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domingo, 21 de abril de 2019

Pluralidade na liberdade sindical e conjuntura brasileira


Clovis Renato Costa Farias (advogado, professor universitário, doutor em Direito, membro do GRUPE e da Excola)

Artigo publicado na Revista Informa Sindical

O modelo proposto pelo Governo Federal em uma perspectiva mais voltada para a redução do Estado (cortes de gastos com políticas públicas, terceirização, etc.), maior liberdade para o mercado e priorização de empregos independentemente dos direitos deles decorrentes e redução do diálogo social, tem se materializado com a extinção de dezenas de Conselhos compostos pela sociedade civil (Decreto n.º 9.759, editado em 11 de abril de 2019), imposições abruptas aos sindicatos (MP 873), extinção de direitos laborais, perseguição a líderes e a movimentos sociais.
Algo que vem sendo notado desde o governo anterior que construiu a “deforma” trabalhista com a alteração profunda da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual vinha anualmente tendo modificações pontuais, mas que, em 2017, foi alterada em mais de cem artigos em rito que contraria as normas do devido processo legislativo, com normas claramente inconstitucionais e contra os tratados internacionais sobre direitos humanos. Os impactos ficaram claros com a redução de mais de 40% das ações trabalhistas, cortes de orçamento em 90% para a Justiça do Trabalho, replicados por 20 anos, bem como a dificuldade de acesso à justiça, tratamentos desiguais entre trabalhadores, fim da ultratividade das normas de negociação coletiva e alteração do sistema de custeio sindical, que já estão sendo sentidos pela falta de negociação coletiva reinante em 2018/2019 e incompreendidas, especialmente, pelos trabalhadores.

Após os revides à Medida Provisória 873/2019 que, dentre outros fatores, vedou o desconto em folha das contribuições dos representados aos sindicatos, sinaliza para o fim da unicidade sindical, com anúncios de encaminhamento de PEC alteradora do art. 8º, IV da Constituição, pondo fim à unicidade sindical.
O discurso de viabilização da “liberdade” em um contexto demarcado por várias atitudes arbitrárias do governo central, já combatidas pela Procuradoria Geral da República e mitigada por centenas de decisões judiciais suspendendo efeitos de normas, tais como a MP 873/2019, enseja conduzir o povo à falsa noção de autonomia da vontade, ao mascarar a ideia central de maior enfraquecimento das categorias na defesa dos direitos dos representados.
A ignorância, seja por não conhecimento do sistema sindical e suas atividades de proteção coletiva, seja pela compreensão errada ativa sobre o papel das entidades sem a participação dos trabalhadores, contribui para o acirramento das ações invasivas e interventivas do governo brasileiro.
Em tal conjuntura, o governo federal assinala na mídia que, após a reforma da previdência, proporá o fim da unicidade sindical. Alerta o Secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (que capitaneou a Lei nº 13.467/2017 – “deforma” trabalhista no governo anterior), a ideia é permitir a concorrência entre sindicatos e “estimular a melhoria de performance e a prestação de serviços aos associados”.
O discurso vem maquiado pela sombra da Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização (Convenção nº 87/OIT), elaborada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, convocada em São Francisco pelo Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho, e reunida naquela cidade em 17 de junho de 1948 em sua trigésima primeira reunião.
Conforme o Artigo 2, os trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas. Não trata, assim, do modelo de unicidade adotado pelo Brasil, que dispõe ser livre a associação profissional ou sindical, observado que é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município (art. 8º, II, Constituição da RFB de 1988).
Com todas as dificuldades, o índice atual de filiação média dos sindicatos representantes da iniciativa privada é de 11%, mas há sindicatos com mais de 20 mil filiados em funcionamento por categoria. Entre os servidores públicos, com a ratificação da Convenção nº 151/OIT em 2010, a maioria das entidades tem mais de 80% de filiação. Porém, com eventual e abrupto fim da unicidade, há uma tendência de as categorias patronais ampliarem as dificuldades de negociação coletiva por não reconhecerem a representação das entidades que historicamente detinham tal legitimação para negociar pelos trabalhadores, o que implicará em mais perdas de direitos e confirmará a pergunta do presidente aos trabalhadores: “querem direitos ou empregos?”. Questiona-se que tipo de empregos em um mundo que firma em incontáveis tratados internacionais sobre direitos humanos a preponderância da dignidade da pessoa humana.
Desmantelo maquiado de “liberdade” pelo fato de não haver diálogo social, nem sequer tempo que viabilize a transição de modelos, sendo verdadeira imposição do Estado e, em especial, por ser imposta pelo governo em retaliação às entidades, por pretenderem discutir as políticas sociais do novo governo. Completa a implosão do sistema confederativo iniciada com a Lei nº 13.467/2017, a fragilização das entidades ampliada pela MP nº 873/2019 e, imediatamente, possibilitará o fim das negociações coletivas, já inexistentes em algumas categorias após a “deforma”, em face da baixa representatividade.
Desse modo, torna-se importante traçar paralelo a partir das decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, na Recopilação de Decisões do CLS/2018, em que há demarcação de ampla pluralidade e fragmentação das categorias, com a viabilidade de diversos sindicatos representando os trabalhadores em uma única empresa, por exemplo. Colisão que pode inviabilizar o movimento sindical e desproteger os trabalhadores, com necessidade de diálogo social efetivo e, se for o caso, tempo para a reorganização das entidades, antes de qualquer ato normativo verticalizado por parte do governo, garantindo-se clima de plena segurança, liberdade e evitando-se maior derrocada de direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.
A Recopilação traz os verbetes 475-501 tratando sobre “Unidade e pluralismos das organizações”, em diversos verbetes fala-se de liberdade em um clima de plena segurança (Verbete nº 475). Torna-se evidente a importância da livre eleição dos trabalhadores no que diz respeito a criação de suas organizações e filiação as mesmas para que se respeite a liberdade sindical.
Assim, dispõe-se que pode haver mais de uma organização sindical por setor determinado, desde que por escolha dos trabalhadores (Verbete nº 477). A viabilidade de criação de mais de uma organização sindical por empresa vem disposta no Verbete nº 479 da Recopilação do CLS, reiterando-se no Verbete nº 480 que fere a Convenção nº 87 impedir que coexistam dois sindicatos por empresa. Ademais, o V. 482 demarca que disposições que exigem apenas um sindicato por empresa, ofício ou profissão, são incompatíveis com o artigo 2 da Convenção nº 87 da OIT.
Desse modo, o quadro impõe efetiva liberdade dos trabalhadores e entidades já constituídas, garantindo-se, se for o caso de efetiva modificação do modelo de unicidade para a pluralidade sindical como proposto pelo governo, para que os trabalhadores com a experiência de suas entidades possam se reestruturar, sob pena de derrocada incontrolável da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais sociais, bem como os instrumentos normativos internacionais que tratam sobre negociação coletiva e liberdade sindical. Com o tempo, em casos de conflitos envolvendo categorias mais fortes, gerará, inclusive, maiores prejuízos à economia, à sociedade e ao povo como um todo, por falta de entidade legitimada a negociar o retorno à normalidade, como o caso presente dos caminhoneiros.

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