Por: IHU
On-Line Em: 27/09/2012 às 16:20:23
Os países que
realizaram estudos para verificar os ganhos com a fumicultura e os gastos para
tratar doenças geradas pelo tabaco “constataram que o que se gasta com saúde é maior do que se arrecada com as vendas”,
informa Tânia Cavalcante à IHU On-Line. Segundo ela, estudos da Aliança de
Controle do Tabagismo e da Fiocruz
demonstram que o sistema de saúde brasileiro gastou com apenas 15, das 50
doenças relacionadas ao tabaco, algo em torno de “21 bilhões de reais em 2011”.
Tânia
esclarece que a “maioria da produção
mundial de fumo se dá em países em desenvolvimento e em parceria com grandes
companhias. As mesmas empresas que trabalham para expandir o consumo do
cigarro com estratégias de marketing são as que atraem os pequenos
agricultores, geralmente com situação econômica vulnerável, para a produção da
fumicultura”. Somente no Brasil cerca de
200 mil famílias de pequenos agricultores estão “inseridos na cadeia produtiva
do fumo”. A maioria delas, enfatiza,
“quer deixar de plantar fumo, mas não pode, porque não tem alternativa”.
Na entrevista
a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da
Convenção-Quadro – Conicq comenta as iniciativas brasileiras elaboradas
após a assinatura da Convenção-Quadro,
em 2005, e assegura que apesar dos desafios, o tratado internacional tem
sido eficiente para reduzir a produção e o consumo de tabaco no país. “Existe dentro do governo certa incoerência
em algumas questões (...), mas hoje, por exemplo, o Ministério da Fazenda e a
Receita Federal são grandes aliados da implementação da Convenção-Quadro”.
Tânia
Cavalcante é médica e secretária-executiva da Conicq. Atuou como
secretária-executiva da Comissão Nacional para Controle do Tabaco – CNTABACO
durante as negociações da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde para
Controle do Tabaco.
Confira a
entrevista.
IHU On-Line –
Quais são os principais problemas de saúde relacionados ao tabagismo? Como
essas doenças são abordadas pela área da saúde no Brasil?
Tânia
Cavalcante – As principais doenças são
as cardiovasculares, as doenças respiratórias crônicas, câncer e, além disso,
uma série de outras doenças. Hoje existem mais de 150 doenças que têm uma
relação maior ou menor com o tabagismo, doenças com as quais ele tem um efeito
causal ou um efeito de agravar. Esse é o caso da a osteoporose e da saúde
reprodutiva. O tabagismo também causa efeitos
na gestação, e já se sabe que existe uma relação entre o tabagismo materno e o
descolamento prematuro da placenta, o baixo peso de bebê ao nascer, abortos, e
uma série de outros agravos. Também há uma relação do tabagismo com as doenças da infância, e isso se refere ao
tabagismo passivo: crianças que são expostas à fumaça ambiental do tabaco em
casa, nos locais de lazer, têm um risco maior de ter pneumonia, otite,
problemas de retardo no desenvolvimento e amadurecimento da capacidade
respiratória. Os bebês pequenos,
filhos de mãe fumantes, têm maior risco de terem morte súbita infantil.
Sabemos que
as doenças crônicas não transmissíveis
são um grave problema no mundo. O conjunto dessas doenças não
transmissíveis envolve as doenças cardiovasculares, as doenças respiratórias
crônicas, como enfisema, bronquite, asma, diabetes, hipertensão e várias outras
doenças que têm o tabagismo como principal fator de risco. Existe uma grande
preocupação mundial com o crescimento das doenças crônicas não transmissíveis no mundo, porque morem cerca de 36 milhões
de pessoas todos os anos devido a essas doenças. Essa situação é tão grave
que a ONU, pela segunda vez, tratou de um tema de saúde, mencionando as doenças
crônicas não transmissíveis. Esse tema foi abordado no ano passado em uma
reunião que contou com presidentes de todo mundo para tratar dessa situação,
que eles categorizaram como uma crise global. Por quê? Porque existe, além das
perdas de vidas, um crescimento dessas doenças, que são consideradas um fator
devastador da economia dos países.
