Total de visualizações de página

Clique na imagem e se transforme

domingo, 10 de julho de 2016

Dirigentes sindicais se eternizam no poder

Dados do Ministério do Trabalho mostram que 8,5 mil dirigentes estão há mais de dez anos à frente de organizações
por Henrique Gomes Batista / Ruben Berta - 20/07/2015 6:00 / Atualizado 20/07/2015
Em 1990, Collor substituiu Sarney como presidente, trocando o Cruzado Novo pelo Cruzeiro e fazendo o confisco da poupança. A música mais tocada era “Evidências”, de Chitãozinho & Xororó, enquanto “Tieta” e “Rainha da Sucata" brilhavam na TV. No esporte: o Brasil sequer era tetracampeão do mundo e Neymar ainda nem tinha nascido. Em 1990, Alfredo Sampaio assumia a presidência do Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Saferj). Onde está até hoje.
Mais que um caso isolado, a situação de Alfredo é um dos retratos dos problemas que assolam o sindicalismo no país, tema da série de reportagens que O GLOBO inicia hoje, mostrando que as entidades criadas para a defesa de interesses coletivos dos trabalhadores muitas vezes têm sido usadas para objetivos particulares.
Representantes de quem?
Dados do Ministério do Trabalho apontam que havia, em 2014, ao menos 8.518 sindicalistas, incluindo cargos de presidente e diretores em geral, com mais de dez anos de mandato — no Poder Executivo só podem ficar oito anos no cargo. O número pode ser maior, pois falta transparência e uma série de entidades não fornece seus dados. Mais de 25 anos após a Constituição ter avançado para garantir a liberdade sindical, fundamental para lutas e conquistas dos trabalhadores, lacunas como a falta de transparência, fiscalização frouxa e a pouca representatividade deixam um caminho aberto para os abusos. Algumas centrais sindicais já reconhecem que é necessário pensar em novas normas. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) indica que as entidades não tem salvo-conduto e precisam ser fiscalizadas.
O sindicato dos atletas esbarra em outros problemas: falta de representatividade (Alfredo Sampaio é técnico e não atleta); nepotismo (seu filho é o diretor da academia da Saferj), e conflito de interesses (ele tem uma empresa de marketing esportivo).
Há casos também de enriquecimento ilícito e desvios de sindicatos, que muitas vezes são verdadeiras máquinas de ganhar dinheiro. Isso num universo de 10.620 entidades por onde, no ano passado, circularam R$ 3,18 bilhões apenas de Contribuição Sindical — o chamado Imposto Sindical — obtida com um dia de salário de todos os trabalhadores com carteira assinada.
Dirigente com um pé em Niterói e outro em Dubai
por Ruben Berta
Eram pouco mais de 17h da segunda-feira, dia 6 de julho, quando tocou o telefone na redação do GLOBO. Do outro lado da linha, estava a presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Niterói, Rita de Cácia Rodrigues Almeida. Horas antes, ela tinha sido procurada pela equipe de reportagem na sede da entidade, onde não era vista há quase duas semanas. No telefone, sua voz às vezes falhava, era ouvida muito baixa, como se estivesse ligando de um lugar bem distante. E estava.
— Alô, estou em Dubai com meu marido. Soube que você quer uma entrevista comigo, é isso? Vai passar ao vivo na televisão? Quero que seja ao vivo. Chego amanhã (terça) no Galeão então, voo previsto para 14h30m, para dar essa entrevista! — disse Rita.
A luxuosa cidade dos Emirados Árabes é a mesma onde a representante da categoria dos comerciários de Niterói e adjacências estava quando, em setembro do ano passado, foi o principal alvo de uma operação da Polícia Civil denominada Sindicato do Crime. A suspeita contra ela é de desvio de recursos de uma taxa paga por lojistas para a liberação do trabalho de seus funcionários durante os feriados. As investigações resultaram num processo criminal, que corre em segredo de justiça, cuja principal acusação é de apropriação indébita. Enquanto isso, Rita segue firme como presidente da entidade. Eleita em 2008, ela tem um mandato de nada menos do que 12 anos. Ou seja, se nada mudar, ficará, no mínimo, até 2020. E seguirá na ponte aérea Niterói-Dubai.
— “Sindicato do Crime” e eu estou solta... Achei isso o maior barato, uma história hilárica (sic)! Sabe o que é uma história hilárica (sic)? É essa. Eu vim aqui compor mais um pouquinho com a história hilárica (sic). Se você viesse com a polícia, algemas e provas para me entrevistar, você seria um bom repórter. Mas indagar? Pelo amor de Deus, eu pagaria a sua passagem para ir a Dubai, para me indagar no meu palácio! Não aqui no aeroporto! — bradou Rita no meio da entrevista que durou dez minutos e chamou a atenção até dos seguranças que estavam no saguão do Terminal 2 do Galeão.
Antes de o avião da Emirates Airlines pousar em solo carioca, três advogados já a esperavam no aeroporto para acompanhar a entrevista. E mais: ela ainda contratou um serviço de filmagem para registrar tudo.
— Você pode fazer a imagem que você quiser porque eu sou púbrica (sic). Como nós estamos fazendo de vocês (repórter e fotógrafa). Do mesmo jeito que vocês estão arquivando, a gente vai arquivar tudo também — garantiu ela.
SALÁRIO DE R$ 50 MIL
Apesar de o processo contra Rita de Cácia estar atualmente em segredo de justiça, o GLOBO teve acesso a uma cópia do inquérito que deu sustentação à Operação Sindicato do Crime. Além de levantar operações de compra e venda de imóveis que nos últimos anos atingiram valores de até R$ 5 milhões, os agentes também ouviram, em depoimento da própria sindicalista no início do ano passado, a afirmação de que recebia um salário de cerca de R$ 50 mil para presidir a entidade, “não podendo precisar porque houve um reajuste recente”. O assunto, obviamente, foi um dos temas da entrevista no Galeão.
— Eu não trabalho de graça. Assim como você falou que estava fazendo seu trabalho aqui, que ganha seu salário... — afirmou Rita.
Quando o repórter comentou que ganhava bem menos do que R$ 50 mil, ela não titubeou em mais uma resposta:
— Mas aí é um problema teu se você não soube fazer o seu trabalho. Se você não batalhou pra ganhar mais! Se você batalhou pra ser um indagador! Eu batalhei pra ser dirigente sindical! Mas a minha família não leva salário alto! Eu sou dirigente sindical. Agora você indaga lá se tem parente meu levando salário alto!
Um assunto leva a outro e traz exatamente o gancho para a próxima pergunta. Também nos autos do inquérito policial, consta que um dos filhos de Rita, Chriszanto Gonzales, praticante de MMA, recebe R$ 21 mil por mês para ser vice-presidente do sindicato. Fora os R$ 6 mil para ser diretor da Federação dos Empregados no Comércio dos Estados do Rio e do Espírito Santo. A sindicalista se irrita ainda mais.
— Olha só, se você repetir mais uma vez o nome do meu filho, aí nós vamos sair daqui para a polícia. Você veio investigar a Rita, veio pegar entrevista com a Rita. E você não é polícia. Você quer investigar meu filho, vai lá pegar uma entrevista com ele! Agora, não com a Rita de Almeida. Mas ele é vice-presidente... — disse ela, que foi rapidamente interrompida por um de seus advogados.

Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/dirigentes-sindicais-se-eternizam-no-poder-16841357#ixzz4E2bjBTMi

Nenhum comentário: