Clovis Renato Costa Farias
Regina Sonia Costa Farias
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a legitimidade processual das entidades sindicais na defesa dos direitos dos integrantes da categoria que representam, tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução, abrangendo ações individuais, coletivas e ações civis públicas. A discussão sobre o alcance dessa legitimidade ganhou destaque com a instauração, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Incidente de Recursos Repetitivos (IRR), registrado sob o nº 0002061-71.2019.5.09.0653, que visa responder se a quantificação e/ou individualização dos direitos de cada substituído pode comprometer a legitimidade sindical. O trabalho fundamenta-se em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, doutrina especializada, jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, e nas diretrizes da Organização Internacional do Trabalho, especialmente no que se refere à substituição processual como expressão de legitimação extraordinária para garantir o acesso coletivo à justiça.
PALAVRAS CHAVES: Legitimidade processual; Representação processual; Substituição processual; Sindicato.
SUMÁRIO: I. Introdução. II. Da legitimidade do sindicato na fase de conhecimento e de execução de ação judicial. III. Recompilação de decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT - Função das Organizações dos Trabalhadores e Empregadores; IV. Da irrelevância da quantificação e/ou individualização dos direitos para a legitimidade sindical na execução; V. Conclusão; VI. Referências.
INTRODUÇÃO
A representação processual exercida pelas entidades sindicais é um dos temas mais relevantes e debatidos no atual cenário jurídico trabalhista brasileiro. Em um contexto de constantes transformações nas relações laborais e de necessidade de ampliação do acesso à justiça, a discussão sobre a legitimidade do sindicato para atuar judicialmente em nome da categoria adquire destaque tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Essa temática alcançou tal grau de relevância que se tornou objeto de análise pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio do Incidente de Recursos Repetitivos, autuado sob o nº 0002061-71.2019.5.09.0653. No referido incidente, pretende-se responder à seguinte indagação central para o Direito Coletivo do Trabalho:
"O sindicato possui legitimidade para defender, na fase de conhecimento ou de execução, direitos inerentes aos integrantes da categoria que representa, seja em ação individual, coletiva ou ação civil pública? A quantificação e/ou individualização dos direitos devidos a cada substituído afasta a legitimidade sindical?"
A resposta a essa pergunta possui implicações profundas na prática forense trabalhista, especialmente na efetividade da tutela coletiva dos direitos dos trabalhadores. Este artigo, portanto, busca analisar, sob a ótica constitucional, legal e jurisprudencial, os contornos da substituição processual sindical, com especial atenção à sua legitimidade nas fases de liquidação e execução, mesmo diante da necessidade de individualização dos substituídos.
DA LEGITIMIDADE DO SINDICATO NA FASE DE CONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE AÇÃO JUDICIAL
Nos termos do art. 8º, III, da Constituição Federal/88, compete ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas. Trata-se de hipótese de legitimidade extraordinária, que permite ao sindicato atuar como substituto processual em nome dos integrantes da categoria, independentemente de autorização expressa dos substituídos.
O art. 18 do CPC/2015 reforça que é permitida a postulação em juízo de direito alheio, em nome próprio, quando houver autorização legal, sendo exatamente o caso do sindicato, cuja legitimação decorre diretamente do texto constitucional. Além disso, os arts. 513, “a”, e 514 da CLT também reconhecem a legitimidade do sindicato para representar judicialmente tanto interesses coletivos quanto individuais dos trabalhadores que representa. A seguir, colacionam-se os dispositivos citados:
CPC. Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
CLT. Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:
a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos á atividade ou profissão exercida;
(...)
CLT. Art. 514. São deveres dos sindicatos :
(...)
b) manter serviços de assistência judiciária para os associados;
Destaca-se, por oportuno, que a legitimidade processual dos sindicatos para atuar na defesa dos direitos dos trabalhadores que representam pode ser adequadamente compreendida a partir da evolução histórica do acesso à justiça, particularmente à luz das ondas renovatórias do acesso à justiça, formuladas por Mauro Cappelletti.
