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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Reflexão: ‘A Filha da Índia’, o filme sobre o estupro coletivo que chocou o mundo chega ao Brasil

No dia 16 de dezembro de 2012, Jyoti Singh, estudante de medicina de 23 anos, saiu do cinema num shopping de Nova Déli, na Índia, e pegou um ônibus junto com seu amigo para voltar pra casa. Já era noite, porém não muito tarde. Dentro do lotação, havia cinco homens e um menino menor de idade, incluindo o motorista. Todos se conheciam. Durante a viagem, Jyoti foi brutalmente estuprada pelo grupo e seu amigo, espancado; em seguida, ambos foram jogados para fora do veículo.

É a partir desse caso chocante que nasceu o documentário A Filha da Índia (India's Daughter, em inglês), lançado no Brasil nesta semana. Produzido e dirigido pela britânica Leslee Udwin, o filme mescla cenas de ficção, que recriam alguns momentos do crime, com as entrevistas dos pais da vítima, das famílias e dos advogados de alguns dos criminosos – todos eles foram condenados –, além de um dos estupradores presos.
Também aparecem no documentário algumas cenas da onda de protestos sem precedentes que durou cerca de um mês em todos os cantos da Índia contra a violência sexual exacerbada e pouco punida no país. De acordo com os números do governo indiano, uma mulher é estuprada a cada 20 minutos no país.
A desvalorização da mulher na sociedade indiana fica clara em diversas situações do filme. Em uma delas, um dos advogados dos estupradores compara as mulheres com flores, que são frágeis e precisam de proteção, e os homens com espinhos, que são duros e fortes. "Na nossa cultura, não existe lugar para mulheres", ele afirma.
Uma das passagens mais chocantes da película acontece numa conversa com Mukesh Singh, um dos condenados pelo estupro. Sua feição permanece fria por toda a entrevista, e ele não demonstra nenhum tipo de remorso; inclusive, culpa a vítima pelo ocorrido, além de deixar claro que pensa que ela mereceu tal brutalidade. "Uma garota decente não sairia por aí às 21h", diz Mukesh.
Por outro lado, A Filha da Índia monta um retrato sobre quem era Jyoti Singh, uma menina que abriu mão do dinheiro que seria gasto em seu casamento para pagar a faculdade de medicina. Que trabalhava de madrugada num call center pra poder ajudar seus pais. Que confrontava o machismo e que lutou o quanto pôde para viver de acordo com o que ela acreditava.
Durante a passagem da diretora pelo Brasil para uma série de exibições do documentário, Leslee contou sobre seu receio em entrevistar pessoalmente um estuprador, principalmente por ter sofrido uma violência sexual aos 18 anos. "Eu fiquei com medo e achei que perderia o controle", conta.
Como forma de treinar seu autocontrole frente a um desses criminosos, a diretora, então, resolveu entrevistar outros estupradores antes. Ela diz que um deles era um homem de 35 anos que estava preso há cinco, condenado por violentar sexualmente uma menina de cinco anos de idade. Inconformada com a frieza e a falta de remorso do homem durante horas e horas de conversa, ela relatou que o indiano, ao ser questionado se sentia arrependimento pelo que fizera com a garotinha, respondeu: "Ela era pedinte, sua vida não tinha valor".
Assim que o documentário foi lançado mundialmente, o governo baniu sua exibição na Índia. "A maior parte dos indianos apoia meu filme. Alguns são corajosos em dizer [que apoia o filme], mas tem uma cultura muito forte do medo operando no país", acusa a diretora. Mesmo censurado, A Filha da Índia foi hackeado e teve 1,5 milhão de acessos pelo YouTube apenas uma hora após sua estreia.
Já aqui, no Brasil, essa película chega também para marcar o lançamento da campanha sobre o direito de mulheres e meninas chamada "Quanto Custa a Violência Sexual Contra Meninas?". De acordo com dados da campanha, estima-se que 500 mil mulheres sejam vítimas de estupro no Brasil todos os anos, sendo que 70% das vítimas são crianças e adolescentes. E o mais alarmante: a maior parte dos abusos (67%) acontece dentro de casa, e eles são cometidos por parentes próximos ou conhecidos da família. O cenário é aterrorizante, e o filme embarca na missão de abrir um debate mais escancarado sobre a cultura do estupro no país.
Infelizmente, a situação alarmante da violência sexual não se resume a somente alguns países – ela é global. E é por isso que a frase com que a diretora Leslee Udwin terminou seu discurso faz tanto sentido. "A Filha da Índia é a filha do mundo inteiro também". O silêncio, pelo menos, foi quebrado.
Filha da Índia será exibido apenas num circuito independente. Para saber onde assistir, acesse:

Fonte: http://www.vice.com/pt_br/read/a-filha-da-india-o-filme-sobre-o-estupro-coletivo-que-chocou-o-mundo-chega-ao-brasil

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