O princípio
da liberdade sindical, que veda a interferência e a intervenção do Poder
Público na organização dos sindicatos (CF, art. 8º, I), deve ser interpretado
em harmonia com os fundamentos e propósitos da República Federativa do Brasil,
insculpidos nos artigos 1º e 3º da Lei das Leis, à luz do regime democrático do
Estado de Direito vigente e do princípio republicano (CF, art. 1º, par. único e
art. 2º), bem como em conformidade com os postulados da função social da
propriedade (CF, arts. 5º, XXIII e 170, III) e da exigência da probidade e da
boa-fé objetiva (CC, arts. 187, 421 e 422).
Com efeito, a liberdade estrutural
e organizacional de que são investidos os sindicatos não pode exorbitar os
limites e princípios impostos pela própria ordem constitucional imanente ao
Estado Social e Democrático de Direito, nem resvalar em abuso ou deturpação das
funções institucionais para as quais foram idealizados, em contrariedade aos
bens supremos da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e aos
ditames da justiça social. Na conclusão certeira de WAGNER JOSÉ PENEREIRO
ARMANI, “a liberdade sindical não se confunde com soberania sindical, devendo a
entidade ter autonomia plena na busca da sua finalidade, dentro dos limites da
legalidade e legitimidade, respeitando também a dignidade da pessoa humana do
trabalhador”, até porque “se não fosse construída sobre esse fundamento dos
direitos e da dignidade da pessoa operária, a organização sindical ou
cooperativa se arriscaria por sua vez a degenerar em tirania.”
Sob este prisma,
como contraponto às garantias sindicais de que são dotadas, inclusive face à
delegação estatal do exercício anômalo do poder tributário, além da imunidade
tributária assegurada em relação aos seus bens, rendas e serviços e do
monopólio da representação sindical por categoria, emerge para os dirigentes
das organizações sindicais a responsabilidade social pelos atos e omissões
praticados na condução administrativa e financeira da entidade, de acordo com
os princípios da moralidade e probidade típicos da gestão da coisa pública.
É
que além da relevância social embutida na atividade sindical, as receitas que
compõem o patrimônio das organizações sindicais, nos termos do artigo 548 da
CLT, revestem-se de nítido caráter público, seja pela natureza parafiscal da
contribuição sindical compulsória instituída nos artigos 578 e 579 da CLT, seja
porque arrecadadas para o atendimento dos interesses comuns dos trabalhadores
contribuintes (CLT, art. 549), o que acaba por equiparar o dirigente sindical
aos agentes públicos, na inteligência do artigo 552 da CLT, combinado com os
artigos 1º (parágrafo único) e 2º da Lei 8.429/92.
Ademais, a atuação da
associação sindical sempre deve se conformar com a relevante missão que lhe foi
constitucionalmente atribuída e que é voltada à defesa dos direitos e
interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais e administrativas, nos moldes do artigo 8º, inciso III, da CF e que
funciona como verdadeiro limite e vetor da conduta dos dirigentes sindicais,
até porque eleitos justamente para fazer frente às reivindicações e aos
interesses sociais dos trabalhadores da categoria que representam. Nestas
condições, tanto o mandato eletivo quanto o patrimônio sindicais estão
umbilicalmente vinculados a um único objetivo específico: a consecução do
interesse comum da categoria profissional representada.
É exatamente sob este
aspecto que reside a analogia com o agente público, cuja atuação também deve
estar pautada na promoção e realização do bem comum, embora sob um espectro
mais ou menos amplo e generalizado, a depender da esfera de governo envolvida.
Por isso mesmo que, na qualidade de gestor de recursos públicos no desempenho
de atividade de evidente relevância social, a atuação do dirigente sindical
também está sujeita ao controle de legalidade, moralidade e finalidade, seja
por parte dos próprios trabalhadores diretamente interessados, seja por parte
do Ministério Público, a quem incumbe zelar pelo efetivo respeito dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia, a teor do artigo 129, inciso
II, da Lei das Leis.
