Britânico
convida esquerda a usar centros urbanos para confrontar o capitalismo
As cidades
são uma força econômica muito poderosa. Fechar as cidades, também. Para o
geógrafo marxista David Harvey, a esquerda deve aprender a usar isso como forma
de luta. O pensamento é também um apelo do britânico, e acompanha sua linha de
análise sobre o papel da urbanização como intervenção no sistema econômico.
“Tudo
parou de se mexer por três dias em Nova York depois do 11 de setembro. E de
repente os poderes perceberam que se não houvesse movimento, não haveria
acumulação de capital. O prefeito foi então à televisão fazer um apelo para que
as pessoas fossem às ruas consumir, viver normalmente.” O ativista
anti-capitalismo cita ainda as mobilizações que aconteceram na Praça Tahrir, no
Egito, e o movimento Occupy, espalhado pelo mundo, como exemplos de engajamento
urbano. Em visita ao Brasil, insistiu, para um público de mais de mil pessoas,
que os centros urbanos são o lugar em que alguma forma de luta contra o capitalismo
pode realmente funcionar.
Na
madrugada do mesmo dia, 28 de fevereiro, a polícia removeu as barracas do braço
londrino do Occupy. “Agora é um ótimo momento para o Occupy começar a repensar
e a se reagrupar”, disse Harvey ao Opera Mundi, menos de 24 horas depois de
oficiais de justiça ajudarem policiais a mandar embora os cerca de 100
manifestantes que estavam acampando em frente à Catedral de São Paulo, na
capital britânica.
Para o
pensador, é consistente o entendimento de que as reações governamentais contra
os acampamentos dos occupies ao redor do mundo são sinal de que a sociedade não
está pronta para modificar o sistema atual. Ainda assim, comemora o fato de a
ofensiva policial em Londres não ter sido violenta como as dos Estados Unidos.
Os manifestantes devem voltar às ruas? Sim, responde.
“Mas eles
devem pensar qual será a estratégia para enfrentar a resistência e também
pensar como mobilizar a população em massa. Talvez assumindo compromissos com
movimentos sociais populares, movimentos de bairro”, afirmou.
Professor
de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, Harvey esteve no Brasil
para o lançamento de seu livro mais recente, O enigma do capital: e as crises
do capitalismo, lançado pela Boitempo Editorial. Na publicação, ele analisa os ciclos do
capitalismo, crises econômicas passadas e processos de urbanização, partindo da
crise do subprime norte-americano. Segundo o geógrafo, as crises do capitalismo
não se resolvem, mas se movem – mudando o tipo de problema e também o lugar afetado.
“Nos
últimos anos vemos um deslocamento dos problemas, de um campo da economia para
outro.” A crise foi do setor da habitação, para o financeiro, passando depois
para as dívidas soberanas de Estados-nação, diz. “E há uma maneira de
transferir essa crise de volta para o setor bancário, se as dívidas não puderem
ser resolvidas. As políticas de austeridade, então, empurram essas dívidas para
o povo de volta.”
Mas a
crise também se move num sentido geográfico. A quebra do mercado da habitação
foi localizada em parte dos Estados Unidos – mais especificamente no sul da
Califórnia, Nevada e Flórida – e, ao se modificar, chegou a lugares como a
Europa e a Ásia.
Caminho
até 2008
Harvey
trouxe, na conferência, um panorama histórico da economia norte-americana, para
explicar os ciclos de crise do capitalismo. E como eles se repetem, sem que os
governos se dêem conta. “Nos anos 20,
houve excesso de capital num boom de construção localizado em poucas áreas -
Flórida, Nova York, Chicago. Havia uma estratégia clara de financiamento e o
boom nos preços de propriedade terminou um ano antes da grande crise. O que os
economistas estão reconhecendo é que houve uma relação entre a crise do mercado
de propriedade de 1928 e o colapso da bolsa de 29”, diz.
“A Segunda
Guerra Mundial resolveu o problema dos anos 30, mas, em 1945, surgiram outras
questões: onde colocar todo o excesso de capital que existia nos EUA? Todos os
soldados que foram lutar e voltaram iriam encontrar emprego onde?” Como solução
para um novo problema econômico, explica, os americanos passaram a construir
casas e enchê-las com coisas. Novamente um boom na construção. A saída
estimulava o consumo e aumentava os empregos.
“Uma das
grandes maneiras por meio da qual os EUA saíram da crise dos anos 30 foi
‘suburbanizando’ as cidades nos anos 50 e 60. E, mesmo se você morasse no
subúrbio, você tinha um cortador de grama, porque todos tinham. Era um estilo
de vida.” De acordo com Harvey, antes da 2ª Guerra Mundial, não chegava a 500
mil o número de unidades habitacionais construídas anualmente. Depois de 45, o
índice dobrou.
Mas a
segunda onda de problemas estava para chegar. Muitos norte-americanos começaram
a usar a habitação como um banco privado. “Você comprava uma casa por 200 mil
dólares, hipotecava por esse preço, depois de dois anos o imóvel valia 300 mil,
e você ganhava 100 mil hipotecando de novo”.
O sistema financeiro, diz Harvey, controla a oferta e demanda de casas, pois
empresta dinheiro para os construtores e também para os compradores.
“O tempo
todo, as instituições financeiras devem estar preparadas para colocar dinheiro
nos dois lados. Todo mundo já sabia, em 2003, que o mercado da habitação era
instável, mas por uma razão política foi decidido continuar com a bolha e com
os juros muito baixos.”
Segundo o
geógrafo, caso as pessoas não ganhem dinheiro através do salário, podem ganhar
por meio da propriedade. Se isso não funciona mais, o consumo despenca. Foi o
que se viu em 2008: o consumo entrou em colapso.
O
capitalismo e as cidades
A relação
da crise macroeconômica com as cidades nasce nos projetos de urbanização como
saída para os colapsos financeiros, mas não acaba aí. A definição capitalista
de urbanização, segundo o autor, não tem a ver com a criação de vida social,
mas com a construção de coisas materiais para manter o processo de acumulação.
O exemplo
da cidade de Nova York pós 11 de setembro não é o único citado por David
Harvey. Em protesto contra a aprovação de um projeto que criminalizava nos EUA,
em 2006, os imigrantes ilegais, este grupo decidiu não trabalhar por um dia,
conta Harvey. “O que aconteceu? Los Angeles, Chicago e São Francisco pararam.
Há relação direta entre acumulação de capital e questões relativas à
urbanização”, diz.
Para o
geógrafo, é preciso pensar a urbanização como um campo de luta de classes.
“Quase todo mundo nos subúrbios vota nos republicanos. Eles não estão
interessados nas questões sociais. Nos anos 30, havia um relatório que dizia
que os proprietários de casa não entravam em greve, porque tinham que pagar a
hipoteca de suas casas”, afirma Harvey, explicando o motivo da organização das
cidades ser também medida de controle social significativa.
“A
urbanização é muito importante para o sistema capitalista, em termos de acúmulo
de riqueza, e deve ser importante para a esquerda como forma de luta
anticapitalista na cidade”, conclui.
Fonte:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/20239/ocupar+cidades+e+uma+forma+de+luta+muito+poderosa+diz+o+geografo+david+harvey.shtml
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