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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

REESTRURURAÇÃO E PULVERIZAÇÃO DO CUSTEIO FRAGILIZA MAIS OS SINDICATOS

 (RELATÓRIO DO GAET FOCA NA PRODUTIVIDADE EM DESCOMPASSO SOCIAL)

Clovis Renato Costa Farias

(Advogado, mestre e doutor em Direito, membro do GRUPE)

 

A míngua do custeio sindical nos moldes realizados e em desenvolvimento desde 2017 no Brasil é um aspecto central para o enfraquecimento das entidades representativas, com consequências para a dignidade de cada pessoa humana que trabalha e consequências nefastas para os direitos sociais, em claro retrocesso social e perecimento dos direitos fundamentais.

Situação que se agrava com os avanços de grupos oficiais criados pelo governo federal, tais como o GAET, e suas propostas antidemocráticas, objetivando desaparelhar os mais necessitados, trabalhadores e trabalhadoras, com avanço abissal das desigualdades no país. Algo que tem gerado danos materializados na manipulação de informações e dados, “fake news", com fonte no governo federal.

Neste momento histórico, importa compreender o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), instituído pela Portaria nº 1.001, de 4 de setembro de 2019, pelo então Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, com o objetivo de avaliar o mercado de trabalho brasileiro sob a ótica da modernização das relações trabalhistas e matérias correlatas.

Em sua estrutura de funcionamento tem com 04 (quatro) Grupos de Estudos Temáticos - GET, dedicados ao estudo de temas específicos (I - Grupo de Estudo de Economia do Trabalho; a) Eficiência do mercado de trabalho e das políticas públicas para os trabalhadores; b) Informalidade; c) Rotatividade; d) Futuro do trabalho e novas tecnologias; II - Grupo de Estudo de Direito do Trabalho e Segurança Jurídica; a) Simplificação e desburocratização de normas legais; b) Segurança jurídica; c) Redução da judicialização; III - Grupo de Estudo de Trabalho e Previdência; a) Insalubridade e Periculosidade; b) Regras de notificação de acidentes de trabalho - CATs; c) Nexo Técnico Epidemiológico; d) Efeitos previdenciários de decisões da Justiça do Trabalho; e) Direitos do trabalhador decorrentes de benefícios previdenciários; IV - Grupo de Estudo de Liberdade Sindical; a) Formato de negociações coletivas; b) Representatividade nas negociações coletivas; c) Registro sindical). Também, pode abordar outros temas que avaliem como relevantes em suas atividades e no relatório final.

A participação das entidades sindicais é elidida na constituição, de forma ordinária, sendo viável, apenas, a critério do Coordenador-Presidente e dos demais coordenadores, como convidados especialistas para participar das discussões do GAET ou dos GETs, nos termos do artigo sexto da Portaria nº 1.001/19. Um ponto que sinaliza o caráter antidemocrático e de desinteresse no diálogo social, uma vez que intenta tratar dos assuntos, fundamentalmente, de interesse dos sindicatos e respectivas representações e não lhes insere como membros natos. Contexto que evidencia o caráter irreal e ideológico antissindical de sua formação, bem como de sua produção nos relatórios e propostas.

A elisão dos dirigentes sindicais, não tem justificativa democrática ou técnica, especialmente pelo fato de não haver remuneração aos membros, conforme o art. 8º da Portaria. Contexto que está firmado no relatório, com pretensão de afastar os sindicatos, inclusive, de suas funções precípuas, como consta em tópicos específicos, como o 3.9 do relatório de novembro de 2021, cujo título é “negociação coletiva sem sindicatos”.

O último relatório do GAET, publicado em novembro de 2021, traz toda uma proposta de reformulação dos direitos sociais do trabalho, em termos individuais e coletivos, com marca objetiva na pulverização e no enfraquecimento do modelo sindical pátrio, já claudicante desde a “Deforma” trabalhista (Lei nº 13.467/17), com impactos mais profundos na representação e no custeio.

