Por Vinicius Bocato, em
seu blog
Na última semana uma
tragédia abalou todos os funcionários e alunos da Faculdade Cásper Líbero, onde
estou terminando o curso de jornalismo. O aluno de Rádio e TV Victor Hugo
Deppman, de 19 anos, foi morto por um assaltante na frente do prédio onde
morava, na noite da terça-feira (9). O crime chocou não só pela banalização da
vida – Victor Hugo entregou o celular ao criminoso e não reagiu –, mas também
pela constatação de que a tragédia poderia ter acontecido com qualquer outro
estudante da faculdade.
Esse novo capítulo da
violência diária em São Paulo ganhou atenção especial da mídia por um detalhe:
o criminoso estava a três dias de completar 18 anos. Ou seja, cometeu o
latrocínio (roubo seguido de morte) enquanto adolescente e foi encaminhado à
Fundação Casa.
Brasil discute redução
da maioridade penal
Óbvio que a primeira reação
é de indignação; acho válida toda a revolta da população, em especial da
família do garoto, mas não podemos deixar que a emoção nos leve a atitudes
irresponsáveis. Sempre que um adolescente se envolve em um crime bárbaro, boa
parte da população levanta a voz para exigir a redução da maioridade penal.
Alguns vão adiante e chegam a questionar se não seria hora do Estado se igualar
ao criminoso e implantar a pena de morte no país. Foi o que fez de forma
inconsequente o filósofo Renato Janine Ribeiro, em artigo na Folha de S. Paulo,
por ocasião do assassinato brutal do menino João Hélio em 2007.
Além de obviamente não
termos mais espaço para a Lei de Talião no século XXI, legislar com base na
emoção nada mais atende do que a um sentimento de vingança. Não resolve (nem
ameniza) o problema da violência urbana.
O que chama a atenção é
maneira como a grande mídia cobre essas tragédias. A maioria das matérias que
vemos nos veículos tradicionais só reforçam uma característica do Brasil que
eles mesmo criticam: somos o país do imediatismo. A cada crime brutal cometido
por um adolescente, discutimos os efeitos da violência, mas não as suas causas.
Discutimos como reprimir, não como prevenir. É uma tática populista que desvia
o foco das reais causas do problema.
Abaixo exponho a lista
de motivos pelos quais sou contra a redução da maioridade penal:
1 – As leis não podem se
basear na exceção
A maneira como a grande
mídia cobre estes crimes bárbaros cometidos por adolescentes nos dá a (falsa)
impressão de que eles estão entre os mais frequentes. É justamente o inverso. O
relatório de 2007 da Unicef “Porque dizer não à redução da idade penal” mostra
que crimes de homicídio são exceção:
“Dos crimes praticados
por adolescentes, utilizando informações de um levantamento realizado pelo
ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente] na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a
2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais,
observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio.
Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio
não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o
equivalente a 1,4 % dos casos conforme demonstra o gráfico abaixo.”
redução maioridade penal
(Gráfico – Divulgação)
E para exibir dados
atualizados, dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83
infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio (caso
que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana). Ou seja,
menos que 1%.
2 – Redução da
maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos efeitos, não
nas causas da violência
Como já foi dito, a
primeira reação de alguns setores da sociedade sempre que um adolescente comete
um crime grave é gritar pela redução da maioridade penal. Ou quase isso:
dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora na periferia (nesses
casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas policiais). Mas vamos
evitar leituras ideológicas do problema.
A redução da maioridade
penal não resolve nem ameniza o problema da violência. “Toda a teoria
científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em
termos de segurança para a população”, afirmou em fevereiro Marcos Vinícius
Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia
o foco das verdadeiras causas da violência.
O Instituto Não
Violência é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas nas áreas social
e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a
questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social,
impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem
“leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente
no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e,
finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como
individualismo, consumismo e cultura do prazer.
