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domingo, 7 de outubro de 2012

A difícil tarefa na regulamentação do trabalho infantil artístico



Será que existe interesse na regulamentação desse trabalho? A medida é defendida por educadores, psicólogos, assistentes sociais e diversos profissionais que conhecem, de perto, as condições a que são submetidas crianças e adolescentes que sonham em ingressar no mundo artístico. A angústia durante a seleção de candidatos, a frustração dos excluídos, a pressão durante as gravações e exibições ao vivo, as longas jornadas e os prejuízos na frequência e rendimento escolares são vivenciados diariamente por milhares de crianças e adolescentes brasileiros.

Para o juiz do Trabalho aposentado e professor de Direito Oris Oliveira impõe-se a regulamentação do trabalho artístico infantil. "A complexidade é tão grande e os problemas emergentes tão delicados que não se pode se contentar com remeter-se às normas celetistas ou às genéricas do ECA", fazendo necessária uma "regulamentação elaborada com visão multidisciplinar da matéria".
Mas ele ressalta que a normatização não exclui a responsabilidade da família no acompanhamento dos menores que se aventuram na área artística. "Não se deve deduzir ser dispensável a atuação do poder-dever familiar a tudo que diga respeito ao trabalho dos filhos. Os pais devem previamente se informar sobre onde os filhos vão trabalhar, em que condições, assisti-los na celebração do contrato, exigir sua extinção se prejudicial a qualquer título."
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Siro Darlan defende a importância de conciliar o texto legal com a realidade cultural e social do país. "Criança tem o direito de estudar e brincar; adolescente de estudar e ser preparado para o exercício pleno da cidadania e isso inclui a educação para o trabalho, sob pena de ser alijado do mundo competitivo." Ele alerta para o fato de que privar crianças de direitos básicos, como educação e lazer, contribui para o aumento das diferenças de oportunidades profissionais entre os mais pobres e os mais ricos.
Congresso
Pelo menos uma proposta legislativa sobre o tema tramita no Congresso Nacional. O Projeto de Lei nº 83/2006, de autoria do senador Valdir Raupp, está na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. O PL fixa a idade mínima de 14 anos para o trabalho como ator, modelo e similares, com autorização apenas da família ou do representante legal. Já os menores de 14 anos necessitariam de autorização judicial para o trabalho.
Mas a proposta ainda não é suficiente, na avaliação do procurador do Trabalho Rafael Marques. "É um PL tímido, que peca por não incluir aqueles parâmetros de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes", avalia.
A competência para expedir alvarás de trabalho infantil prevista no artigo 406 da CLT é alvo de outro projeto, desta vez da Câmara dos Deputados. Em maio último, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) propôs o Projeto de Lei nº 3.974/2012, que pretende transferir à Justiça do Trabalho a competência para análise dos pedidos.
Para o deputado, em que pese a legislação vigente conferir esta competência ao juiz da Vara da Infância e da Juventude, a matéria é de cunho eminentemente trabalhista, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho, especialmente após a ampliação ocorrida com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
A alteração é defendida também pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), e pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti).
Na opinião do procurador Rafael Marques, o PL cumpre algo já posto desde a Emenda 45, a qual ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar todas as causas advindas da relação de trabalho. "Creio que as autorizações para o trabalho infantil se põem neste contexto", afirmou, considerando, ainda, ser um projeto muito bem vindo, por aclarar o alcance da referida Emenda Constitucional.
Ele entende que a Justiça do Trabalho está aparelhada para analisar os pedidos de autorização para o trabalho infantil artístico, pois já lida com questões envolvendo relações de trabalho e seus riscos para a saúde e segurança do trabalhador.
Oris de Oliveira também defende a competência da Justiça do Trabalho para análise dos pedidos. Apesar da longa tradição brasileira - consolidada no Código de Menores de 1927 – de levar todas as questões referentes aos menores, ao Juizado da Infância e Juventude, para o professor e juiz do Trabalho aposentado, após a EC nº 45/2004 "havendo conflito de interesse em qualquer modalidade de trabalho nas representações artísticas de crianças e adolescentes, que exija intervenção da Justiça, a competência é do juiz trabalhista".
Trabalho Infantil
Embora o artigo 7º, XXXIII da Constituição Federal proíba o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos; e qualquer trabalho a menores de 16 - salvo como aprendiz, a partir de 14 anos -, em um passado não muito distante, a situação das crianças era bem pior.
Ocorreram grandes avanços na legislação brasileira. Para se ter ideia, no século XIX, uma criança com oito anos podia trabalhar em fábrica de tecidos, de acordo com o Decreto nº 1.313 de 1891 que, apesar de limitar a idade mínima em 12 anos, admitia o trabalho a partir de oito anos, na função de aprendiz, nas fábricas de tecidos.
Essa realidade começou a mudar somente em 1924, com a Declaração dos Direitos da Criança, pela Liga das Nações, considerada um avanço nos direitos infantis. Com a publicação em 1959 da Declaração dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU) esses direitos foram ampliados.
O artigo 9 da Declaração dispõe, dentre outros, que a criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e exploração e não será permitido seu trabalho antes de uma idade mínima adequada. "Em caso algum será permitido que a criança se dedique, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral."