Prevenção
A presidente Dilma esteve na reunião e
reafirmou o compromisso do Estado brasileiro com a implementação da
Convenção-Quadro para controlar o tabaco. A Convenção-Quadro é o primeiro
tratado internacional de saúde pública que foi negociado sob os auspícios da
Organização Mundial de Saúde – OMS. Esse tratado converge de uma série de
medidas intersetoriais para reduzir a epidemia do tabagismo no mundo: algumas
medidas são de governabilidade do setor de saúde, mas boa parte delas depende
da ação de outros setores do governo que não a área saúde. Por exemplo,
aumentar os preços dos impostos sobre o tabaco, de forma que pressione o
aumento dos preços do cigarro – essa é uma das medidas consideradas “custo-efetivas”
para reduzir o tabagismo; proibir a propaganda de cigarros, as atividades de
promoção ao tabaco, colocar advertências sanitárias nas embalagens, para
informar a população sobre a real dimensão do risco à saúde; além de estimular
os fumantes a deixarem de fumar.
Existem também outras ações, como apoiar o fumante
para que ele deixe de fumar, conscientizar a sociedade, capacitar profissionais
de saúde para que possam abordar de forma adequada o fumante na sua cessação do
tabagismo, além de alternativas à produção do fumo. Isso porque, ao mesmo
tempo em que a Convenção-Quadro busca reduzir o consumo globalmente, ela
igualmente se preocupa com o outro lado da moeda: o produtor que depende do
fumo. A maioria da produção mundial de fumo se dá em países em desenvolvimento
e em parceria com grandes companhias. As mesmas empresas que trabalham para
expandir o consumo do cigarro com estratégias de marketing são as que atraem os
pequenos agricultores, geralmente com situação econômica vulnerável, para a produção
da fumicultura, com o discurso de que essa produção vai trazer riqueza e
bem-estar para ele e sua família.
IHU On-Line –
É possível estimar qual é o custo dessas doenças sob a perspectiva da economia
e da epidemiologia?
Tânia
Cavalcante – A maior parte dos países
que fizeram esse tipo de estudo constatou que o que se gasta com saúde é maior
do que se arrecada com as vendas. Recentemente a Aliança de Controle do
Tabagismo – uma organização não governamental que atua na defesa da
implementação da Convenção-Quadro no Brasil
–, em conjunto com a Fiocruz, realizou um estudo em que mensurou o quanto o sistema de saúde gastou com apenas 15 das
50 doenças relacionadas ao tabaco. A estimativa foi de 21 bilhões de reais em
2011.
Coincidentemente, neste ano a arrecadação a partir do setor do fumo foi
de 6 bilhões de reais, ou seja, se gasta muito mais do
que se arrecada, apesar de alguns dizerem que produzir fumo gera emprego, traz
desenvolvimento para o país. Esses dados refutam totalmente essa ideia
equivocada, que já vem sendo estudada com bastante consistência pelo Banco
Mundial. Este banco já estimou que, para cada dólar arrecadado, os governos
gastam um dólar e meio para o tratamento das doenças relacionadas ao tabaco.
IHU On-Line –
Considerando os riscos do tabagismo para a saúde, por que ainda se investe
tanto na fumicultura? Trata-se apenas de uma questão econômica e de
lucratividade?
Tânia
Cavalcante – A fumicultura se instala na
região Sul em meados do século passado, e desde então foi sempre um processo
capitaneado por grandes empresas transnacionais. Essas grandes empresas
reconheceram que, no Brasil, existe
clima apropriado, terra fértil e, principalmente, mão de obra barata e
disciplinada. As empresas encontraram um grande filão no Brasil e desenvolveram
uma cadeia produtiva que é considerada exemplar mundialmente em termos de
organização e logística.
Ao se
especializarem na fumicultura, muitas
famílias perderam o conhecimento agrícola de lidar com a terra, então passaram
a se especializar nessa produção. Obviamente que as grandes empresas, uma
vez instaladas, conseguiram, através do crescimento econômico, ganhar poder e
influência política, e isso tem tornado difícil o movimento de pensar
alternativas à produção do fumo. Hoje a nossa grande preocupação é o fato de o
país ter 200 mil famílias de pequenos agricultores inseridos na cadeia
produtiva do fumo. Estudos mostram que a maioria das famílias quer deixar de
plantar fumo, mas não pode, porque não tem alternativa. Essa foi uma das razões
pela qual o Brasil ratificou a Convenção-Quando.
