O Comando
Local de Greve dos Técnico Administrativos em Educação (TAE), Cariri, com a diretoria do SINTUFCE e o advogado Clovis Renato Costa Farias realizam ato
instrutivo para alertar sobre o assédio moral nas relações de trabalho, com
suas causas e consequências no perecimento da dignidade da pessoa humana.
Após as
saudações pelo servidor Gideão, a Coordenadora Geral do SINTUFCE Telma Araújo parabenizou
os servidores pela união e solidariedade que está ocorrendo na greve dos TAE no
Cariri, destacando as pautas e o nível da negociação em Brasília.
Clovis
Renato, advogado da entidade sindical, fez diversos esclarecimentos sobre
o problema da centralidade do trabalho no sistema capitalista, que leva a
ocorrência de assédios morais tanto de forma vertical (“chefe” e “subordinado”)
e horizontal (entre trabalhadores de mesmo nível hierárquico nas relações de
trabalho).
Ressaltou
que o ambiente assediante malfere, dentre outras esferas, a saúde do
trabalhador, destacando-se que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente
ausência de afecções e enfermidades.
Já o assédio
moral ocorre com atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta
e sem ética nas relações de trabalho, praticada por um ou mais chefes contra
seus subordinados (vertical) ou entre os pares de hierarquia equivalente. Há exposição
a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes no ambiente de trabalho,
os quais visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a
relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em
risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego.
A ocorrência
fortalece a discriminação no trabalho, a manutenção da degradação das relações
de trabalho e a exclusão social; demarca um risco, por vezes, “invisível”, mas concreto,
nas relações de trabalho e que compromete, sobretudo, a saúde das trabalhadoras;
ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e identidade da pessoa
humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interfere
negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte.
Definidos os
eixos a serem apresentados, a exposição do advogado tomou como norte as teorias
de Karl Marx na obra Os Grundrisse, bem
como nas obras “Tempo, trabalho e
dominação social” (Moishe Postone), “Manifesto
contra o Trabalho” (Grupo Krisis), “Dinheiro
sem valor” (Robert Kurz), as quais foram sendo apresentadas com arremates
jurídicos legais e jurisprudenciais.
Do “Manifesto contra o Trabalho”, elaborado
pelo Grupo Krisis, relembrou que o ambiente assediante decorre, especialmente,
pela percepção de que o tempo das pessoas deixa de ser tempo vivido e
vivenciado e torna-se simples matéria-prima que tem de ser otimizada, sendo as
pessoas alienadas de sua condição humana e tratadas como coisas (processo de reificação),
o que se torna solo propício para a ocorrência das várias formas de assédio,
como destacado da obra:
“[...] Nesta esfera, separada da vida, o tempo
deixa de ser tempo vivido e vivenciado, torna-se simples matéria-prima que tem
de ser optimizada: «tempo é dinheiro». Cada
segundo é contabilizado, cada ida à casa-de-banho é um escândalo, cada conversa
é um crime contra a finalidade autonomizada da produção. No local de trabalho, apenas pode ser gasta
energia abstracta. A vida fica lá fora - ou porventura em parte nenhuma, porque
a cadência do trabalho rege interiormente todas as coisas. Até as crianças
são domesticadas pelo relógio, para que um dia possam ser «eficientes». As
férias só servem para a recuperação da «força de trabalho». E mesmo às
refeições, nas festas e no amor, o ponteiro dos segundos faz tiquetaque na
nossa cabeça.” (In: Manifesto contra o Trabalho. Net: http://vidaarteedireitonoticias.blogspot.com.br/2014/01/reflexao-manifesto-contra-o-trabalho.html).
