A
questão da jornada de trabalho, internacionalmente vista como cerne do meio
ambiente laboral (art. 200, VIII, da Constituição de 1988), dada a repercussão
imediata e constante na saúde e segurança dos obreiros, vem sendo enfrentada
pelos servidores Técnico Administrativos em Educação.
I.
Redução da jornada,
humanização do serviço e ampliação da dignidade da pessoa humana
A
essência da ligação da jornada à saúde mental dos trabalhadores decorre do
forte processo de alheamento da condição humana no ambiente de trabalho, especialmente,
emerge do fato de o trabalhador não poder exercer sua humanidade/individualidade
na relação subordinada, em síntese por três questões: 1) trabalha por
necessidade de sobrevivência e, de regra, não escolhe o tipo de labor, mas se
submete às possibilidades do Mercado/Estado; 2) em face de sua subordinação e
hierarquia consequente, não escolhe a jornada de trabalho ou o horário a ser
trabalhado; 3) diante do processo de reificação/coisificação/alienação,
inerente às relações laborais no capitalismo, não detém o poder diretivo ou
suas ideias sobre o modo de desenvolvimento da atividade que desempenha não são
consideradas em relevo no modo de
desenvolvimento das atividades.
Tal
compreensão esclarece melhor, em termos gerais, a satisfação coletiva com os
fins de semana, feriados, recessos e férias, em contrapartida, aos dias
referentes ao início de jornada ou retomada dos trabalhos no sistema de
subordinação.
Em
tal contexto, percebe-se que o trabalho deve ser exercido em jornadas limitadas
que permitam aos obreiros o gozo, em cada jornada, dos demais direitos sociais
postados no art. 6º da Constituição:
Art. 6º São direitos
sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Realidade
que está sistematizada no curso da Constituição de 1988, com marcas indeléveis na
ordem econômica e na ordem social:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios.
[...]
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Os
delineamentos relacionados ao Princípio da Legalidade (art. 37, caput, da Constituição de 1988)
referente a jornada dos trabalhadores em geral encontra-se demarcado no texto
constitucional:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria
de sua condição social:
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a
oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
Tal
direito é estendido aos servidores públicos vinculados a União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, como postado:
Art. 39. A União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de
administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados
pelos respectivos Poderes.
[...]
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX,
XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão
quando a natureza do cargo o exigir.
A
percepção de ampliação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), também
na relação de trabalho, se intensifica quanto à jornada partindo do disposto no
art. 7º, caput, in fine, “além de outros
que visem à melhoria de sua condição social”. Restando claro que a redução
da jornada melhora a condição humana, de modo que a Lei nº 8.112/90, traz
jornada inferior às 44h semanais, como regra, e aceita jornadas em tempo menor
para os casos dispostos em lei específica:
Art. 19. Os servidores
cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes
aos respectivos cargos, respeitada a duração
máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e
oito horas diárias, respectivamente.
§ 1o O ocupante
de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral
dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado
sempre que houver interesse da Administração.
§ 2o O disposto
neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis
especiais.
Desse
modo, é evidente o ânimo constitucional em permitir a redução da jornada de
trabalho como regra e a limitação para a existência de horas máximas que
prejudicam a saúde mental e podem gerar acidentes com prejuízos físicos para os
gestores no serviço público e iniciativa privada.
II.
As restrições ao “serviço
extraordinário”, do pagamento mínimo de 50% a mais que o valor da hora normal e
da compensação
Como
forma de inibir a prestação acima dos limites das jornadas definidas em termos
fundamentais, mas identificando a possiblidade de emergências em casos concretos,
a Constituição e a legislação em geral reconhecem as horas “extraordinárias”, que não podem ser
tomadas de forma habitual. O intuito restritivo é notório logo pelo título “serviço extraordinário”, bem como pela remuneração superior em, no mínimo,
50% do valor da hora normal, o que se adequa, também, às disposições sobre o
trabalho noturno, com redução do quantitativo (menor que 60 minutos) e
ampliação percentual do valor da hora trabalhada. Ainda, dispõe-se,
exaustivamente, sobre descansos, licenças e férias, como pode ser notado no
ordenamento jurídico pátrio:
Constituição de 1988
Art. 7º São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta
por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do
emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
Lei nº 8.112/90
Subseção V - Do Adicional por Serviço Extraordinário
Art. 73. O serviço
extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinqüenta por cento) em
relação à hora normal de trabalho.
Art. 74. Somente
será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais
e temporárias, respeitado o
limite máximo de 2 (duas) horas por jornada.
Subseção VI - Do Adicional Noturno
Art. 75. O serviço
noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de
um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor-hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento), computando-se
cada hora como cinqüenta e dois minutos e trinta segundos.
Parágrafo único. Em se
tratando de serviço extraordinário, o acréscimo de que trata este artigo
incidirá sobre a remuneração prevista no art. 73.
Subseção VII - Do Adicional de Férias
Art. 76. Independentemente de solicitação, será pago
ao servidor, por ocasião das férias, um adicional correspondente a 1/3 (um
terço) da remuneração do período das férias.