Uma das condições para que o Congresso Nacional apoiasse a ratificação
da Convenção-Quadro pelo Brasil foi a criação de um programa de diversificação
em áreas que produzem fumo. Esse programa não proíbe
ninguém de plantar fumo, porque a Convenção não tem esse objetivo. Ela busca
salvaguardar as pessoas que dependem da produção do fumo, esperando a redução
da produção e do consumo. Nesse sentido é que atua o programa de
diversificação, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Trata-se
de um programa alinhado à política de desenvolvimento rural do governo,
capitaneado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem como foco
principal diversificar a produção agrícola, para que fiquem menos vulneráveis às
oscilações do mercado. No caso da fumicultura, a Convenção-Quadro anda a passos
largos mundialmente. São 175 países acelerando o passo para implementar as suas
medidas.
Já temos
sinais de vários países que vêm reduzindo o tabagismo. Isso certamente vai
impactar os pequenos fumicultores do Brasil, já que 85% da produção nacional é
exportada. O Brasil já vem reduzindo o consumo interno há algum tempo. Então, é
preciso que se pare de dizer que plantar fumo é bom para o país, porque não é.
IHU On-Line –
Quais são as alternativas para os agricultores que hoje se dedicam à plantação
de fumo?
Tânia
Cavalcante – A filosofia desse programa é de que não existe um produto mágico. Em nível mundial existe um grupo de
trabalho dedicado a estudar essa questão no intuito de orientar os países
produtores quanto à implementação de novos produtos.
A visão é de
que é preciso analisar localmente as
plantações. Mais do que isso, é preciso ter uma organização para que as novas produções venham a ser dadas como
alternativas ao fumo, para que tenham um escoamento, uma logística de comércio.
É preciso que o agricultor seja também
recapacitado para lidar com outros tipos de produção, buscando autonomia na
gestão de sua terra, porque hoje ele é tutelado pelas grandes empresas de fumo,
e não tem liberdade em termos de gerenciamento. Faz parte desse processo de
alternativas ao fumo uma série de elementos: a questão da garantia da comercialização, da capacitação do agricultor,
do resgate de sua autonomia.
No município
de Dom Feliciano, no Rio Grande do Sul,
o prefeito decidiu implementar esse programa, e existem vários exemplos de que
é possível mudar a produção com uma rentabilidade tão grande ou até maior do
que a do fumo. As produções de uva,
pepino e leite estão sendo observadas como alternativas à fumicultura.
IHU On-Line –
Quais são hoje as principais políticas para prevenir e evitar o consumo de
tabaco no Brasil?
Tânia
Cavalcante – No Brasil já têm grandes
ações como a proibição da propaganda, que até os anos 2000 era ainda permitida.
Aliás, a partir de 2000 ela foi
totalmente proibida nos grandes meios de comunicação. Em 2011, conseguimos avançar mais ainda, e
proibimos totalmente a propaganda, inclusive nos pontos internos de venda.
Essa é uma grande conquista nacional, porque sabemos que a propaganda faz a diferença em termos de captar novos consumidores.
Também conseguimos proibir o patrocínio
de eventos culturais e esportivos por marcas de cigarros, inclusive de Fórmula
1. Há também aquelas advertências
com fotos nas embalagens. Dados do IBGE
mostram que 65% dos fumantes brasileiros se sentem mais motivados a deixarem de
fumar quando veem as fotos nas embalagens de cigarros.