Tais ondas representam momentos de transformação do sistema jurídico em prol de uma maior inclusão e efetividade. A primeira onda concentrou-se na remoção de barreiras econômicas, com foco na assistência judiciária. A segunda onda, por sua vez, teve como núcleo a defesa de interesses coletivos e individuais homogêneos por meio da atuação de entidades legitimadas, como o Ministério Público e os Sindicatos. É neste contexto que a substituição processual sindical ganha relevância, pois traduz um importante instrumento de tutela coletiva que visa à proteção de direitos transindividuais com maior eficiência e amplitude.
A substituição processual, como destaca a doutrina, especialmente Gustavo Filipe Barbosa Garcia, em sua obra Curso de Direito Processual do Trabalho (2016, p. 359) caracteriza-se por permitir que o sindicato atue como parte em nome próprio, defendendo interesses alheios, sem necessidade de autorização expressa dos substituídos, bastando que os direitos sejam comuns à categoria profissional, conforme se lê a seguir:
“A substituição processual se distingue da representação processual, pois nesta última ocorre a defesa de direito alheio, porém em nome alheio. Na representação processual, o representante não é parte, apenas atua em nome do representado.
Na substituição processual, o substituto é parte, atuando em nome próprio ao defender interesse de outrem. Logo, na legitimação extraordinária (substituição processual), o substituto processual postula direito alheio em nome próprio.”
A atuação sindical é exemplo clássico de legitimação extraordinária, admitida tanto no plano constitucional (art. 8º, III, da CF/88) quanto no plano infraconstitucional (arts. 18 do CPC, 513 e 514 da CLT).
Essa concepção moderna de acesso à justiça, surgida com as ondas renovatórias, amplia o escopo da tutela jurisdicional e legitima a atuação de sujeitos coletivos no processo, com vistas à superação de barreiras estruturais e à efetivação de direitos sociais. O sindicato, ao atuar como substituto processual, cumpre papel essencial na realização desses objetivos, especialmente em demandas envolvendo direitos difusos ou individuais homogêneos da categoria.
Portanto, a substituição processual sindical está em plena harmonia com o movimento evolutivo do acesso à justiça e representa uma ferramenta indispensável para garantir a efetividade dos direitos dos trabalhadores em juízo, inclusive nas fases de conhecimento, liquidação e execução do processo.
Assim, na substituição processual, o sindicato figura como parte, não necessitando de autorização expressa dos substituídos, sendo suficiente o interesse coletivo ou individual homogêneo da categoria representada.
Esse entendimento encontra respaldo na firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, especialmente no julgamento do RE 883.642 RG (Tema 823 da Repercussão Geral), que fixou a tese de que:
“Os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos.”
Outros precedentes, igualmente reafirmam a legitimidade plena dos sindicatos tanto na fase de conhecimento quanto na execução, ainda que haja necessidade de individualização e quantificação dos créditos de cada substituído, conforme se lê nas ementas a seguir:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ART. 8º, III, DA LEI MAIOR. SINDICATO. LEGITIMIDADE. SUBSTITUTO PROCESSUAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. I – Repercussão geral reconhecida e reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos. (RE 883642 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 18-06-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-124 DIVULG 25-06-2015 PUBLIC 26-06-2015)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SINDICATO. LEGITIMIDADE AMPLA. DIREITOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. SENTENÇA COLETIVA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que não é necessária a comprovação da filiação do substituído processual, ao tempo da interposição da petição inicial, para que a sentença coletiva seja executada individualmente. Precedentes. 2. O Plenário desta Corte reconheceu a repercussão geral da matéria e reafirmou a sua jurisprudência no sentido de reconhecer a ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos (RE 883.642-RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). 3. Agravo interno a que se nega provimento.(RE 1336975 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06-12-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 14-12-2021 PUBLIC 15-12-2021)
PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido. (RE 210029, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 12-06-2006, DJe-082 DIVULG 16-08-2007 PUBLIC 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-00025 EMENT VOL-02285-05 PP-00900)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. SINDICATO. AMPLA LEGITIMIDADE. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. TEMA 823 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 883.642 RG/AL (Tema 823 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente, assentou que os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos. II — Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 1489566 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 19-08-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 21-08-2024 PUBLIC 22-08-2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SINDICATO. LEGITIMIDADE AMPLA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores, independente da comprovação de filiação ao sindicato na fase de conhecimento. Precedentes. II – Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 751500 ED, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05-08-2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 14-08-2014 PUBLIC 15-08-2014)
Dessa forma, é inequívoco que a atuação sindical como substituto processual se estende a todas as fases do processo, não sendo afastada pela liquidação ou execução dos créditos decorrentes da sentença coletiva.