Para tanto, dispõe, em seu resumo executivo, que examina criticamente o ordenamento e funcionamento da organização sindical e da negociação coletiva no Brasil com o objetivo de propor novo sistema que, com base no princípio da liberdade sindical, reduza a interferência do Estado e promova o exercício da plena autonomia coletiva de trabalhadores e empresas.

Os tópicos mais invasivos do relatório estão nos itens 2.14. A “PAUTA PATRONAL” E A INSEGURANÇA DAS EMPRESAS, item 2.15. LIBERDADE SINDICAL COMO ELEMENTO DA DEMOCRACIA - O NOVO SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA, item 3.3. UNIDADE DE NEGOCIAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE, item 3.4. ORGANIZAÇÃO SINDICAL E REPRESENTATIVIDADE; item 3.6. ADMINISTRAÇÃO DA NORMA COLETIVA; item 3.7. SOLUÇÃO DE CONFLITOS; item 3.8. PRÁTICAS ANTISSINDICAIS; item 3.9. NEGOCIAÇÃO COLETIVA SEM SINDICATOS; item 3.10. GREVE, LOCAUTE E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL; item 3.11. REPRESENTAÇÃO DE TRABALHADORES ATÍPICOS; item 3.11. REPRESENTAÇÃO DE TRABALHADORES ATÍPICOS; item 3.12. FINANCIAMENTO DOS SINDICATOS; item 3.13. DISPOSIÇÕES ADICIONAIS TRANSITÓRIAS. Para finalizar com o vilipêndio generalizado na proposta constante no item PROJETO DE EMENDA CONSITUCIONAL.

Em tais itens do relatório do GAET, toda a conjuntura social dos trabalhadores, a desigualdade na relação de trabalho, o contexto recorrente de perseguições aos mais fracos e invisibilizados, e todo o quadro de hipossuficiência é desconsiderado, para enfatizar a preponderância de um modelo de negociação coletiva que enfatiza a produtividade em detrimento da dignidade.

Irradia-se no relatório, claramente, as intenções do grupo e do documento, com ênfase no aumento da produção em detrimento da dignidade humana e de seus caráteres decorrentes como a igualdade a ser otimizada no Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF/88) ou o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária (Art. 3º, I, CF/88), constante nos objetivos da República Federativa do Brasil. Veja-se, no contexto do relatório, que a palavra “produtividade”, por exemplo, consta 103 (cento e três) vezes no documento, em suas 262 páginas, em contraste em um texto que fala sobre emenda à constituição e alteração dos direitos fundamentais, a palavra “dignidade” somente é mencionada seis vezes e 03 (três) vezes a palavra “desigualdade”.

Em termos de representação, a PEC sugerida pelo relatório do GAET implica em um sindicato que se desnaturaliza dos moldes constitucionais atuais e passa a representar apenas seus associados. Há abertura para a criação de incontáveis entidades, medidas pela quantidade de pessoas a depender da negociação ou do conflito, independente da categoria, seguimento ou empresa. O que tende a gerar grande confusão jurídica e social, com profunda fragilização da base e enfraquecimento do poder de representação das entidades.

Assim, consta na sugestão de PEC, art. 8º, II, “é livre a organização sindical em qualquer grau ou âmbito de representação, não havendo vinculação obrigatória a atividades econômicas, ocupações, ofícios, profissões e bases territoriais”. Resta um prazo de dois anos para as atuais entidades (que representam por categoria) se adequarem, mas, percebe-se que, de fato, tenderão a implodir em grande parte, replicando-se em uma diversidade de gabinetes oportunistas que tendem a surgir, em um primeiro momento. O que parece ser a intenção real do GAET, delimitando a representação no momento da negociação ou conflito coletivo, uma vez que a sugestão de PEC destaca o termo “representados na unidade de negociação”.

Observe-se que, na fl. 243 do relatório, propõe-se que, no novo modelo, o sindicato profissional poderá associar quaisquer trabalhadores. Mas, para efeito de negociação coletiva, somente atuará naquela unidade de negociação se for o mais representativo. Em suma, as normas coletivas se aplicarão apenas aos trabalhadores vinculados à unidade de negociação respectiva.