Na mesma
linha de raciocínios, Clovis Renato seguiu destacando resíduos da obra de
Moiche Postone, com base na obra marxiana “Os
Grundrisse”:
“Uma característica do capitalismo é que suas relações sociais
essenciais são sociais de uma maneira peculiar. Elas existem não como relações interpessoais abertas, mas como um conjunto
quase independente de estruturas que se opõem aos indivíduos, uma esfera de
necessidade impessoal ‘coisal’ e ‘dependência coisal’. Consequentemente, a forma de dominação
social característica do capitalismo não é abertamente social e pessoal: ‘Essas relações de dependência coisal [...]
aparecem de maneira tal que os
indivíduos são agora dominados por abstrações, ao passo que antes dependiam uns
dos outros’. O capitalismo é um sistema de dominação abstrata e impessoal. Em relação à formas sociais anteriores, as pessoas parecem
independentes; mas, na verdade, são sujeitas a um sistema de dominação social
que não parece social, e sim ‘objetivo’.
A forma de dominação
peculiar ao capitalismo é também descrita por Marx como a dominação de pessoas pela produção: ‘Os indivíduos estão subsumidos à produção social que existe fora deles
como uma fatalidade. Mas a produção social não está subsumida aos
indivíduos que a utilizam como seu poder comum’. Esse trecho é de
importância fundamental. Dizer que os
indivíduos são incluídos sob a produção é dizer que são dominados pelo trabalho social. Isso
sugere que a dominação social no
capitalismo não pode ser suficientemente entendida como dominação e controle
dos muitos e de seu objeto de trabalho por poucos. No capitalismo, o trabalho social não é somente o objeto de dominação e exploração, mas é, ele próprio, o terreno de dominação. A forma não pessoal, abstrata, ‘objetiva’
de dominação característica do capitalismo está aparentemente relacionada à
dominação dos indivíduos por seu trabalho
social.” (In:
POSTONE, Moiche. Tempo, trabalho e
dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. Trad. Amilton Reis, Paulo César Castanheira.
1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 149-150)
Em tal
contexto, Clovis Renato destacou que as pessoas estão vivendo dominadas por
categorias abstratas intrincadas (trabalho-dinheiro-consumo), de modo que, ao
invés de se compreenderem como dignas naturalmente, estão fetichizadas para
achar que somente podem “ser” por meio de estruturas como o trabalho e o
dinheiro/consumo, o que as coloca em posição de exposição ao assédio moral e,
não raro, como assediadoras. Como destacado por Robert Curz:
“[...] Do facto, evidente,
de as pessoas terem sempre de produzir os seus géneros alimentícios não decorre
automaticamente que esse estado de coisas seja, para elas, decisivo, e contenha
em si uma lógica própria, definidora da sua sociedade e determinante de todos
os outros momentos da via. É um mito moderno supor que a produção, ou, na
acepção moderna, o ‘trabalho’, tenha
preenchido a vida no seu todo nos primórdios da Humanidade, que a sua carga
tenha sido depois ligeiramente reduzida, à custa de muito esforço, com o ‘desenvolvimento das forças produtivas’,
e que só a gloriosa Modernidade do capital, com recurso à técnica e à ciência,
tenha produzido o potencial de ‘tempo
livre’ em grande escala. Marx apenas acompanha parte deste mito – no que
respeita à fadiga extrema que os tempos
pré-modernos teriam representado; ao mesmo tempo, sabe e afirma que só o fetiche do capital transforma a
totalidade do tempo de vida do ser humano em ‘tempo de trabalho’ num patamar cada vez mais elevado.” (In:
KURZ, Robert. Dinheiro sem valor: linhas
gerais para uma transformação crítica da economia política. Trad. Lumir
Nahodil. Lisboa: Antígona, 2014. p. 79)
Tal contexto sócio-jurídico, em linhas gerais, envolve o sistema capitalista com sua estruturas e contradições, especialmente, no âmbito do trabalho, sendo relevantes as reflexões aptas a provocarem questionamentos à realidade para a busca de saídas aptas a garantirem a dignidade e a emancipação humanas.
Os
servidores lotados na Universidade Federal do Cariri (UFCA), em greve por melhorias nas condições de trabalho, realizaram o encontro por estarem sentido diversas condutas assediante durante a paralisação, de modo que foram sugeridas ações
no correr da paralisação a serem desenvolvidas, em parceria com o sindicato, pelo CLG.