Portanto, não há qualquer dúvida de que o sindicato possui legitimidade para defender, em juízo, os direitos dos trabalhadores que representa, em qualquer fase do processo, inclusive na execução, ainda que haja necessidade de individualizar e quantificar os créditos de cada substituído.
RECOPILAÇÃO DE DECISÕES DO COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL DA OIT - FUNÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES DOS TRABALHADORES E EMPREGADORES
Conforme destacado na apresentação da obra “Liberdade Sindical - Recopilação das Decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT”, que traduziu os verbetes das decisões internacionais em 2023, em publicação do Ministério Público do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, organismo internacional vinculado à Organização das Nações Unidas, possui um importante papel na proteção, promoção e universalização dos direitos humanos e fundamentais do trabalho em todo o mundo., desde a sua criação pelo Tratado de Versalhes de 1919, pós Primeira Guerra Mundial.
Entre as liberdades fundamentais do trabalho, a OIT desenvolveu uma série de programas e ações para o incremento da liberdade sindical, em todas as suas dimensões, individuais e coletivas, positivas e negativas, se destacando as Convenções n. 87, 98, 135, 151 e 154, que não são as únicas a tratar da matéria sindical no âmbito do Código Internacional do Trabalho, mas são indubitavelmente as mais importantes na temática das liberdades sindicais.
Destacam os organizadores que, além de o Código Internacional do Trabalho (convenções e recomendações da OIT) prescrever os princípios de liberdade de associação e sindical, a OIT, com vistas a importância desta matéria, instituiu, em 1951, o Comitê de Liberdade Sindical (CLS), de estrutura tripartite, objetivando garantir a observância dos princípios e regras de liberdade sindical. Assim, afora os procedimentos ordinários de queixas e reclamações à Repartição Internacional do Trabalho (art. 24 a 34 da Constituição da OIT), criou-se um procedimento especial perante o CLS o qual pode ser, inclusive, utilizado de forma simultânea aos demais procedimentos ordinários.
As decisões do CLS têm como base as principais convenções sobre liberdade sindical da OIT e suas conclusões tornam-se importantes instrumentos de concretização dos preceitos de liberdade sindical esposados pela OIT, de forma que o conhecimento do seu conteúdo é de máxima relevância para o incremento da liberdade sindical em todo o mundo. Por essa razão, desde o início da década de 1970, o CLS publica, de tempos em tempos, a recopilação de suas decisões e de seus princípios, denominada, em língua espanhola, “Recopilácion de decisiones y principios del Comité de Liberdade Sindical del Consejo de Administration de la OIT”, sendo que a última edição data de 2018 (sexta edição), a qual temos a honra de trazer à lume, a tradução em língua portuguesa.
Os organizadores esclarecem ainda que a Recompilação, em sua sexta edição, de 2018, reúne, de forma concisa, as decisões do CLS da OIT que examinou mais de 3.200 casos envolvendo os mais diversos aspectos da liberdade sindical e da proteção dos direitos sindicais. Ademais, no Brasil, a disponibilidade em língua portuguesa dos denominados verbetes (de decisão) do CLS ganha maior relevo na dinâmica do incremento do aludido controle de convencionalidade no sistema judiciário nacional, o qual pode ser compreendido como a verificação de adequação e validade de uma norma em cotejo com um tratado internacional sobre direitos humanos, no plano superior, e a lei, no plano hierárquico inferior; devendo-se rememorar que, no ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do paradigmático Recurso Extraordinário (RE) nº 466.343, alterou seu entendimento, para concluir que os tratados internacionais sobre direitos humanos, ainda que não aprovados pelo rito da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, estariam, hierarquicamente, abaixo da Constituição Federal e, no entanto, acima da lei.
