a campanha nacional de combate ao trabalho escravo: Olho Aberto
para não Virar Escravo. A denúncia das violações dos direitos dos trabalhadores
da terra, bem como a defesa das vítimas destas violações, acarretaram para
muitos agentes da CPT, ameaças, perseguições e até a morte.
Hoje a CPT
incorporou na sua luta pelos direitos humanos, os direitos econômicos, sociais,
culturais e ambientais, os chamados Dhesca. Desta forma, ela mantém relações
estreitas com diversas entidades de direitos humanos, Como a Rede Social, Terra
de Direitos, Justiça Global, Comissão de Justiça e Paz da Ordem Dominicana e
outras. A CPT se insere ainda dentro da Plataforma dos Descha e faz parte do
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar.
Água
Em defesa
da água
Desde os
seus primeiros anos de atuação, a Comissão Pastoral da Terra se preocupa com a
questão da água. Os esforços iniciais foram dirigidos a famílias expulsas de
suas terras devido à construção de grandes barragens, como a Itaparica, no Rio
São Francisco, e Itaipu, no Rio Paraná. Na região amazônica, a CPT ajudou os
ribeirinhos a enfrentarem a difícil situação da pesca predatória, praticada por
grandes empresas. Um importante trabalho de preservação dos rios e lagos foi
desenvolvido. O projeto ganhou o reconhecimento público, inclusive do IBAMA.
Mas foi a
partir da Assembléia Nacional, realizada em 1999, que a água começa a ser
definida como um dos grandes eixos de ação da CPT. Ela passa a ser vista sob
muitos ângulos:
- A seca
do nordeste com as diversas alternativas de convivência com o semi-árido e com
ações de captação de água de chuva.
- A morte,
poluição e assoreamento dos cursos d’água.
- Os
projetos de hidrovias, como as do Araguaia/Tocantins e do Pantanal, que alteram
profundamente o equilíbrio ecológico destas bacias.
- O
esgotamento do lençol freático em muitas regiões devido, sobretudo, à irrigação
irracional.
- A
construção de centenas de barragens para construção de hidrelétricas que afetam
as populações ribeirinhas e o meio ambiente.
- A
legislação dos recursos hídricos, com as políticas públicas que sinalizam na
direção da privatização destes recursos.
A água foi
assumida enquanto linha de trabalho definitivamente pela CPT em seu 1º
Congresso, realizado em Bom Jesus da Lapa, BA, em 2001. Uma das decisões foi
“propor à CNBB que a água seja tema de uma futura Campanha da Fraternidade”. O
desejo se concretizou na Campanha de 2004. A CPT acabou sendo uma das
principais responsáveis pela elaboração dos textos desta Campanha.
Mas, há
ainda muito desconhecimento da política sobre a água, sobre os impactos do
agronegócio, do drama da água destruída, privatizada no cerrado, da destruição
de nascentes, da poluição e desertificação geradas. O desafio para a CPT é o de
popularizar todas estas questões, de colocar na agenda do Brasil que a água é
um bem público, para todos, não apropriável por interesses econômicos.
Campanha
pelo Limite da Propriedade da Terra
Criada em
2000 pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça (FNRA), a Campanha pelo
Limite da Propriedade da Terra: em defesa da reforma agrária e da soberania
territorial e alimentar, é uma ação de conscientização e mobilização da sociedade
brasileira para incluir na Constituição Federal um novo inciso que limite às
propriedades rurais em 35 módulos fiscais. Áreas acima dos 35 módulos seriam
automaticamente incorporadas ao patrimônio público.
O módulo
fiscal é uma referência, estabelecida pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), que define a área mínima suficiente para prover o
sustento de uma família de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ele varia de
região para região, e é definido para cada município a partir da análise de
várias regras, como por exemplo, a situação geográfica, qualidade do solo, o
relevo e condições de acesso. A aprovação da emenda afetaria somente pouco mais
que 50 mil proprietários de terras.
A
introdução desta medida resultaria numa disponibilidade imediata de mais de 200
milhões de hectares de terra para as famílias acampadas, sem despender recursos
públicos para a indenização dos proprietários. Esses recursos são hoje gastos
em processos desapropriatórios e que poderiam ser empregados no apoio à
infra-estrutura, ao crédito subsidiado e à assistência técnica para os
assentamentos.
No Brasil,
2,8% do total das propriedades rurais do país são latifúndios e ocupam 56,7%
das terras agriculturáveis. Os minifúndios representam 62,2% dos imóveis e
ocupam 7,9% da área total. O Brasil tem a segunda maior concentração da
propriedade fundiária do planeta.
A
Constituição Federal assegura aos cidadãos e cidadãs o "direito à
propriedade". Esta disposição constitucional é interpretada como garantia
de um direito absoluto e ilimitado, legitimado a concentração de imensas áreas
nas mãos de poucas pessoas e grupos, enquanto a maioria da população se
encontra excluída. Por meio da força e com base nesses argumentos e em leis,
elaboradas pelos próprios, é promovida uma ampla distribuição das terras no
país.
Diante da
realidade do campo, vários segmentos sociais se mobilizam para conquistar seus
direitos e o papel da Campanha é exigir a obrigação do Estado em garantir esse
direito à propriedade da terra a todos os brasileiros e brasileiras tiram seu
sustento da terra. Além disso, a Campanha também está engajada na luta contra o
agronegócio e o hidronegócio no Brasil, que destroem o meio ambiente, a
biodiversidade e desabrigam milhares de trabalhadores rurais, quilombolas,
indígenas e comunidades ribeirinhas.
* O FNRA é
formado por 47 entidades que lutam pela reforma agrária, direitos humanos, meio
ambiente e soberania alimentar e territorial.
Acesse a
Cartilha da Campanha: http://www.cptnacional.org.br/index.php/component/jdownloads/finish/27/147?Itemid=23
Fonte: http://www.cptnacional.org.br/index.php/quem-somos/-historico#sthash.KrusS7Dh.dpuf
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