Clovis Renato Costa Farias*
A matéria é polêmica,
em especial, pela avassaladora intenção da Administração Pública em extinguir
os cargos públicos com servidores estatutários, com perdas de direitos fundamentais
historicamente conquistados.
Decisões socialmente desastrosas que são materializadas por meio da terceirização das
atividades meio; da contratação de empresas interpostas em caráter temporário,
mas com contratos que duram dezenas de anos; com a contratação de organizações
sociais para a prestação direta de serviços; pela criação de empresas pública
de personalidade de direito privado para prestarem serviços diretamente, como
no caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) que findará por
extinguir todos os cargos de servidores públicos nos complexos hospitalares em que
está sendo instalada, dentre outras formas, como as contratações recorrentes de
cooperativas e fraudocooperativas pelo Poder Público, já conhecidas da doutrina
e jurisprudência.
Temor que se amplia com a robusta caminhada exitosa que está tendo o Projeto de Lei nº 4.330, proposto pelo Deputado Federal Sandro Mabel, que viabiliza a terceirização de atividades fim pela iniciativa privada e pelo Poder Público.
De início,
esclarece-se que algumas entidades sindicais vêm tentando combater o fenômeno
da extinção dos cargos de motorista oficial e combatendo as ilegalidades
administrativas.
Discute-se,
em regra, a declaração da ilegalidade de que terceirizados conduzam veículos
oficiais e que os servidores públicos federais não ocupantes de cargo de
motorista dirijam veículo oficial de transporte coletivo (ônibus e
micro-ônibus) e/ou demais veículos oficiais sem autorização de autoridade maior
do órgão ou entidade jurídico administrativa ao qual pertençam.
Combate-se a
ideia de que “o quantitativo de motorista
oficial é insuficiente para garantir o atendimento aos usuários e a perfeita
execução das atividades desenvolvidas pela Universidade, uma vez que se trata
de cargo extinto/em extinção, torna imprescindível a terceirização dos serviços
pertinentes para a condução dos veículos oficiais”.
O representante dos trabalhadores afirma
a necessidade de aplicação da Lei 9.327/1996, que dispõe sobre a condução de veículo
oficial somente por servidores públicos federais estatutários, art. 1º, o qual
aduz que:
Art. 1º. Os servidores públicos
federais, dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal
direta, autárquica e fundacional, no interesse do serviço e no exercício de
suas próprias atribuições, quando houver insuficiência de servidores ocupantes
do cargo de Motorista Oficial, poderão dirigir veículos oficiais, de
transporte individual de passageiros, desde que possuidores da Carteira Nacional
de Habilitação e devidamente autorizados pelo dirigente máximo do órgão ou
entidade a que pertençam. (grifo nosso)
Urge a aplicação dos princípios que norteiam a atuação
da Administração Pública, em especial o Princípio
da Legalidade, referido no caput do artigo 37, da
Constituição Federal de 1988, segundo o qual à Administração cabe apenas fazer
ou deixar de fazer o que a norma permite.
A Lei nº 9.327, de 9 de dezembro de
1996, é clara, como destacado no art. 1º: a) servidores públicos federais, dos órgãos e entidades integrantes da
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, possuidores da
Carteira Nacional de Habilitação; b) devidamente autorizados pelo dirigente
máximo do órgão ou entidade a que pertençam. Impõe-se à Administração o
Princípio da Legalidade Estrita e suas regras respectivas, nos termos do art.
37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A realidade dos
autos comprova que a UFC, ora recorrida, está agindo ilegalmente e deve ser
punida para que deixe de cumprir as normas de direitos fundamentais, como se
demonstrará.
A Lei no 1.081, de 13 de abril de 1950, que dispõe
sobre o uso de carros oficiais, detalha a matéria, ressaltando que o uso de
automóveis oficiais somente é permitido a que tenha obrigação constante de
representação oficial, pela natureza do cargo ou função:
Art
2º - O uso dos automóveis oficiais só
será permitido a quem tenha:
a)
obrigação constante de representação
oficial, pela natureza do cargo ou função;
b)
necessidade imperiosa de afastar-se, repetidamente, em razão do cargo ou função, da sede do serviço respectivo, para
fiscalizar, inspecionar, diligenciar, executar ou dirigir trabalhos, que exijam
o máximo de aproveitamento de tempo.