Em tal contexto, as normas internacionais ratificadas pelo Brasil (hard) e as demais em processo de internalização (soft), a representação em substituição processual em ações judiciais é inerente às funções e à natureza das entidades sindicais, como destacam os verbetes da Recopilação:
62. Para que um governo possa enfrentar os problemas econômicos e sociais e resolvê-los da melhor maneira em relação ao interesse dos trabalhadores e da nação, é indispensável o desenvolvimento de organizações livres e independentes e a negociação com o conjunto dos integrantes da estrutura social.
(Ver Recompilação de 2006, parágrafo 26; e 362º relatório, caso nº 2637, parágrafo 89.)
63. A missão fundamental dos sindicatos deve consistir em assegurar o desenvolvimento do bem-estar econômico e social de todos os trabalhadores.
(Ver Recompilação de 2006, parágrafo 27; e 346º relatório, caso nº 1865, parágrafo 778.)
64. Os interesses profissionais e econômicos defendidos pelos trabalhadores e suas organizações abrangem não só a conquista de melhores condições de trabalho ou reivindicações coletivas de ordem profissional, mas também a busca de soluções para questões de política econômica e social, e para problemas que surgem na empresa os quais interessam diretamente aos trabalhadores.
(Ver Recompilação de 2006, parágrafo 28.)
65. Não tem cabimento restringir a ação de organizações sindicais exclusivamente à esfera profissional. Com efeito, a adoção de política geral, particularmente no terreno econômico, acarreta consequências que repercutem na situação dos assalariados (remuneração, férias, condições de trabalho).
(Ver 291º relatório, caso nº 1699, parágrafo 544)
66. No exercício dos direitos de liberdade sindical, os trabalhadores e suas organizações devem respeitar o ordenamento jurídico do país, que por sua vez deve respeitar os princípios de liberdade sindical.
(Ver 346º relatório, caso nº 1865, parágrafo 787.)
Dessarte, é função primordial do sindicato a legitimidade para defender, em juízo, os direitos dos trabalhadores que representa, em qualquer fase do processo, inclusive na execução, ainda que haja necessidade de individualizar e quantificar os créditos de cada substituído.
DA IRRELEVÂNCIA DA QUANTIFICAÇÃO E/OU INDIVIDUALIZAÇÃO DOS DIREITOS PARA A LEGITIMIDADE SINDICAL NA EXECUÇÃO
A tese de que a necessidade de quantificação ou individualização dos créditos decorrentes de sentença coletiva afastaria a legitimidade do sindicato não encontra respaldo jurídico, doutrinário ou jurisprudencial no ordenamento brasileiro. Trata-se de entendimento superado tanto na doutrina quanto na jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho.
A Constituição Federal, no artigo 8º, inciso III, confere aos sindicatos legitimidade ampla para a defesa, judicial e extrajudicial, dos direitos e interesses da categoria, sejam eles coletivos ou individuais homogêneos, sem qualquer restrição quanto à fase processual — conhecimento, liquidação ou execução. Trata-se de típica hipótese de substituição processual, na qual o sindicato atua em nome próprio na defesa de direito alheio, como destaca a melhor doutrina processual trabalhista (GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA, Curso de Direito Processual do Trabalho, 2016).
Importante salientar que a necessidade de apuração individualizada dos valores, inerente à fase de liquidação e execução, não desnatura a natureza coletiva da demanda nem interfere na legitimidade do sindicato para conduzir a execução dos créditos reconhecidos na sentença coletiva.
O próprio Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Ag-AIRR-100315-96.2021.5.01.0244, deixou claro que os limites subjetivos da coisa julgada em ações coletivas não se confundem com a exigência de rol de substituídos na fase de conhecimento, tampouco na execução. A decisão pontua que não há ofensa à coisa julgada pelo fato de os substituídos não estarem previamente nominados na petição inicial da ação coletiva, reforçando que a sentença coletiva forma título executivo em favor de todos os integrantes da categoria, independentemente de prévia identificação formal.