No site da Fundação Casa
temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos internos (2006):
redução maioridade penal
(Gráfico – Divulgação)
Em linhas gerais, o
adolescente infrator é de baixa renda, tem muitos irmãos e os pais dificilmente
conseguem sustentar e dar a educação ideal a todos (longe disso). Isso sem
contar quando o jovem é abandonado pelos pais, quando um deles ou ambos
faleceram, quando a criança nem chega a conhecer o pai, entre outras
complicações.
redução maioridade penal
(Gráfico – Divulgação)
Claro que é bom evitar
uma posição determinista, a pobreza e a carência afetiva por si só não produzem
criminosos. Mas a falta de estrutura familiar, de educação, a exposição maior à
violência nas periferias e a falta de políticas públicas para esses jovens os
tornam muito mais suscetíveis a cometer pequenos crimes.
Especialistas afirmam
que os adolescentes começam com delitos leves, como furtos, e depois vão
subindo “degraus” na escada do crime. De acordo com Ariel de Castro Alves, ex
secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
(Condepe), muitos dos adolescentes que chegam ao latrocínio têm dívidas com
traficantes e estão ameaçados de morte, e isso os estimula a roubar.
Vale aqui lembrar a
falência da Fundação Casa, que em vez de recuperar os jovens, acaba
incentivando os internos a subir esses degraus do crime. Para entender melhor
sua realidade, recomendo a leitura da matéria “De Febem a Fundação Casa” da
Revista Fórum. Nela temos o relato do pedagogo Carlos (nome fictício), que
sofreu ameaças frequentes por contestar os atos abusivos da direção: “A
Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com mais ódio, achando
que as pessoas são todas ruins e que não há como mudar isso. São desrespeitados
como seres humanos, são tratados como lixo. E isso faz com que eles pensem que
não podem mudar.”
Atuante na Fundação há
onze anos, Carlos conta que os atos de violência contra os adolescentes são
cotidianos e descarados, apoiados inclusive pelo diretor, que também “bate na
cara dos meninos”. Essa bola de neve de violência só poderia resultar em crimes
cada vez mais graves cometidos pelos garotos.
3 – A redução da
maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário
brasileiro e aumentaria o número de reincidentes
Dados objetivos: Temos
no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181 mil vagas. Não
precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as condições desumanas das
cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema desses é incapaz de recuperar
alguém.
A inclusão de
adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema
carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. Para o advogado
Walter Ceneviva, colunista da Folha, a medida pode tornar os jovens criminosos
ainda mais perigosos: “Colocar menores infracionais na prisão será uma forma de
aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para a sociedade. A
redução da maioridade penal é um erro.”
A Unicef também destaca
os problemas que os EUA enfrentam por colocar adolescentes e adultos nos mesmos
presídios. “Conforme publicado este ano [2007] no jornal The New York Times, a
experiência de aplicação das penas previstas para adultos para adolescentes nos
Estados Unidos foi mal sucedida resultando em agravamento da violência. Foi
demonstrado que os adolescentes que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram
a delinquir e de forma ainda mais violenta, inclusive se comparados com aqueles
que foram submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude.”
O texto em questão foi
publicado no New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra
na página 34 deste PDF da Unicef.
4 – Ao contrário do que
é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento
internacional
Tenho visto muitos
textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que estipulou a maioridade
penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política pela USP, contesta
esses dados. “O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18
anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU,
que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime),
revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18
anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os
direitos básicos da cidadania aos seus jovens.”
Ainda segundo a Unicef
“de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a
maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das
recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça
especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos
abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a tendência é a
implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18
anos, como é o caso brasileiro.”
O que pode estar
acontecendo na grande mídia é uma confusão conceitual pelo fato de muitos
países usarem a expressão penal para tratar da responsabilidade especial que
incide sobre os adolescentes até os 18 anos. “Países como Alemanha, Espanha e
França possuem idades de inicio da responsabilidade penal juvenil aos 14, 12 e
13 anos. No caso brasileiro tem inicio a mesma responsabilidade aos 12 anos de
idade. A diferença é que no Direito Brasileiro, nem a Constituição Federal nem
o ECA mencionam a expressão penal para designar a responsabilidade que se
atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade”.
Confiram aqui a tabela
comparativa entre diferentes países ao redor do mundo. Alguns países vêm
seguido o caminho contrário do que a grande mídia divulga e aumentado a
maioridade penal. “A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18 anos e o Japão
aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas socioeducativas.