Destaque-se que os empregados de empresas
terceirizadas não têm cargos ou funções públicas, de acordo com o Princípio da
Legalidade, consequentemente, não serão passíveis das sanções previstas no art.
14 da Lei nº 1.081/50:
Art
14. Ao funcionário, que cometer qualquer infração ao disposto nesta Lei, serão
aplicadas as penalidades estabelecidas
nos Estatutos dos Funcionários Públicos Federais.
Percebe-se cristalina a vontade da Lei quanto a
impossibilidade de pessoas não integrantes do serviço público estatutário não
podem dirigir veículos oficiais, uma vez que não podem sofrer penalidades
estatutárias, como demarcado na legislação.
Tal ânimo vinha demarcado, de modo mais evidente,
pelo art. 9º da Lei 1.081/50, ao dispor que “só poderão conduzir automóveis oficiais motoristas profissionais
regularmente matriculados”, verbis:
Art
9º - Só poderão conduzir automóveis oficiais motoristas profissionais
regularmente matriculados.
Parágrafo
único - Aplicam-se aos motoristas responsáveis pelos carros oficiais os
dispositivos regulamentares referentes ao tráfego.
Tal artigo foi revogado pela Lei nº 9.327, de 1996,
que também dispõe sobre a condução de veículo oficial, limitando-se a três
artigos:
Art.
1º Os servidores públicos federais, dos
órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta,
autárquica e fundacional, no interesse do serviço e no exercício de suas
próprias atribuições, quando houver insuficiência de servidores ocupantes do
cargo de Motorista Oficial, poderão dirigir veículos oficiais, de transporte
individual de passageiros, desde que possuidores da Carteira Nacional de
Habilitação e devidamente autorizados pelo dirigente máximo do órgão ou
entidade a que pertençam.
Art.
2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art.
3º Revogam-se o art. 9º da Lei nº 1.081, de 13 de abril de 1950, e demais
disposições em contrário.
Ressalta-se que a norma revogadora somente alterou
o art. 9º da Lei nº 1.081/50, estando as duas a regular a condução de veículos
oficiais, mas, mas em ambas, continua a condição imperativa de condução por
servidor público, não existindo ampliação do rol de condutores para
terceirizados ou pessoas estranhas ao Serviço Público Federal.
A Lei nº 1.081/50 e a Lei nº 9.327/96 dispõem que apenas
os ocupantes de cargo de motorista oficial devem conduzir os veículos
oficiais em comento, ressalvada a hipótese prevista no artigo 1º da Lei nº
1.081/50, a qual também estende aos servidores públicos federais tal possibilidade,
desde que atendidas as condições abaixo:
1) Autorização legal condicionada à insuficiência de
servidores cupantes do cargo de Motorista Oficial;
2) Condução apenas
pelos demais servidores públicos da entidade (UFC);
3) Restringe-se o uso
apenas ao interesse do serviço e no exercício das atribuições próprias do
servidor.
4) Especifica
autorização para condução apenas de veículos de transporte individual de passageiros.
5) Que o servidor
possua Carteira Nacional de Habilitação.
6) Exige-se autorização expressa do
dirigente máximo do órgão ou entidade a que pertença o servidor e o veículo a
ser conduzido.
Quanto a conceituação sobre cargos e
funções públicas, o art. 37, I, da Constituição de 1988, demarcando o princípio
da legalidade, dispõe:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções
públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim
como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas
ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
[...]
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Os terceirizados não são concursados, de modo que
não são empregados públicos, nem servidores ocupantes de cargos regidos por
estatuto próprio, nem de cargos em comissão, bem como não podem perceber por
funções de confiança, que somente estão constitucionalmente direcionadas aos
servidores ocupantes de cargo efetivo.