Além disso, o Tema 823 da Repercussão Geral (RE 883.642) sedimentou no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a atuação do sindicato, na qualidade de substituto processual, abrange todas as fases do processo, inclusive liquidação e execução, não sendo necessária autorização individual dos substituídos nem apresentação de rol nominal na fase de conhecimento ou execução.
Ademais, como ressaltado na decisão do Ag-AIRR supracitado (Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues), é absolutamente natural e inerente à própria dinâmica processual que, na fase executória, haja a necessária individualização dos valores devidos a cada trabalhador, a partir da sentença coletiva. Isso não implica, contudo, alteração na natureza da legitimidade processual do sindicato, que permanece atuando como substituto processual, não se convertendo a execução coletiva em ações individuais dissociadas da atuação sindical.
Portanto, o ato de quantificar, liquidar e individualizar os créditos, longe de ser fator que afaste a legitimidade sindical, é mero procedimento de adequação dos títulos executivos às obrigações pecuniárias de cada trabalhador substituído. Essa etapa decorre de imperativo técnico do processo de execução e não interfere no título coletivo que beneficia toda a categoria, tampouco restringe a atuação do sindicato como substituto processual.
Em suma, reafirma-se que a quantificação e/ou individualização dos direitos dos substituídos não tem o condão de afastar, limitar ou restringir a legitimidade sindical, que permanece integral até o adimplemento total da obrigação reconhecida judicialmente.
V. CONCLUSÃO
Com base na análise realizada, é possível afirmar que a atuação da entidade sindical, no exercício da substituição processual, encontra amparo constitucional, legal e jurisprudencial sólido, tanto na fase de conhecimento quanto na liquidação e execução.
A ampla legitimidade conferida pelo artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal assegura ao sindicato — e, na ausência deste, à federação — o pleno direito de defender os interesses individuais homogêneos da categoria, sem necessidade de autorização expressa dos substituídos e independentemente de rol nominal.
De igual modo, fica plenamente afastada qualquer tese no sentido de que a quantificação e/ou individualização dos créditos devidos a cada substituído pudesse comprometer ou restringir a legitimidade da entidade sindical. A individualização dos valores é etapa natural e necessária do processo executivo, sem qualquer repercussão sobre a legitimidade processual do sindicato ou da federação, que permanece atuando como substituto processual até o cumprimento integral da obrigação reconhecida no título executivo coletivo.
A jurisprudência recente do Tribunal Superior do Trabalho, a exemplo do Ag-AIRR-100315-96.2021.5.01.0244, bem como a orientação firmada no Supremo Tribunal Federal no Tema 823 da repercussão geral, consolida o entendimento de que a defesa dos interesses dos trabalhadores pela entidade sindical não se limita à fase de conhecimento, estendendo-se de forma plena à execução, mesmo quando esta demanda apuração individual dos valores.
Portanto, é imprescindível reconhecer a importância da atuação das entidades sindicais no presente debate, que gira em torno de temas fundamentais para o Direito Coletivo do Trabalho, notadamente: a) A plena legitimidade do sindicato — e das federações, quando cabível — para a defesa dos direitos da categoria, tanto na fase de conhecimento quanto na de execução, em ações coletivas, civis públicas ou mesmo na defesa de interesses individuais homogêneos; b) A absoluta irrelevância, para fins de legitimidade processual, da necessidade de quantificação e/ou individualização dos direitos dos substituídos, etapa que se insere no âmbito técnico da execução e não compromete a titularidade processual da entidade sindical.
REFERÊNCIAS
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
NASSER, Salem Hikmat. Direitos Coletivos em Juízo. 3. ed. São Paulo: RT, 2008.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Coletiva – Instrumento de Efetividade da Jurisdição. 3. ed. São Paulo: RT, 2013.
NICODADELI, Sandro Lunardi et all. Liberdade sindical : recompilação de decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT /Organização Internacional do Trabalho ; supervisão Sandro Lunard Nicoladeli, Ronaldo Lima dos Santos, Jefferson Luiz Maciel Rodrigues ; tradução Raquel Sizanoski ; revisão Ana Paula Mira. – Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023.
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