A relevância pública que caracteriza os serviços prestados
pelas organizações sindicais se depreende do próprio rol de mecanismos de
defesa que lhes são outorgados para a defesa dos trabalhadores representados, a
exemplo da legitimação ativa para o mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º,
LXX), para a ação civil pública e coletiva (Lei 7.347/85, art. 5º, V), bem como
para as ações diretas de inconstitucionalidade e de declaração de
constitucionalidade (CF, art. 103, IX); da prestação da assistência judiciária
gratuita (Lei 5.584/70, art. 14); da participação obrigatória nas negociações
coletivas de trabalho (CF, art. 8º, VI); do poder normativo na celebração de
acordos e convenções coletivas de trabalho (CF, art. 7º, XXVI), notadamente na
negociação e até redução salarial (CF, art. 7º, VI), bem como na flexibilização
da jornada laboral (CF, art. 7º, XIII e XIV); da titularidade ativa para a ação
de cumprimento (CLT, art. 872, par. único); da iniciativa de convocação de
greve (Lei nº 7.783/89, arts. 4º e 5º); da reclamação administrativa fundada na
falta ou recusa de anotação da CTPS dos trabalhadores (CLT, art. 36); da
homologação da rescisão dos contratos de trabalho superiores a um ano (CLT,
art. 477, §1º); da representação para denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas da União (CF, art. 74, §2º), dentre outros.
Aliás,
a atuação sindical goza de tamanha expressão social que mereceu atenção
inclusive do Direito Internacional, no âmbito do qual foi alçada ao status de
direito humano do trabalhador, contando com proteção específica em múltiplos
diplomas internacionais que integram e complementam o ordenamento jurídico
brasileiro, com força supranacional (CF, art. 5º, §§2º e 3), como por exemplo:
a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho (art. 02); a Convenção 98 da OIT sobre o
Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva; a Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948 (art. 23.4); o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos (art. 22); o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais
e Culturais (art. 8); a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 16) e
o Protocolo de San Salvador, adicional ao Pacto de San José da Costa Rica (art.
8), além da Convenção 87 da OIT sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do
Direito de Sindicalização, que malgrado não ratificada pelo Brasil, serve ao
menos como princípio norteador ao operador do direito. Assim, uma vez
descortinado o precioso mister reservado às organizações sindicais e a
finalidade social para a qual foram instituídas, fica fácil perceber a exata
dimensão da autonomia e da liberdade sindicais que o Poder Constituinte lhes
garantiu na Constituição Federal de 1988.
Neste panorama, revela-se elucidativa
a classificação da liberdade sindical proposta por ARMANI, segundo quem: “Na
dimensão conceitual, liberdade sindical expressa os níveis através dos quais se
concretiza a liberdade coletiva, que é a dos grupos formalizados ou
informalizados; a liberdade individual, que é das pessoas e o seu direito de
filiar-se ou desfiliar-se de um sindicato; e o relacional, no sentido de ser
uma liberdade exercida perante o Estado, o empregador e, até mesmo, outras
entidades sindicais. Sob o prisma da liberdade sindical individual podemos
destacar a liberdade constitutiva (criar sindicatos) e liberdade de filiação positiva
(livre filiação) e negativa (possibilidade de não filiação).
Quanto à liberdade
sindical coletiva destacamos a liberdade de associação (direito de
sindicalização – criação de sindicatos), a liberdade de organização
(estruturação), liberdade de administração (organização interna) e a liberdade
de exercício das funções (defesa de direito e busca de suas finalidades).” De
acordo com as lições ora transcritas, a vedação à interferência estatal
prevista no inciso I do artigo 8º da Constituição Federal refere-se à liberdade
sindical coletiva, que além da liberdade de associação e de criação de
sindicatos, compreende: a liberdade de organização, relativa ao direito de
auto-estruturação; a liberdade de administração, que envolve sua organização
interna; e a liberdade no exercício das suas funções institucionais, vale
dizer, na defesa dos trabalhadores da categoria que representa.