O artigo 1º da Lei 9.237/96 não autoriza a
utilização por prestador de serviço contratado por empresa terceirizada para
exercer as atribuições de motorista de veículo oficial. Destacando-se que,
diante da legalidade, somente pode ser feito algo ou deixar de fazer por
delimitação legal.
Em idêntico sentido, o Decreto nº 6.403/08, que
dispõe sobre a utilização de veículos oficiais pela Administração Pública
Federal direta, autárquica e fundacional, é omisso quanto ao fato de
veículo oficial ser dirigido por motorista terceirizado, de modo que não
autoriza.
Não difere de tal posicionamento o
entendimento já expressado pelo Tribunal de Contas da União, conforme o
parágrafo 2º, do artigo 26, da Portaria Nº 625, de 27 de novembro de 1996,
abaixo transcrito:
PORTARIA Nº 625, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1996 (Regulamenta, no âmbito do
Tribunal de Contas da União, as indenizações previstas no artigo 51 da Lei nº 8.112,
de 11 de dezembro de 1990, e dá outras providências).
[...]
§ 2º Na insuficiência de servidores ocupantes do cargo de motorista
oficial, os servidores membros de equipe de auditoria ou inspeção poderão
dirigir veículos oficiais, no interesse do serviço e no exercício de suas
próprias atribuições, desde que possuidores da Carteira Nacional de
Habilitação. (AC) (Portaria nº 144, de 15/5/2007, BTCU nº 18/2007)
Observe-se, também, a responsabilidade
da Administração Pública em relação ao dano que for causado pelo condutor do
veículo oficial. Tal previsão consta no Enunciado da Súmula nº 187, do Tribunal
de Contas da União:
Sem prejuízo da adoção, pelas autoridades ou pelos órgãos competentes,
nas instâncias, próprias e distintas, das medidas administrativas, civis e
penais cabíveis, dispensa-se, a juízo do Tribunal de Contas, a tomada de contas
especial, quando houver dano ou prejuízo financeiro ou patrimonial, causado por
pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração
Direta ou Indireta e de Fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, e,
ainda, de qualquer outra entidade que gerencie recursos públicos,
independentemente de sua natureza jurídica ou do nível quantitativo de participação
no capital social.
No que tange à legalidade de os
servidores federais não ocupantes de cargo de Motorista Oficial dirigirem veículo
oficial de transporte coletivo sem autorização de autoridade maior do órgão ou
entidade ao qual pertençam, importante asseverar que a Lei nº 9.237/96
refere-se tão somente ao transporte individual de passageiros.
Ainda, o Decreto nº 6.403/08 dispõe, em
seu artigo 2º, que:
Art. 2º Os veículos da administração pública federal direta, autárquica
e fundacional são classificados, para fins de utilização, nas seguintes
categorias:
I - veículos de representação;
II - veículos especiais;
III - veículos de transporte institucional;
IV - veículos de serviços comuns; e
V - veículos de serviços especiais.
No entanto, verifica-se que o referido
dispositivo também é omisso em relação à expressão “transporte coletivo”. Da
mesma forma, o parágrafo primeiro do artigo 5º estatui que “Os veículos de transporte institucional
somente serão utilizados no desempenho da função”.
Outrossim, as normas de hierarquia
inferior a constitucional e a legal, ocupada pelos decretos, portarias e
instruções dos órgãos executivos, não podem contrariar a lei ou ampliar o que
não está autorizado legalmente. Contudo, Instituições Federais de Ensino,
exemplificativamente, tem regulamentado a possibilidade de terceirizados
poderem utilizar os veículos oficias federais, contrariando a lei, o que deve
ser combatido, como no caso da Portaria Normativa nº 006, de 26/08/2014, do
Instituto Federal de Brasília, exarada pelo Reitor (Regula a utilização de
veículos oficiais), a qual define no art. 2º, II, que “Condutor/Motorista é o motorista
oficial (concursado ou terceirizado) ou o servidor autorizado”, em
desacordo com a legalidade.