Parágrafo único. No caso de o servidor exercer função de
direção, chefia ou assessoramento, ou ocupar cargo em comissão, a respectiva
vantagem será considerada no cálculo do adicional de que trata este artigo.
Consolidação das Leis do Trabalho
Art. 73. Salvo nos casos
de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração
superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de
20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.
§ 1º A hora do trabalho noturno será computada
como de 52 minutos e 30 segundos.
§ 2º Considera-se noturno,
para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia
e as 5 horas do dia seguinte.
Quanto
ao “serviço extraordinário”, claramente identifica-se a necessidade de
pagamento com valor mínimo de 50% a mais que o valor da hora paga na jornada
habitual, salvo se houver instituição formal de sistema de compensação:
Art. 44. O servidor perderá:
I - a parcela de
remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas,
ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de
horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia
imediata.
Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso
fortuito ou de força maior poderão ser compensadas
a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo
exercício.
Cristalina
a percepção da República Federativa do Brasil quanto à preponderância da
redução à ampliação da jornada de trabalho.
III.
O regime de compensação e
o imperativo de negociação coletiva para períodos superiores a um mês
O
regime de compensação, superior a um mês, entende-se, de regra, que somente é
possível mediante negociação coletiva com o sindicato da categoria, em casos de
instituição de banco de horas. Algo que se recomenda, com base nos tratados
internacionais sobre direitos humanos (art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição de
1988), em especial, a Convenção nº 98, Convenção nº 135, Convenção nº 154 e Convenção
nº 151, todas da Organização Internacional do Trabalho. Em especial, ressalte-se
a Convenção nº 151 da OIT (Direito de
Sindicalização e Relações de Trabalho na Administração Pública):
PARTE IV - PROCEDIMENTOS
PARA A DETERMINAÇÃO DASCONDIÇÕES DE EMPREGO
Art. 7 — Deverão ser
adotadas, sendo necessário, medidas adequadas às condições nacionais para estimular e fomentar o pleno
desenvolvimento e utilização de procedimentos de negociação entre as
autoridades públicas competentes e as organizações de empregados públicos sobre
as condições de emprego, ou de quaisquer outros métodos que permitam aos
representantes dos empregados públicos participar na determinação de tais
condições.
Tal
cautela se dá em face da pertinência da imposição da compensação extraordinária
excedente a um mês, ensejadora de “serviço extraordinário” remunerado com, no
mínimo 50% a mais que o valor normal, dever ser compensada em proporção
adequada e similar aos casos em que houvesse o pagamento. Cotejo que viabiliza,
por exemplo, a compensação em 1,5 a cada hora de “serviço extraordinário”
prestado, não na proporção de 1 por 1.
XIII - duração do trabalho
normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada
a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
Apesar
da Administração Pública ainda não celebrar instrumentos negociais específicos
como o acordo ou convenção coletiva de trabalho, celebra, recorrentemente,
negociações com o sindicato representativo e os instrumentos negociais firmados
são de cumprimento obrigatório, com ônus em caso de descumprimento, como
destacado pelo Supremo Tribunal Federal:
TJ-MG não deve descontar
dias parados em razão de greve
O ministro do Supremo
Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli concedeu liminar na Reclamação (RCL)
13626, determinando ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG)
que se abstenha de efetuar qualquer desconto incidente sobre a remuneração dos
seus servidores em virtude de paralisações realizadas pela categoria no dia 17
de novembro, bem como no período de 23 de novembro a 14 de dezembro do ano
passado.
A decisão foi tomada após
a análise do pedido feito na reclamação pelo Sindicato dos Servidores da
Justiça de Segunda Instância do Estado de Minas Gerais (SINJUS-MG). Na RCL, o
órgão representativo da categoria alega afronta à autoridade do STF e à
eficácia de decisões da Suprema Corte no julgamento dos Mandados de Injunção
(MIs) 670, 708 e 712, em que se estabeleceu norma provisória para o exercício
do direito de greve por servidores públicos.
O caso
Na RCL, o SINJUS-MG alega que o TJ mineiro
deixou de cumprir acordo homologado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos
autos de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), em que se comprometeu a estudar a viabilidade de
revisão do processo classificatório de promoção vertical, observado o princípio
da legalidade, bem como de realizar esforços para assegurar a inserção de
recursos nas suas futuras propostas orçamentárias para fazer frente às despesas
com publicação dos editais em atraso das promoções verticais dos anos de 2009,
2010 e 2011.
O sindicato alega, também,
descumprimento de lei mineira que prevê o pagamento de adicionais de
periculosidade de insalubridade em favor de associados do SINJUS, além da mora
na conclusão do processo de promoção de servidores.