O mesmo Organismo, 30 anos depois, em 1989, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente (artigo 32), previu a obrigatoriedade de o Estado proteger a criança do trabalho que constitui uma ameaça à saúde, educação, e desenvolvimento. Estabeleceu idades mínimas para a admissão em emprego e regulamentou as condições permitidas para o trabalho do menor.
Flexibilização para trabalho artístico
No Brasil o trabalho infantil é proibido para menores de 14 anos, segundo o inciso I, § 3º do artigo 227 da Constituição Federal. Também a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no artigo 403 o proíbe para menores de 16, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14.
Embora a proibição se estenda a todas as formas de trabalho, quanto ao artístico infantil, existe uma flexibilização, prevista no artigo 406 da CLT, segundo o qual, o juiz de Menores poderá autorizar o trabalho em empresas circenses - como acrobata, saltimbanco e ginasta – e na produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas e quaisquer outras. Desde que a representação artística tenha fim educativo ou a peça de que participe não prejudique sua formação moral.
Lançando mão desse artigo alguns veículos de comunicação, especialmente a televisão e o cinema contratam crianças com idade inferior à prevista na legislação para trabalhar como atores. Também é possível vê-las atuando como modelos, contratadas pelas agências de moda e de publicidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), no artigo 149, dispõe que compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a participação de criança e adolescente em espetáculos públicos e concursos de beleza. Contudo, a autoridade deverá considerar as peculiaridades locais, a existência de instalações adequadas, a adequação do ambiente à eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes, entre outras coisas.
Autorizações
O procurador do Trabalho Rafael Marques explica que a Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre a idade mínima de admissão ao emprego, ratificada pelo Brasil, admite a possibilidade de trabalho artístico para menores de 16 anos, em situações excepcionais, individuais e específicas. Mas também especifica a necessidade de licença ou alvará individual, o qual deverá definir em que atividades poderá haver o trabalho e quais as condições especiais.
A psicóloga Mônica Soares Cazzola lembra que esse alvará individual "é utilizado geralmente nos casos do trabalho de ator e atriz nas novelas, ou de participações de menores na mídia televisiva em geral". No caso de atuação de crianças em matéria publicitária ou em figuração nos canais de televisão, "utiliza-se um mero termo de cessão de uso de imagem assinado pelos pais", afirmou.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) admite a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios, desde que a autoridade competente observe entre outros pontos, o tipo de frequência habitual ao local, o horário da atividade a ser realizada e a manutenção da frequência à escola.
Justiça e Ministério Público impõem restrições
Uma recomendação conjunta será editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecendo os requisitos necessários à concessão de autorização excepcional para o trabalho infantil artístico, a menores de 16 anos, conforme prevê a Convenção 138 da OIT. Deverão ser observadas condições muito específicas que garantam a proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
A proposta é decorrente do I Seminário Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil realizado pelo CNMP, em Brasília, no dia 22 de agosto, em parceria com a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Cerca de 150 membros do Ministério Público de todos os ramos, juízes, defensores públicos e representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da Secretaria de Direitos Humanos se dividiram em grupos para propor ações de combate ao trabalho infantil.
Propuseram também, a solicitação de manifestação técnica do Ministério do Trabalho e Emprego, quando a autoridade judiciária entender necessária, nos processos judiciais de autorização para trabalho infantil artístico, como elemento de convencimento do juiz, sobre a regularidade da situação. Manifestaram ainda que deve haver proibição de toda e qualquer forma de trabalho infantil artístico que conduza à erotização precoce; com conteúdo de pornografia infantil, considerando nas duas hipóteses, o prejuízo psicológico que a atividade proporciona. Estimularam o CNMP e o CNJ a tornarem permanente um foro interinstitucional de discussão sobre o tema do trabalho infantil.
TST e sociedade discutem medidas de proteção a crianças e adolescentes
Na próxima semana, a partir de terça-feira (9), o Tribunal Superior do Trabalho começa a discutir com a sociedade temas de séria relevância no combate ao trabalho infantil. E o trabalho artístico será amplamente analisado pelos ministros juntamente com especialistas.
O Seminário Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho é a primeira ação da Comissão Nacional de Trabalho Infantil instituída este ano pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Tribunal Superior do Trabalho.
No segundo dia do evento cinco especialistas participam do painel "Trabalho infantil esportivo e artístico: conveniência, legalidade e limites": a advogada Sandra Regina Cavalcante, Antônio Galvão Peres (advogado e Doutor em Direito do Trabalho pela USP), o professor Marcelo Pato Papaterra, Carlos Eduardo Ambiel (advogado e mestre em Direito do Trabalho), e o coordenador Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do MPT, Rafael Dias Marques.
O seminário é o primeiro passo de um conjunto de ações que agora integram as prioridades do TST e CSJT, e ocupa o lugar de marco histórico pelas dimensões e importância dos temas que serão tratados em três dias de intenso debate.
(Lourdes Cortes / RA)
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