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sábado, 2 de setembro de 2017

A redução de jornada sem redução de salário: Portaria nº 3.466/2017 e as vias para a efetivação da jornada de 30 horas na UFC


A questão da jornada de trabalho, internacionalmente vista como cerne do meio ambiente laboral (art. 200, VIII, da Constituição de 1988), dada a repercussão imediata e constante na saúde e segurança dos obreiros, vem sendo enfrentada pelos servidores Técnico Administrativos em Educação.

I.                 Redução da jornada, humanização do serviço e ampliação da dignidade da pessoa humana
A essência da ligação da jornada à saúde mental dos trabalhadores decorre do forte processo de alheamento da condição humana no ambiente de trabalho, especialmente, emerge do fato de o trabalhador não poder exercer sua humanidade/individualidade na relação subordinada, em síntese por três questões: 1) trabalha por necessidade de sobrevivência e, de regra, não escolhe o tipo de labor, mas se submete às possibilidades do Mercado/Estado; 2) em face de sua subordinação e hierarquia consequente, não escolhe a jornada de trabalho ou o horário a ser trabalhado; 3) diante do processo de reificação/coisificação/alienação, inerente às relações laborais no capitalismo, não detém o poder diretivo ou suas ideias sobre o modo de desenvolvimento da atividade que desempenha não são consideradas em relevo no  modo de desenvolvimento das atividades.
Tal compreensão esclarece melhor, em termos gerais, a satisfação coletiva com os fins de semana, feriados, recessos e férias, em contrapartida, aos dias referentes ao início de jornada ou retomada dos trabalhos no sistema de subordinação.

Em tal contexto, percebe-se que o trabalho deve ser exercido em jornadas limitadas que permitam aos obreiros o gozo, em cada jornada, dos demais direitos sociais postados no art. 6º da Constituição:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Realidade que está sistematizada no curso da Constituição de 1988, com marcas indeléveis na ordem econômica e na ordem social:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.
[...]
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Os delineamentos relacionados ao Princípio da Legalidade (art. 37, caput, da Constituição de 1988) referente a jornada dos trabalhadores em geral encontra-se demarcado no texto constitucional:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
Tal direito é estendido aos servidores públicos vinculados a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, como postado:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. 
[...]
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
A percepção de ampliação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), também na relação de trabalho, se intensifica quanto à jornada partindo do disposto no art. 7º, caput, in fine, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Restando claro que a redução da jornada melhora a condição humana, de modo que a Lei nº 8.112/90, traz jornada inferior às 44h semanais, como regra, e aceita jornadas em tempo menor para os casos dispostos em lei específica:
Art. 19.  Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.
§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração.
§ 2o O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais.
Desse modo, é evidente o ânimo constitucional em permitir a redução da jornada de trabalho como regra e a limitação para a existência de horas máximas que prejudicam a saúde mental e podem gerar acidentes com prejuízos físicos para os gestores no serviço público e iniciativa privada.

II.            As restrições ao “serviço extraordinário”, do pagamento mínimo de 50% a mais que o valor da hora normal e da compensação
Como forma de inibir a prestação acima dos limites das jornadas definidas em termos fundamentais, mas identificando a possiblidade de emergências em casos concretos, a Constituição e a legislação em geral reconhecem as horas “extraordinárias”, que não podem ser tomadas de forma habitual. O intuito restritivo é notório logo pelo título “serviço extraordinário”, bem como pela remuneração superior em, no mínimo, 50% do valor da hora normal, o que se adequa, também, às disposições sobre o trabalho noturno, com redução do quantitativo (menor que 60 minutos) e ampliação percentual do valor da hora trabalhada. Ainda, dispõe-se, exaustivamente, sobre descansos, licenças e férias, como pode ser notado no ordenamento jurídico pátrio:
Constituição de 1988
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

Lei nº 8.112/90
Subseção V - Do Adicional por Serviço Extraordinário
Art. 73.  O serviço extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinqüenta por cento) em relação à hora normal de trabalho.
Art. 74.  Somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais e temporárias, respeitado o limite máximo de 2 (duas) horas por jornada.
Subseção VI - Do Adicional Noturno
Art. 75.  O serviço noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor-hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento), computando-se cada hora como cinqüenta e dois minutos e trinta segundos.
Parágrafo único.  Em se tratando de serviço extraordinário, o acréscimo de que trata este artigo incidirá sobre a remuneração prevista no art. 73.
Subseção VII - Do Adicional de Férias
Art. 76.  Independentemente de solicitação, será pago ao servidor, por ocasião das férias, um adicional correspondente a 1/3 (um terço) da remuneração do período das férias.
Parágrafo único.  No caso de o servidor exercer função de direção, chefia ou assessoramento, ou ocupar cargo em comissão, a respectiva vantagem será considerada no cálculo do adicional de que trata este artigo.