Nesta
perspectiva, a liberdade de organização e autonomia sindical asseguradas na
Constituição Federal não abrangem, por óbvio, a licença indiscriminada e
arbitrária para uma atuação sindical alheia às finalidades sociais e
institucionais que lhes são inerentes ou com deturpação ou abuso das garantias
da unicidade sindical, da imunidade e do poder tributários ou mesmo com a
malversação do patrimônio sindical, em manifesta contradição com os princípios
sobre os quais se assentam o Estado Democrático de Direito, que consoante a
letra do preâmbulo constitucional, é destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
É neste
contexto que, na qualidade de defensor da ordem jurídica e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis na seara trabalhista, emerge a legitimidade
do Ministério Público do Trabalho para o controle da atividade sindical,
inclusive sobre a gestão administrativa e financeira da entidade, contra
eventual lesão ou ameaça de lesão à coletividade de trabalhadores integrantes
da categoria envolvida. Nesse sentido se orienta a Câmara de Coordenação e
Revisão do Ministério Público do Trabalho, conforme se verifica do precedente
colhido do Processo Administrativo nº 9945/2009: “Os atos que importem em
malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades
sindicais, por estarem equiparados ao crime de peculato (art. 552, CLT) e serem
possíveis de acarretar a destituição de diretores ou de membro de conselho (alínea
(c), artigo 553, CLT), afetando a representatividade disposta no inciso III,
artigo 8º, da Constituição da República, assim como por atraírem a aplicação
das disposições sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos por atos de
improbidade (Artigo 1º, § único, c/c artigo 7º, Lei nº 8.429, de 2 de junho de
1992), são de interesse público tutelável pelo parquet trabalhista.”
Essa
atribuição específica do Ministério Público do Trabalho no combate à
improbidade administrativa sindical resulta da exegese concatenada dos artigos
127 e 129 (II, III, IX) da CF e dos artigos 83 (I e III) e 84 (II, III e V) da
Lei Complementar 75/93, combinados com o artigo 114 (III) da CF e com os
artigos 17 e 22 da Lei 8.429/92, por ser o ramo ministerial com atuação vocacionada
à defesa do ordenamento jurídico de proteção do trabalhador. Aliás, com o
advento da 45ª Emenda à Constituição da República, o Superior Tribunal de
Justiça, a quem compete decidir os conflitos de competência suscitados entre
juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art. 105, I, d), já se pronunciou
sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas que
versam sobre improbidade administrativa de diretores de sindicatos, consoante
se entrevê do seguinte julgado assim ementado: “Conflito de competência – Ação
de improbidade administrativa – Afastamento da diretoria – Reflexo na
representação sindical – Competência da Justiça do Trabalho. 1- Após a edição
da EC 45/2004, as questões relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda
que esbarrem na esfera do direito civil, estão afetas à competência da Justiça
do Trabalho, pois se trata de matéria que tem reflexo na representação
sindical. Precedentes. 2- Entendimento que se estende à hipótese de ação de
improbidade administrativa, em que se pretende afastar a diretoria de
sindicato, implicando em reflexo na representação sindical. 3- Conflito de
competência provido para declarar competente o Juízo da 6ª Vara do Trabalho de
São Luís - MA.” (CC 59.549-MA, Relatora Ministra Eliana Calmon, j. 23.8.2006).
Por simetria, o Tribunal Superior do Trabalho ratifica a legitimidade do
Ministério Público do Trabalho para o questionamento da lisura da administração
das receitas e do patrimônio sindicais em sede de ação civil pública, de acordo
com posicionamento firmado no seguinte precedente: “Recurso de Revista. Ação
Civil Pública. Ministério Público do Trabalho Legitimidade.
O artigo 83, III,
da Lei Complementar 75/93 confere legitimidade ao Ministério Público do
Trabalho para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho,
para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos. E o trabalho inclui-se entre os direitos
sociais constitucionalmente garantidos, nos termos do artigo 6º da CF.
Assim,
questões que envolvam a lisura da administração das receitas e do patrimônio do
Sindicato profissional são efetivamente direito social, porque vinculadas ao
trabalho; e coletivo, porque envolve toda a categoria, estando, portanto, legitimado
o Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento da Ação Civil Pública, nos
exatos termos do dispositivo de lei mencionado. Recurso de revista não
conhecido.” (Processo TST-RR-113200-30.2009.5.11.0004, 3ª Turma, Relatora
Desembargadora Convocada Maria Graças Silvany Dorado Laranjeira, j.
07.08.2012).
A esse propósito, importa dizer que o Ministério Público do
Trabalho guarda alto apreço pelos sindicatos e demais organizações sindicais,
até porque suas funções institucionais muito se assemelham ou até se
identificam com as atribuições sindicais na tutela dos interesses sociais
constitucionalmente garantidos à classe operária, o que inclusive justifica a
legitimação concorrente entre ambos para o manejo de alguns instrumentos, como
por exemplo, no caso da titularidade ativa da ação civil pública ou coletiva.
Prova desse prestígio é a instituição da Coordenadoria Nacional de Promoção da
Liberdade Sindical, criada pela Portaria 211/2009 emanada da Procuradoria Geral
do Trabalho, elegendo a liberdade sindical dentre os oito programas de atuação
prioritária do Ministério Público do Trabalho, com a missão de “atuar em defesa
da liberdade sindical e buscar a pacificação dos conflitos coletivos de
trabalho, devendo, para tanto, promover atividades extrajudiciais e judiciais
para garantir a democracia sindical, combater os atos antissindicais, assegurar
o direito de greve, atuar como mediador ou árbitro nos conflitos coletivos de
trabalho e incentivar a negociação coletiva como forma de melhoria das condições
sociais dos trabalhadores” (RI, art. 1º).
Mas, justamente para estimular o
fortalecimento dos sindicatos autenticamente comprometidos com os interesses
sociais dos trabalhadores, é que o Ministério Público do Trabalho volta seu
olhar para as organizações sindicais constituídas ou “comandadas” por
dirigentes infiéis à função social do mandato para o qual foram eleitos. Até
porque o aproveitamento da entidade sindical para a obtenção de fins espúrios e
contrários aos interesses da categoria importa consequências danosas a toda a
coletividade de trabalhadores que ela integra, ferindo a presunção de
legitimidade e boa-fé que deve presidir a atuação sindical, além de frustrar
todas as expectativas de melhorias das condições de trabalho depositadas no
dirigente sindical eleito.
Na visão do Procurador do Trabalho OLIVEIRA NETO, em
artigo intitulado Improbidade Sindical: “A responsabilização de dirigentes
sindicais também decorre do princípio da liberdade sindical, ao passo que se
deve afastar da atividade sindical aquele que não contribui para a efetivação
da liberdade sindical. Especificamente, aquele que transforma a entidade
sindical em mero ente arrecadador, mas desprovido de atuação efetiva na busca
de melhores condições aos representados através do processo de negociação
coletiva. (...) Certamente, há o interesse dessa coletividade em afastar da
direção sindical indivíduos que pratiquem atos de improbidade; que atuem de
forma contrária aos interesses dos representados; que, enfim, pratiquem o
enriquecimento pessoal à custa das contribuições de trabalhadores e
empregadores.”
