Publicado
24/03/2017 06h00, última modificação 24/03/2017 00h11
Baratear a mão-de-obra reduz o consumo no
mercado doméstico, alerta o presidente da
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
Um
dossiê da Central Única dos Trabalhadores (CUT), preparado por técnicos do
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
revela o cenário tormentoso das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o estudo mostra que os
terceirizados recebem salários 24,7% menores que aqueles dos efetivos, permanecem
no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas maiores.
Presidente
da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ângelo Fabiano Farias da
Costa alerta ainda para o maior risco de acidentes laborais e calotes
trabalhistas.
Embora
os defensores da terceirização sustentem que a medida possa reduzir custos para
empresas sem afetar os direitos dos empregados, a matemática do patronato não
parece fazer sentido. “Se eu pago
determinado valor ao funcionário e coloco um intermediário nessa relação, não
tem como ficar mais barato sem perdas para o trabalhador. A empresa prestadora
de serviço evidentemente visa o lucro. O trabalhador só custará menos com
arrocho salarial e supressão de direitos”, diz Costa.
O
procurador observa, ainda, que a terceirização é uma opção ruim para a economia
nacional. “Ao reduzir a renda dos
trabalhadores, você retira poder de compra das famílias, prejudica o mercado
doméstico. Pode até comprometer a arrecadação do Estado”.
CartaCapital:
Ao defender a terceirização, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que o
excesso de leis no Brasil gera desemprego. O que dizer sobre a fala do
deputado?
Ângelo
Fabiano Farias da Costa: Não é de hoje que ele demonstra desprezo pelos
direitos do trabalhador. Chegou a dizer que a Justiça do Trabalho não deveria
nem existir. Infelizmente, Maia pautou esse projeto, que estava esquecido nas
gavetas do Congresso desde o governo FHC. Não tenho dúvidas de essa proposta,
aprovada sem qualquer discussão com a sociedade, só trará prejuízos ao País.
CC: O
que os processos trabalhistas revelam sobre as condições do terceirizado?
AFFC:
Com base em nossa atuação em diversos processos trabalhistas por todo o País,
seja em casos de terceirização lícita ou ilícita, posso garantir que o terceirizado tem sido tratado como
trabalhador de segunda categoria. Ganha
menos, tem jornadas maiores e estão muito mais vulneráveis a acidentes de
trabalho. De cada cinco acidentes
com morte, quatro são com terceirizados. Não há um controle efetivo por parte da tomadora de serviços em relação
à empresa prestadora, no que diz respeito ao cumprimento das obrigações
trabalhistas. É comum ver esses trabalhadores serem vítimas de calotes.
CC: Os
calotes trabalhista são recorrentes entre os terceirizados no setor público,
não?
AFFC:
Exatamente. E o projeto aprovado pela Câmara não faz qualquer vedação à
terceirização de serviços públicos. Os riscos são enormes. Em vez de abrir
concursos públicos, os governos vão terceirizar tudo o que podem. As
prestadoras de serviços podem ser coagidas a contratar apadrinhados do
governante de plantão. Não é segredo para ninguém que muitos políticos usam
empregos em troca de votos, sobretudo nos pequenos municípios. O fim dos
concursos é ainda um incentivo à corrupção. O trabalhador que entra no serviço
público por favor político só tem compromisso com quem o colocou lá.
CC:
Dizem que a terceirização pode contribuir para a especialização da mão-de-obra.
AFFC: É
um discurso falacioso. Os processos trabalhistas raramente atingem prestadores
de serviços especializados. O que se pretende é abrir a porteira para a
terceirização irrestrita, permitir que grandes empresas operem sem um único
trabalhador em sua folha de pagamento. E a tomadora de serviços estará
absolutamente protegida, porque ela sabe que só tem responsabilidade
subsidiária. Ou seja, só será atingida por débitos trabalhistas se todo o
patrimônio da prestadora não for suficiente para quitar as dívidas em caso de
falência. É uma desconstrução total do direito do trabalho.
CC: Os
defensores da terceirização dizem que a medida irá baratear o custo da
mão-de-obra sem comprometer os direitos dos trabalhadores.
AFFC: É uma questão matemática. Se eu pago
determinado valor ao funcionário e coloco um intermediário nessa relação, não
tem como ficar mais barato sem perdas para o trabalhador. A empresa prestadora de serviço
evidentemente visa o lucro. O trabalhador só custará menos com arrocho salarial
e supressão de direitos.
Além
disso, é uma opção ruim para a economia. Ao reduzir a renda dos trabalhadores,
você retira poder de compra das famílias, prejudica o mercado doméstico. Pode
até comprometer a arrecadação do Estado. Vendida como solução para a crise, a
terceirização tende a agravá-la. Outra balela é dizer que a medida vai reduzir
o desemprego. Assim que a lei entrar em vigor, muitos trabalhadores serão
demitidos e, na sequência, recontratados por outra empresa, com salários e
benefícios reduzidos.
Fonte:
https://www.cartacapital.com.br/politica/vendida-como-solucao-para-a-crise-a-terceirizacao-tende-a-agrava-la
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