Consolidação das Leis do Trabalho
Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.      
§ 1º A hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos.      
§ 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte.   
Quanto ao “serviço extraordinário”, claramente identifica-se a necessidade de pagamento com valor mínimo de 50% a mais que o valor da hora paga na jornada habitual, salvo se houver instituição formal de sistema de compensação:
Art. 44.  O servidor perderá:
I - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata.   
Parágrafo único.  As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício. 
Cristalina a percepção da República Federativa do Brasil quanto à preponderância da redução à ampliação da jornada de trabalho.

III.        O regime de compensação e o imperativo de negociação coletiva para períodos superiores a um mês
O regime de compensação, superior a um mês, entende-se, de regra, que somente é possível mediante negociação coletiva com o sindicato da categoria, em casos de instituição de banco de horas. Algo que se recomenda, com base nos tratados internacionais sobre direitos humanos (art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição de 1988), em especial, a Convenção nº 98, Convenção nº 135, Convenção nº 154 e Convenção nº 151, todas da Organização Internacional do Trabalho. Em especial, ressalte-se a Convenção nº 151 da OIT (Direito de Sindicalização e Relações de Trabalho na Administração Pública):
PARTE IV - PROCEDIMENTOS PARA A DETERMINAÇÃO DASCONDIÇÕES DE EMPREGO
Art. 7 — Deverão ser adotadas, sendo necessário, medidas adequadas às condições nacionais para estimular e fomentar o pleno desenvolvimento e utilização de procedimentos de negociação entre as autoridades públicas competentes e as organizações de empregados públicos sobre as condições de emprego, ou de quaisquer outros métodos que permitam aos representantes dos empregados públicos participar na determinação de tais condições.
Tal cautela se dá em face da pertinência da imposição da compensação extraordinária excedente a um mês, ensejadora de “serviço extraordinário” remunerado com, no mínimo 50% a mais que o valor normal, dever ser compensada em proporção adequada e similar aos casos em que houvesse o pagamento. Cotejo que viabiliza, por exemplo, a compensação em 1,5 a cada hora de “serviço extraordinário” prestado, não na proporção de 1 por 1.
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
Apesar da Administração Pública ainda não celebrar instrumentos negociais específicos como o acordo ou convenção coletiva de trabalho, celebra, recorrentemente, negociações com o sindicato representativo e os instrumentos negociais firmados são de cumprimento obrigatório, com ônus em caso de descumprimento, como destacado pelo Supremo Tribunal Federal:
TJ-MG não deve descontar dias parados em razão de greve
O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli concedeu liminar na Reclamação (RCL) 13626, determinando ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) que se abstenha de efetuar qualquer desconto incidente sobre a remuneração dos seus servidores em virtude de paralisações realizadas pela categoria no dia 17 de novembro, bem como no período de 23 de novembro a 14 de dezembro do ano passado.
A decisão foi tomada após a análise do pedido feito na reclamação pelo Sindicato dos Servidores da Justiça de Segunda Instância do Estado de Minas Gerais (SINJUS-MG). Na RCL, o órgão representativo da categoria alega afronta à autoridade do STF e à eficácia de decisões da Suprema Corte no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712, em que se estabeleceu norma provisória para o exercício do direito de greve por servidores públicos.
O caso
Na RCL, o SINJUS-MG alega que o TJ mineiro deixou de cumprir acordo homologado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos autos de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), em que se comprometeu a estudar a viabilidade de revisão do processo classificatório de promoção vertical, observado o princípio da legalidade, bem como de realizar esforços para assegurar a inserção de recursos nas suas futuras propostas orçamentárias para fazer frente às despesas com publicação dos editais em atraso das promoções verticais dos anos de 2009, 2010 e 2011.
O sindicato alega, também, descumprimento de lei mineira que prevê o pagamento de adicionais de periculosidade de insalubridade em favor de associados do SINJUS, além da mora na conclusão do processo de promoção de servidores.
Relata que, diante desses fatos e, após frustrada tentativa de negociação com a presidência do TJ mineiro, a categoria realizou greve, que  resultou no corte de ponto, ao mesmo tempo em que o tribunal negou pedido de estabelecimento de um calendário de compensação desses descontos.  Ante as negativas, a categoria impetrou mandado de segurança para assegurar a percepção integral da remuneração e a compensação dos dias parados. Entretanto, uma liminar deferida para suspender o corte de ponto foi cassada em sede  de recurso pelo TJ.