Ademais disso, a liberdade de associação elevada ao patamar de
direito fundamental no artigo 5º, XVII, da CF, só é plena quando constituída e
conduzida “para fins lícitos”, o que significa que a ilicitude da atuação dos
dirigentes na gestão sindical acarreta a perda da liberdade sindical, abrindo
margem para a intervenção do Estado e/ou dos próprios trabalhadores
interessados, mediante o exercício do direito de acesso à justiça (CF, art. 5º,
XXXV) e/ou do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV). Nesta senda, merecem
destaque as penalidades previstas na própria CLT para o dirigente culpado por
prejuízos causados ao patrimônio sindical ou mesmo por ilegalidade, abuso ou
conduta incompatível com os interesses sociais da categoria na direção da
entidade sindical.
O artigo 530 da CLT prevê as seguintes causas de
inelegibilidade: os que não tiverem definitivamente aprovadas as suas contas de
exercício em cargos de administração; os que houverem lesado o patrimônio de
qualquer entidade sindical; os que não estiverem, desde dois anos antes, pelo
menos, no exercício efetivo da atividade ou da profissão dentro da base
territorial do sindicato, ou no desempenho de representação econômica ou
profissional; os que tiverem sido condenados por crime doloso enquanto
persistirem os efeitos da pena; os que não estiverem no gozo de seus direitos
políticos; má conduta, devidamente comprovada.
Por sua vez, o artigo 553,
alíneas “b” e “c”, da CLT estabelece, dentre outras, as penas de suspensão ou
até de destituição de diretores sindicais a depender da gravidade da conduta
lhes imputada: suspensão de diretores por prazo não superior a trinta dias;
destituição de diretores ou de membros de conselho.
Essas penalidades decorrem,
principalmente, do descumprimento da determinação categórica contida no artigo
549 da CLT, assim grafado: “A receita dos sindicatos, federações e
confederações só poderá ter aplicação na forma prevista nos respectivos
orçamentos anuais, obedecidas as disposições estabelecidas na lei e nos seus
estatutos.”
A literalidade desse dispositivo não deixa dúvidas quanto à
responsabilidade do dirigente sindical pela observância dos ditames legais e
estatutários na gestão das receitas e do patrimônio sindicais, sobretudo em
virtude do caráter público dos recursos que os compõem, cuja aplicação deve
sempre estar atrelada aos postulados da probidade, honestidade, transparência e
boa-fé objetiva (Lei 8.429/92, art. 4º e CC, arts. 187, 421 e 422).
Tanto assim
que, embora haja alguma celeuma sobre sua recepção pela Constituição Federal de
1988, o artigo 552 da CLT ainda equipara os atos que importem em malversação ou
dilapidação do patrimônio sindical ao crime de peculato. Independentemente
disso, nem se argumente que os artigos 530, 549 e 533 da CLT não teriam sido
recepcionados pela Constituição da República vigente a partir da consagração do
princípio da não intervenção estatal. Em verdade, apenas os dispositivos
celetistas que tratam do controle estatal sobre a atuação e procedimentos
interna corporis dos sindicatos, no incremento do poder de polícia inerente ao
Poder Público, é que não se compatibilizam com a nova ordem constitucional.
Em
sentido inverso, os dispositivos celetistas que regulamentam a atuação sindical
com vistas à proteção dos interesses dos trabalhadores foram sim acolhidos pela
novel Constituição Federal, e ainda ganharam com ela redobrada eficácia
normativa, na medida em que instrumentalizam e fornecem substrato legal para a
própria concretização dos direitos sociais constitucionalmente garantidos.
Nestas condições, considerando que os artigos 530, 549 e 533 da CLT constituem,
em sua essência, garantias instituídas em benefício e no interesse dos
trabalhadores representados pelas organizações sindicais, em clara sintonia com
o regime constitucional dos direitos sociais, não há como lhes negar plena
validade e eficácia por imposição da hermenêutica teleológica e axiológica
aplicada à luz do princípio da interpretação conforme a Constituição. Por outro
ângulo, as ações previstas nos artigos 14, §§9º e 10, 15 e 37, §4º da
Constituição Federal, constitucionalizadas como reflexo e garantia do Estado
Democrático de Direito, também podem ser invocadas por analogia para a
decretação da inelegibilidade, para a suspensão dos direitos políticos, para a
impugnação ou mesmo a cassação do mandato do dirigente sindical, além da
condenação ao ressarcimento do patrimônio sindical, com vistas a coibir ou
punir o abuso do poder econômico, a corrupção, a fraude ou o exercício ilegal
ou abusivo das prerrogativas sindicais.