Outra grande
conquista foi a instalação da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa no Brasil, em 1999. Ela surgiu com a missão de regular os produtos
do tabaco, e a partir daí tivemos importantes conquistas. Entre algumas
dessas conquistas está a proibição dos
termos “light”, “ultralight” nos cigarros. Entre as conquistas mais
recentes, está a proibição dos aditivos que dão sabores aos cigarros,
conquistada depois de dois anos de intenso debate, em que a indústria do tabaco
criava uma ação de desinformação, tentando jogar os fumicultores contra a
Anvisa. Essa é uma medida importantíssima, porque ajuda a prevenir a iniciação
entre jovens. Obviamente a resistência foi enorme, porque a normativa fere um
dos pilares da lucratividade desse setor, que é a sua capacidade de captar
novos consumidores entre os adolescentes. Outra medida importante é o tratamento
para deixar de fumar, que vem sendo implantado desde 2004 na rede do Sistema
Único de Saúde – SUS. É uma resposta que o governo precisa dar àqueles fumantes
que vêm sendo pressionados pelas novas leis e pelas famílias para deixarem de
fumar.
O Brasil também tem uma lei que proíbe as
pessoas de fumarem em ambientes coletivos. Essa lei ainda precisa ser
regulamentada por um decreto presidencial que vai definir os parâmetros para a
fiscalização dessa proibição. Então, estamos aguardando isso para que a rede de
vigilância sanitária possa fiscalizar essa medida o mais breve possível.
IHU On-Line –
Segundo notícias da imprensa, o BNDES
emprestou 336 milhões de reais à agroindústria do fumo nos últimos cinco anos,
e somente 22,4 milhões de reais para ajudar pequenos fumicultores a
diversificar as culturas agrícolas. Como compreender esses dados e o
incentivo público em empresas que produzem produtos que geram diversos
problemas de saúde?
Tânia
Cavalcante – Existe dentro do governo
certa incoerência em algumas questões, e essa é uma delas. Mas hoje, por exemplo, o Ministério da Fazenda
e a Receita Federal são grandes aliados na implementação da Convenção-Quadro.
O artigo 6º da Convenção é de responsabilidade do Ministério da Fazenda, e no
ano passado a presidente Dilma decidiu encaminhar uma medida provisória para o
governo, a Medida Provisória n. 540, que desonera alguns setores produtivos,
com o objetivo de enfrentamento da crise econômica, e que transferia parte
dessa desoneração para o setor de fumo. Então, houve um aumento de impostos
sobre a fumicultura, que impactou também no aumento do preço dos cigarros.
Entretanto, a
dificuldade de realizar acordos com
outros setores do Estado não é um problema somente do Brasil; isso acontece no
mundo inteiro. Faltam ajustes finos, no sentido de termos mais recursos
para promover alternativas ao fumo.
IHU On-Line –
A que atribui o alto consumo de cigarros? É possível traçar um perfil dos
usuários?
Tânia
Cavalcante – Hoje o tabagismo no Brasil
se concentra na população de menor renda e menor escolaridade, e na população
rural a concentração também é maior. E provavelmente essa situação reflete
talvez a forma de não equidade das ações, em termos de não conseguir alcançar
essas populações nas ações nacionais. Estamos procurando caminhos que nos
ajudem a chegar nessas populações para protegê-las da interferência das ações
de marketing e das ações que são usadas de forma bastante capilar pelas
empresas de tabaco para seduzir as pessoas. Hoje, 80% do consumo de produtos do
tabaco acontecem nos países em desenvolvimento, o que reflete exatamente a
vulnerabilidade que essas populações têm quando não existem políticas.
IHU On-Line –
Deseja acrescentar algo?
Tânia
Cavalcante – Esqueci-me de mencionar a redução
do tabagismo entre as mulheres. Havia uma prevalência do tabagismo de 32% em
1989, considerando a população acima de 15 anos. O último dado internacional é de 2008, e demonstra que esse percentual
caiu para 17,2%. Houve sim uma redução tanto entre homens como entre mulheres,
mas o que se observa mais recentemente no fator de risco e doenças crônicas,
através de dados do Vigitel – um sistema de vigilância por telefone, coordenado
pelo Ministério da Saúde –, é que houve uma estagnação dessa queda entre
mulheres, enquanto entre os homens a queda continua.
Outro aspecto importante de relatar é que essa
queda do tabagismo no Brasil já se reflete na queda das doenças crônicas não
transmissíveis e das mortes por doenças crônicas não transmissíveis. Houve uma redução, entre 1996 e 2007, de 20%.
Foi uma redução significativa.
Fonte: ISAGS
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