A categoria invoca decisão do STF, segundo a qual subsiste o dever do Poder Público de pagar a remuneração, quando paralisação de seus servidores for provocada por atraso de pagamento dos servidores.
Decisão
Ao decidir, o ministro Dias Toffoli levou em conta o descumprimento de decisão do CNJ pelo Tribunal de Justiça mineiro. O CNJ concedeu o prazo de 90 dias para que a corte mineira preparasse processo de promoção. O Conselho tomou essa decisão, ao afastar a alegação do tribunal de que seria impossível fazer novo processo de promoção enquanto não fosse concluído o processo relativo  às promoções de 2008 e, ainda, de dificuldades para levantamento das vagas existentes.
O ministro levou em conta, também, o descumprimento, pelo TJ-MG, de dispositivos da Lei 19.480/2011 de Minas Gerais, que alterou a redação do artigo 13 da Lei 10.856/92,  dispondo sobre o pagamento de adicional de periculosidade para oficial judiciário e técnico judiciário.
Apoiando-se em decisão do STF no julgamento do MI 670,  o ministro observou que, no caso mineiro, não se trata exatamente de “atraso no pagamento aos servidores públicos civis”, mas  ponderou que, “dentre os motivos da insatisfação dos servidores do TJ-MG está a omissão do órgão em implementar medidas administrativas que viabilizem a ascensão funcional e o aumento do seu padrão remuneratório, inclusive com descumprimento de acordo  homologado perante o CNJ”.
Assim, considerou estar-se diante de “situação excepcional que justifique o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (para justificar o desconto de dias parados em virtude de greve)”, estabelecida no artigo 7º da Lei 7.783/1989, parte final. Esse dispositivo, conforme lembrou, estabelece como regra geral o desconto dos dias de paralisação, salvo se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.
O ministro lembrou que o SINJUS-MG requereu administrativamente a possibilidade de fixação de calendário para que os grevistas repusessem os dias parados em razão da greve, mas que o pedido foi indeferido pelo TJ. Ademais, segundo ele, “é inequívoco o perigo da demora, haja vista a aproximação da data de fechamento da folha de salários do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o que torna iminente a substancial dedução determinada sobre a remuneração dos servidores que aderiram à greve, em valor correspondente a 23 dias de trabalho”.
A RCL ainda será julgada no mérito pela Suprema Corte.
(Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=205886)
Conforme apresentado, resta clara a possiblidade de compensação, com sólida necessidade de negociação, com imperativo jurídico, com a entidade sindical, recomendada em casos superiores ao mês disposto na legislação.

IV.         O caso dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais
No mesmo passo, o Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995 (Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, e dá outras providências), trouxe situações que possibilitam a redução da jornada habitual:
Art. 3º  Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.(Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
§ 1o  Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas(Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
§ 2o  Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
Observe-se que o Presidente da República, ao editar o Decreto, poderia ter optado pela jornada de 30h semanais com 6h diárias, como regra, e tornado excepcionais as jornadas de 40h por semana e 8h diárias, uma vez que a Constituição e a Lei nº 8.112 dispuseram sobre os limites máximos, e, o Regime Jurídico Único postado na lei reduziu tal limite de até 44h para até 4oh semanais. Cotejo que pode ser buscado politicamente pelos servidores em negociação com o Chefe do Poder Executivo e demais respectivos.
Partindo-se do disposto no Decreto nº 1.590, há viabilidade da instituição de jornadas, excepcionais, de 30h/s e 6/dia, atendidos os requisitos:
1)   Serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas;
2)  Período igual ou superior a doze horas ininterruptas;
3)  Em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno (período noturno aquele que ultrapassar às 21h);
Dos dispositivos extrai-se, ainda, a discricionariedade da Administração quanto à implantação, uma vez que o Decreto nº 1.590, expressamente, dispõe que “é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar”.
Observa-se, outrossim, que a vontade da norma é voltada para o “Setor” de atendimento, em razão da natureza dos serviços prestados (“serviços exigirem), não há ênfase no “servidor”, individualmente considerado.
Contexto que protege o trabalhador de eventuais assédios ou situações de mera conveniência política, ensejando a impessoalidade e a moralidade impostas à Administração Pública (art. 37, CF).