Estudos apontam que os crimes praticados por crianças e adolescentes, no
Brasil, não passariam de 15%. Há uma falsa impressão de que esses jovens ficam
impunes, o que não é verdade, pois eles respondem ao ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente)”, argumenta Márcio Widal, secretário da Comissão dos Advogados
Criminalistas da OAB.
Também não vejo os
grandes jornais divulgarem que muitos estados americanos estão aumentando a
maioridade penal.
Há ainda diversos
argumentos contra a redução da maioridade penal, mas o texto já se estendeu
muito e vamos focar em mais dois. A medida é inconstitucional; a questão da
maioridade faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988, que não
podem ser modificadas pelo Congresso Nacional (saiba mais sobre as cláusulas
pétreas da CF aqui). Seria necessária uma nova Assembleia Constituinte para
alterar a questão.
“São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial” (Artigo 228 da Constituição Federal). Ou seja, todas as pessoas
abaixo dos 18 anos devem ser julgadas, processadas e responsabilizadas com base
em uma legislação especial, diferenciada dos adultos.
Há ainda o clássico
argumento de que o crime organizado utiliza os menores de idade para “puxar o
gatilho” e pegar penas reduzidas. Se aprovada a redução da maioridade penal, os
jovens seriam recrutados cada vez mais cedo. Se baixarmos para 16 anos, quem
vai disparar a arma é o jovem de 15. Se baixarmos para 14, quem vai matar será
o garoto de 13. Estaríamos produzindo assassinos cada vez mais jovens. Além
disso, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de
punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves. “No Brasil existe a certeza de
impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de
reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do
Judiciário.”
Concluindo…
Reforçando, tudo o que
foi discutido até aqui foi para mostrar o problema de tratar essa questão com
imediatismo, impulsividade. Os debates estão sendo feitos quase sempre em cima
dos efeitos da violência, não de suas causas, desviando o foco das reais
origens do problema.
Que tal nos mobilizarmos
para cobrar uma profunda reforma na Fundação Casa, de forma que ela cumpra
minimamente seus objetivos? Ou para cobrar outra profunda reforma no sistema
carcerário brasileiro, que possui 40% de presos provisórios? Será que todos
deviam estar lá mesmo?
E melhor ainda: que tal
nos mobilizarmos para que o Governo invista pesado na prevenção da
criminalidade, como escolas de tempo integral, atividades de lazer e cultura?
Estudos mostram que quanto mais as crianças são inseridas nessas políticas
públicas, menores as chances de serem recrutadas pelo mundo das drogas e pelo
crime organizado.
“Quando o Estado exclui,
o crime inclui”, afirma Castro Alves. “Se o jovem procura trabalho no comércio
e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue,
na boca de fumo ele vai ser incluído.”
Na teoria o ECA é uma
ótima ferramenta para prevenir a criminalidade. Mas há um abismo entre a teoria
e a prática do ECA: a falta de políticas públicas para a juventude, a falta de
estrutura e os abusos na Fundação Casa acabam produzindo o efeito contrário do
desejado. Mesmo assim, a reincidência no sistema de internação dos adolescentes
é de aproximadamente 30%. No sistema prisional comum é de 60%, segundo o
Ministério da Justiça.
No fim das contas,
suspeito que boa parte da sociedade não quer recuperar os jovens infratores.
Muitos gostariam mesmo é de fazer justiça com as próprias mãos ou que o Estado
aplicasse a pena de morte, como sugeriu o filósofo Janine Ribeiro no calor da emoção.
Mas já que isso não é possível, então “que apodreça na cadeia junto com os
adultos”.
Por causa de fatos
isolados, como a tragédia do menino João Hélio e do estudante Victor Hugo,
cobram do governo a redução da maioridade penal, uma atitude impulsiva e
irresponsável que iria piorar ainda mais a questão da violência no Brasil. A
questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de
vingança?
Edição: Pragmatismo
Politico
Fonte:
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/04/pela-nao-reducao-da-maioridade-penal.html
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