Diante do exposto, tais normativas
infraconstitucionais contrariam a legislação que apenas trata de servidores
públicos, não existindo permissivo expresso quanto aos terceirizados,
malferindo a legalidade. Ainda, malferem o concurso público, mitigam os valores
sociais do trabalho quanto aos servidores com cargos de motoristas e
desvalorizam a categoria.
Duas conclusões são observadas: (I)
A evidente e flagrante ilegalidade de terceirizados conduzirem veículos
oficiais; e (II) a ilegalidade de servidores públicos federais não ocupantes de
cargo de Motorista Oficial dirigirem veículo oficial de transporte coletivo
(ônibus e micro-ônibus) sem autorização de autoridade maior do órgão ou
entidade jurídico administrativa ao qual pertençam.
Nestes termos, seria relevante proposta normativa
que retome o disposto pelo art. 9º da Lei 1.081/50, ao dispor que “só poderão conduzir automóveis oficiais
motoristas profissionais regularmente matriculados”, para que sejam
saneadas quaisquer dúvidas na aplicação da lei, ou alterada a lei mencionada
para ressaltar que somente os servidores públicos estatutários poderão dirigir
veículos oficiais do Poder respectivo.
* Clovis Renato Costa Farias: Doutorando
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), bolsista da CAPES/CNPq.
Vencedor do Prêmio Nacional em Direitos Humanos da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Troféu 'Cilindro de Ciro', Placa
de Reconhecimento da Coordenadoria Nacional de Liberdades Sindicais do
Ministério Público do Trabalho (CONALIS) e do Fórum das Centrais Sindicais no
Ceará (FCSEC), medalha dos 80 anos da GLMECE, medalha Cavaleiros de York.
Membro do GRUPE (Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo
Trabalhista), do Grupo de Estudos Boaventura de Sousa Santos no Ceará, no Curso
de Ciências Sociais da UFC, e da ATRACE. Editor e elaborador da página virtual
de difusão cultural: Vida, Arte e Direito (vidaarteedireito.blogspot.com/), do
Periódico Atividade - ISSN 2359-5590 (vidaarteedireitonoticias.blogspot.com/) e
do Canal Vida, Arte e Direito (www.youtube.com/user/3mestress). Autor do livro:
'Desjudicialização: conflitos coletivos do trabalho'. Graduado em Letras pela
Universidade Federal do Ceará (2003), em Direito pela Universidade de Fortaleza
(2008), especialista em Direito e Processo do Trabalho (RJ), mestre em Direito
Constitucional (Mestrado em Direito da UFC). Tem experiência como Professor de
Literatura, Direito e Processo do Trabalho, Sociologia Jurídica, Direito
Constitucional, Mediação e Arbitragem, Direito Sindical, tendo atuado em
cursinhos, cursos de graduação, pós-graduação em Direito, nas áreas
trabalhista, processual e constitucional; é Advogado (OAB 20.500) de
organizações sindicais de trabalhadores e partidos políticos, mediador
coletivo, Vice Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/CE. Foi Chefe
da Assessoria Jurídica do Procurador Chefe do Ministério Público do
Trabalho/PRT-7ª Região (2009-2011), Secretário Regional Adjunto do MPT, Chefe
do Gabinete do Procurador Chefe/PRT, Assessor Jurídico da Secretaria de Cultura
do Ceará (Constituinte Estadual da Cultura e Plano Estadual do Livro),
conciliador pelo TJCE/CNJ e orientador no Projeto Cidadania Ativa/UNIFOR,
orientador do Escritório de Direitos Humanos da UNICHRISTUS - Projeto
Comunidade e Direitos Sociais, membro do Comitê Gestor de Grandes Eventos
(SRTE/MTE), delegado eleito da Conferência Nacional do Emprego e Trabalho
Decente (OIT/MTE), delegado eleito da UNE (47º CONUNE), secretário geral do
Sindicato dos Advogados no Estado do Ceará (Sindace). Contato:
clovisrenatof@yahoo.com.br / Celular (85) 9901.8377
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