A esse respeito, são dignas de
transcrição as seguintes conclusões destacadas de excerto do julgado acima
colacionado, oriundo do Tribunal Superior do Trabalho, em citação ao acórdão
objeto de impugnação naquele caso concreto, proveniente do Tribunal Regional do
Trabalho da 11ª Região: “(...) o exercício da democracia, também na esfera
privada, não se limita à eleição dos dirigentes de uma dada entidade ou
instituição, mas igualmente consiste na fiscalização dos atos de gestão ao
longo do mandato dos administradores, de modo que eventual desvio na condução
dos interesses do grupo, classe ou categoria, autoriza a deposição dos
eleitos.”
Já as sanções previstas nos artigos 5º, 6º, 7º e 12 da Lei 8.429/92
se estendem indistintamente ao dirigente sindical ímprobo, não por simples
aplicação analógica autorizada pelo artigo 8º da CLT, em reforço aos artigos 4º
e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (DL 4.657/42), mas
por determinação expressa do artigo 2º daquele primeiro diploma legal, lido em
cotejo com seu artigo 1º. É que conforme alhures mencionado, a natureza
tributária da contribuição sindical compulsória (CLT, arts. 578 e 579) que
incorpora o patrimônio sindical, na forma do artigo 548 da CLT, acaba por
equiparar o dirigente sindical a agente público, para fins de responsabilização
por atos de improbidade administrativa, em consonância com os referidos
dispositivos legais (Lei 8420/92, arts. 1º e 2º).
Por conseguinte, as condutas
praticadas por dirigentes sindicais que importem enriquecimento ilícito
decorrente da aferição de vantagem patrimonial indevida sob qualquer título, em
razão ou no exercício de cargo, mandato, função, emprego ou equivalente;
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que implique perda patrimonial,
desvio, apropriação ou dilapidação dos bens ou receitas da entidade sindical; e
bem assim a prática de ato atentatório contra os princípios da administração,
legitimidade e representatividade sindicais, com violação dos deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade à organização sindical, e
como tais tipificados como atos de improbidade, são passíveis de
responsabilização nos termos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei
8.429/92), sem prejuízo das sanções criminais eventualmente cabíveis.
É neste
horizonte, portanto, que como arauto do regime democrático e guardião dos
direitos e garantias fundamentais e sociais da classe obreira, notadamente do
direito à legítima representatividade sindical, consolida-se com todo o vigor a
atuação do Ministério Público do Trabalho no combate à improbidade
administrativa sindical, para assim fazer valer a efetividade e eficácia do
arcabouço jurídico de proteção dos trabalhadores, no cumprimento do objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil voltada à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I), focada na dignificação
humana e concretização dos valores sociais do trabalho (CF, art. 1º, III e IV).
____________________________
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
1. Este
artigo é de autoria de MARJORIE KATO BAGGIO MACIEL e foi apresentado como
requisito parcial para a conclusão de módulo em pós-graduação “lato sensu” da
Escola Superior do Ministério Público da União.
2. ARMANI,
Wagner José Penereiro. A dignidade da pessoa humana e a liberdade sindical na
Constituição Brasileira de 1988. Cadernos de Direito, Piracicaba, 7 (12-13):
41-18, janeiro a dezembro de 2007.
3. OLIVEIRA
NETO, Alberto Emiliano de. Improbidade sindical. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, número 3187, março de 2012.
Postado por
Daniel Baggio Maciel às sábado, setembro 21, 2013
Fonte:
http://istoedireito.blogspot.com.br/2013/09/improbidade-administrativa-no-ambito.html
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