V.              O caso dos servidores Técnico Administrativos em Educação da UFC e a Portaria nº 3.466/2017
A Portaria nº 3.466, de 17 de agosto de 2017, firmada pelo Reitor da Universidade Federal do Ceará, estabelece as diretrizes gerais para regulamentação da flexibilização de carga horária dos servidores técnico administrativos e dá outras providências, considerando o disposto no art. 19 da Lei nº 8.112/90 e o art. 3º do Decreto nº 1.590/95, atualizado.
Tal norma representa uma conquista para os servidores, demarcada em anos de luta do SINTUFCE e grupos de trabalho das “30 horas” que se constituíram em vários setores da Universidade. Ainda, marca esforço diligente e democrático da gestão em padronizar condutas na instituição.
Diante de todos os louros que significam a edição da Portaria nº 3.466 e de seu caráter irradiante, como “diretrizes”, cumpre analisar alguns pontos objetivando o aprimoramento e dissabores por parte da gestão e dos servidores TAE.
De plano, observando-se os dispositivos e normas colacionados nos tópicos anteriores do presente artigo, a gestão parece ter mantido os termos do antigo Pro Reitor de Gestão de Pessoas que resistia em compreender que o decreto enfatiza o setor e suas necessidades, não foca no servidor individualmente, como pode ser notado no art. 4º, caput, §§ 4º, 5º, 6º e 7º da Portaria nº 3.466.
Os dispositivos mencionados tornam-se incongruentes em uma leitura sistemática da própria Portaria nº 3.466, uma vez que o primeiro requisito é “os serviços exigirem” (art. 4º, I, §§ 1º, 2º, Portaria). O requerimento para a concessão de flexibilização deve vir da chefia imediata da unidade de lotação (art. 8º, I, Portaria), a aprovação da flexibilização pelo colegiado do departamento e pelo conselho da unidade acadêmica ou por parecer de comissão de três servidores especificamente designados, com homologação pelo dirigente da unidade (art. 8º, II, Portaria).  
Conflito constante da norma quanto ao servidor/cargo e “unidades de lotação” que pode levar a interpretações e conflitos que seriam evitados se a norma estivesse focada no “setor” cujo serviço exigisse e houvesse atendimento aos requisitos do Decreto nº 1.590/95. Destaque-se que a concessão por “setor” não implica em concessão genérica, combatida pelo TCU, de modo que as decisões que implicaram em anulação de atos administrativos por serem genéricos em conceder a toda a instituição e todos os servidores a jornada de 30h, imposta como exceção pelo Decreto nº 1.590.
O Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão paradigmática, em que multou o gestor de uma Instituição Federal de Ensino, por não ter cumprido ordem de revogação de portaria genérica a toda a instituição e servidores, firmou o entendimento de que a aplicação é por setores, de modo que ao anular o ato do reitor no caso em tela, manteve diversos “setores” com funcionamento na jornada excepcional de 30 horas, como se pode notar:
1.8 determinar ao IFRN que:
1.8.1. providencie a regularização do cumprimento da carga horária pelos técnicos não pertencentes aos setores Coordenadoria de Atividades Discentes e Segurança Institucional, Coordenadoria de Turno Diurno e Noturno, Diretorias de Ensino, Coordenadoria de Informatização, Laboratório de Informática, Construção Civil, Laboratório de Desenho e Expressão Gráfica e Gerências Educacionais de Tecnologia Industrial e de Recursos Naturais, de modo a que passem a cumprir expediente de 8 horas diárias, em vez das 6 horas atualmente praticadas, nos termos do inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, do art. 19 da Lei 8.112/1990, do Decreto 1.590/1995 e do Decreto 4.836/2003;
1.8.2 atualize a portaria e o anexo que definem os horários de funcionamento e locais contemplados (Decreto 4.836/2003) com jornada de 6 horas diárias (30 horas semanais).
Observe-se, nos termos e limites da decisão do TCU, que os técnico-administrativos em educação (TAE) pertencentes aos setores :