Ao ponto de ampliar o caráter proativo dos sindicatos patronais e, injustificadamente, reduzir o dos representantes laborais, nos instrumentos de negociação coletiva, como pode ser notado na fl. 243 do relatório, “o sindicato mais representativo assume os ônus e bônus de sua condição, não podendo discriminar os representados, especialmente quanto a resultados da negociação coletiva. A regra deve ter status constitucional. Os sindicatos empresariais representarão apenas as associadas, mas se admite a extensão da norma coletiva a não-associadas que assim desejarem, condicionada à anuência do sindicato mais representativo dos respectivos trabalhadores. O sindicato profissional mais representativo pode eventualmente perder essa condição quando a unidade de negociação é ampliada ou reduzida”.

A visão apresentada no relatório expõe a intenção de modificar o modelo, retirando do caráter protetivo das entidades de defesa dos trabalhadores e redução das desigualdades, para funcionar como influenciador do mercado, arma das empresas, como destacado na fl. 248 do relatório, “para equilibrar a distribuição de poder no mercado de trabalho e no próprio jogo político democrático”.

A pretensão de distorcer as finalidades das entidades sindicais, também, pode ser notada na fl. 249 do relatório, ao demarcar que “o bom entrosamento entre sindicatos e empresas ajuda a melhorar a qualificação profissional e promover a produtividade, o que é crucial para a competitividade no mercado externo e doméstico. Enfim, são vários os motivos econômicos e administrativos que recomendam fortalecer a capacidade negocial dos sindicatos de modo a atender os pleitos dos representados nos limites das reais possibilidades da empresa”.

Tal desnaturação vai desaguar no custeio, também, pulverizado das entidades. Para tanto, a sugestão do GAET para o art. 8º da Constituição, na PEC, dispõe no inciso XII, que “é vedada a imposição de contribuições de qualquer natureza aos não-associados, ressalvada a contribuição negocial para estrito custeio da negociação coletiva, definida em assembleia geral do sindicato mais representativo, a ser estipulada no respectivo instrumento, não podendo superar o valor anual da contribuição associativa, e será devida por todos os representados na unidade de negociação, associados ou não”.

Pior, os propósitos objetivam a criação de entidades conhecidas na doutrina como “sindicatos amarelos”, rechaçados pelos tribunais e doutrina mundiais, uma vez que visam legitimar desigualdades e desrespeito de direitos. Pretende-se a viabilização de entidades negociadoras, com poderes normativos, para afastarem o controle judicial, como disposto na fl. 220 do relatório, “a negociação coletiva também é relevante em muitos temas para restringir o campo de divergências em ações judiciais: os contornos são espontaneamente definidos pelas partes – empresas e sindicatos. É um mecanismo pragmático para conter o exagerado ativismo judicial”.

Ademais, limita a estabilidade dos dirigentes sindicais, especialmente, diante da possiblidade de pulverização proposta, de modo que, nos termos da fl. 244, somente garante estabilidade no emprego para dirigentes sindicais eleitos na proporção de um para cada 200 associados pagantes, não podendo exceder a 80 por entidade sindical.

Por fim, consta na fl. 246, graves modificações quanto ao direito de greve, confundindo, ainda, o conceito, uma vez que a greve é um direito dos trabalhadores e não dos sindicatos. Assim, o GAET propõe que “será garantido ao sindicato mais representativo o direito de greve na unidade de negociação coletiva. Para o exercício desse direito, o âmbito de representação não precisa coincidir com o da unidade de negociação. Isso significa, por exemplo, que o mais representativo em um estabelecimento poderá nele deflagrar greve, embora a unidade de negociação seja um conjunto mais amplo de estabelecimentos ou empresas no qual o sindicato mais representativo seja outro”.

Desse modo, a reestruturação nos moldes propostos no relatório do GAET, de novembro de 2021, dá continuidade à “Deforma” trabalhista iniciada em 2017, com profundas alterações no contexto social, privilegiando a produção em detrimento da dignidade da pessoa humana, com inefáveis prejuízos aos representantes sindicais e, consequentemente, aos representados.

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