Coordenadoria de Atividades Discentes e Segurança Institucional, 
Coordenadoria de Turno Diurno e Noturno, 
Diretorias de Ensino, 
Coordenadoria de Informatização, 
Laboratório de Informática, 
Construção Civil, 
Laboratório de Desenho e Expressão Gráfica 
Laboratório de Gerências Educacionais de Tecnologia Industrial 
Laboratório de Recursos Naturais. 

Permaneceram com jornada de 6h por dia e 30h semanais. 
Primeira Câmara do TCU, Acórdão 5847/2013, AC-5847-30/13-1, GRUPO II / CLASSE III, Processo 004.575/2012-1, Ministro Relator ANA ARRAES

Os demais, uma vez que o TCU anulou a portaria genérica que concedia a todos, a IFES teve de providenciar a regularização do cumprimento da carga horária pelos técnicos. O reitor foi punido por ter estabelecido genericamente para todos, não ter alterado quando o TCU recomendou e ter insistido no erro de tornar regra a exceção, mas a decisão ressalvou, em análise acurada, de plano, diversos setores.
Tal ânimo normativo focado no “setor” tem o condão de blindar a gestão central de responsabilização direta por atos de gestores setoriais que pessoalizem a concessão da jornada de 30 horas, como benesse pessoal, que pode levar a concessão e a retirada sem critérios e caracterizar assédio moral em suas diversas formas. Em paralelo, protege os servidores de condutas arbitrárias, tratamentos desiguais e condutas pessoais da gestão.
Relembre-se, a edição da referida Portaria 3.466 atende à legalidade (art., 37, caput, CF, c/c art. 19 da Lei nº 8.112/90, c/c Decreto nº 1.590/95), preceito fundamental engendrado para proteger os cidadãos dos arbítrios do Estado (eficácia vertical dos direitos fundamentais).     
Outro ponto passível de crítica é a excessiva burocracia, apta a inviabilizar ou dificultar sem razoabilidade a implantação, uma vez que o Decreto nº 1.590/95, somente impõe a autorização ao “facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar”, mas a Portaria nº 3.466/2017:

Destaque-se que, além de passar pela Comissão Permanente para Flexibilização de Jornada (arts. 5º ao 7º c/c art. 8º, III, da Portaria nº 3.466), deverá haver requerimento da Chefia Imediata (art. 8º, I, Portaria), anuência de todos os servidores lotados na unidade (art. 8º, I, in fine, Portaria), aprovação da flexibilização pelo colegiado do departamento, quando houver, e pelo conselho da unidade acadêmica ou comissão com três servidores (art. 8º, II, Portaria), parecer da Procuradoria Federal e Portaria do Reitor. Em resumo, o que o Decreto nº 1.590/95 exige apenas a autorização do Reitor, a Portaria impõe sete requisitos, tornando questionável o ânimo da gestão em conceder de fato a flexibilização.
Os sete critérios impostos nas concessões para flexibilização inicial no setor, ainda serão acrescidos de mais três (pesquisa de opinião com os usuários, pesquisa de opinião com os TAE do setor e ocorrência de registros junto à Ouvidoria), como pode ser destacado do art. 9º da Portaria nº 3.466/2017:

Mais grave, o art. 4º, IV, in fine, da Portaria 3.466/2017, institui critério absurdo, não previsto no Decreto nº 1.590/95, que vincula a existência de quantitativo suficiente de servidores na unidade de lotação à vedação da contratação de terceirizados para suprir o atendimento ao público. Contexto que intenta inviabilizar a efetivação da flexibilização proposta, dada a postura do Poder Executivo da União em ampliar as terceirizações já em alto curso para a Administração Pública, como pode ser notado na Instrução Normativa nº 05, de 26 de maio de 2017 (Dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional):
Seção III - Dos Serviços Passíveis de Execução Indireta
Art. 7º Nos termos da legislação, serão objeto de execução indireta as atividades previstas em Decreto que regulamenta a matéria.
§ 1º A Administração poderá contratar, mediante terceirização, as atividades dos cargos extintos ou em extinção, tais como os elencados na Lei nº 9.632, de 7 de maio de 1998.
[...]
Art. 8º Poderá ser admitida a contratação de serviço de apoio administrativo, considerando o disposto no inciso IV do art. 9º desta Instrução Normativa, com a descrição no contrato de prestação de serviços para cada função específica das tarefas principais e essenciais a serem executadas, admitindo-se pela Administração, em relação à pessoa encarregada da função, a notificação direta para a execução das tarefas.
A percepção claudicante postada na Portaria nº 3.466/95, também, impõe a validade de dois anos e a requisição de renovação, sujeita a novo processo de reconhecimento, excedendo o disposto no Decreto nº 1.590/95. Pior, revela interpretação equivocada no disposto no art. 3º, I, do Decreto, conforme alteração disposta no Decreto nº 4.836/2003, que dispõe que a implantação da jornada pelo gestor decorre de “serviços exigirem atividades contínuas” (art. 3º, caput, Decreto nº 1.590/95), ainda que persista a discricionariedade, que deve correr por critérios objetivos.
Por fim, dispõe o art. 4º, § 6º, da Portaria 3.466/2017 que não haverá pagamento de serviço extraordinário em caso de solicitação de trabalho extraordinário pelo servidor. Incongruência com a própria norma que impõe a duração máxima de dois anos para a concessão de jornada de 30 horas, na própria Portaria, definindo a jornada habitual nos dois anos de 6h/d e 30 h/s, litteris:

A norma se torna mais incongruente em face da inexistência de banco de horas definido, em termos gerais para a UFC, cerceando abruptamente o direito a percepção das horas extraordinárias dos servidores.
Quanto às normas gerais sobre a jornada de trabalho dos servidores, estabelece a Portaria nº 3.466/2017 que o intervalo entre as jornadas para alimentação pode ser de até 3h, o que contraria a jurisprudência pátria e legislação análoga, que impõem o intervalo mínimo de 1h e máximo de duas horas, restando o pagamento de horas extras em caso de concessão de mais uma hora acima das duas horas. Tal interpretação decorre do fato de haver inviabilização de direitos fundamentais (art. 6º da Constituição – acima transcrito) dos servidores e inviabilizar quaisquer outras atividades que aprimorem a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) em período que amplia a jornada e mantém o servidor de sobreaviso ou prontidão em favor da UFC, o que possibilitará a existência de servidores disponíveis à UFC das 8 às 19, por 11 horas seguidas.

VI.         Conclusões
Conforme apresentado, é evidente o ânimo constitucional em permitir a redução da jornada de trabalho como regra e a limitação para a existência de horas máximas que prejudicam a saúde mental e podem gerar acidentes com prejuízos físicos para os gestores no serviço público e iniciativa privada.
A percepção da República Federativa do Brasil quanto à preponderância da redução à ampliação da jornada de trabalho encontra-se confirmada no correr do ordenamento jurídico nacional.
No serviço público, resta clara a possiblidade de compensação, com sólida necessidade de negociação, com imperativo jurídico, com a entidade sindical, recomendada em casos superiores ao mês disposto na legislação.
Quanto à regulamentação da jornada de trabalho dos servidores da UFC, apesar do aparente bom ânimo para a redução da jornada, há profundas incongruências que divergem, inclusive, do Decreto nº 1.590/95 e são capazes de gerar inefetividade, tratamento arbitrário em algumas circunstâncias e desigual, em desalinho com os princípios impostos à Administração Pública, art. 37 da Constituição de 1988.
Por fim, dentre outros pontos analisados criticamente no presente artigo, lamentável é a excessiva burocracia, apta a inviabilizar ou dificultar sem razoabilidade a implantação das 30 horas semanais, uma vez que o Decreto nº 1.590/95, somente impõe a autorização ao “facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar”, mas a Portaria 3.466/2017 dispõe mais de dez critérios, temporalidade independente da necessidade do serviço e precariedade.
Clovis Renato Costa Farias
(Advogado Sindical, Doutor em Direito)

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