Relata que, diante desses
fatos e, após frustrada tentativa de negociação com a presidência do TJ
mineiro, a categoria realizou greve, que
resultou no corte de ponto, ao mesmo tempo em que o tribunal negou pedido
de estabelecimento de um calendário de compensação desses descontos. Ante as negativas, a categoria impetrou
mandado de segurança para assegurar a percepção integral da remuneração e a
compensação dos dias parados. Entretanto, uma liminar deferida para suspender o
corte de ponto foi cassada em sede de
recurso pelo TJ.
A categoria invoca decisão
do STF, segundo a qual subsiste o dever do Poder Público de pagar a
remuneração, quando paralisação de seus servidores for provocada por atraso de
pagamento dos servidores.
Decisão
Ao decidir, o ministro
Dias Toffoli levou em conta o descumprimento de decisão do CNJ pelo Tribunal de
Justiça mineiro. O CNJ concedeu o prazo de 90 dias para que a corte mineira
preparasse processo de promoção. O Conselho tomou essa decisão, ao afastar a
alegação do tribunal de que seria impossível fazer novo processo de promoção
enquanto não fosse concluído o processo relativo às promoções de 2008 e, ainda, de
dificuldades para levantamento das vagas existentes.
O ministro levou em conta,
também, o descumprimento, pelo TJ-MG, de dispositivos da Lei 19.480/2011 de
Minas Gerais, que alterou a redação do artigo 13 da Lei 10.856/92, dispondo sobre o pagamento de adicional de
periculosidade para oficial judiciário e técnico judiciário.
Apoiando-se em decisão do
STF no julgamento do MI 670, o ministro
observou que, no caso mineiro, não se
trata exatamente de “atraso no pagamento aos servidores públicos civis”,
mas ponderou que, “dentre os motivos da
insatisfação dos servidores do TJ-MG está a omissão do órgão em implementar
medidas administrativas que viabilizem a ascensão funcional e o aumento do seu
padrão remuneratório, inclusive com descumprimento de acordo homologado perante o CNJ”.
Assim, considerou estar-se
diante de “situação excepcional que
justifique o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (para
justificar o desconto de dias parados em virtude de greve)”, estabelecida
no artigo 7º da Lei 7.783/1989, parte final. Esse dispositivo, conforme
lembrou, estabelece como regra geral o desconto dos dias de paralisação, salvo
se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores civis,
ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa
da suspensão do contrato de trabalho.
O ministro lembrou que o
SINJUS-MG requereu administrativamente a possibilidade de fixação de calendário
para que os grevistas repusessem os dias parados em razão da greve, mas que o
pedido foi indeferido pelo TJ. Ademais, segundo ele, “é inequívoco o perigo da
demora, haja vista a aproximação da data de fechamento da folha de salários do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o que torna iminente a
substancial dedução determinada sobre a remuneração dos servidores que aderiram
à greve, em valor correspondente a 23 dias de trabalho”.
A RCL ainda será julgada
no mérito pela Suprema Corte.
(Fonte:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=205886)
Conforme
apresentado, resta clara a possiblidade de compensação, com sólida necessidade de
negociação, com imperativo jurídico, com a entidade sindical, recomendada em
casos superiores ao mês disposto na legislação.
IV.
O caso dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e
das fundações públicas federais
No
mesmo passo, o Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de
1995 (Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração
Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, e dá
outras providências), trouxe situações que possibilitam a redução da jornada
habitual:
Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas,
em período igual ou superior a doze
horas ininterruptas, em função de
atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao
dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e
carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o
intervalo para refeições.(Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
§ 1o Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar às
vinte e uma horas. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de
9.9.2003)
§ 2o Os dirigentes máximos dos órgãos
ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se
refere o caput deste
artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e
de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente
atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime,
constando dias e horários dos seus expedientes. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de
9.9.2003)
Observe-se que o
Presidente da República, ao editar o Decreto, poderia ter optado pela jornada de 30h semanais com 6h
diárias, como regra, e tornado excepcionais as jornadas de 40h por semana e 8h
diárias, uma vez que a Constituição e a Lei nº 8.112 dispuseram sobre os
limites máximos, e, o Regime Jurídico Único postado na lei reduziu tal limite
de até 44h para até 4oh semanais. Cotejo que pode ser buscado politicamente
pelos servidores em negociação com o Chefe do Poder Executivo e demais
respectivos.
Partindo-se do
disposto no Decreto nº 1.590, há viabilidade da instituição de jornadas,
excepcionais, de 30h/s e 6/dia, atendidos os requisitos:
1)
Serviços exigirem atividades contínuas de regime
de turnos ou escalas;
2) Período igual ou superior a doze horas ininterruptas;
3) Em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno (período
noturno aquele que ultrapassar às 21h);
Dos dispositivos extrai-se, ainda, a discricionariedade da Administração
quanto à implantação, uma vez que o Decreto nº 1.590, expressamente, dispõe que
“é facultado ao dirigente máximo do órgão
ou da entidade autorizar”.
Observa-se, outrossim, que a vontade da norma é voltada para o “Setor”
de atendimento, em razão da natureza dos serviços prestados (“serviços
exigirem”), não há ênfase no “servidor”,
individualmente considerado.
Contexto que protege o trabalhador de eventuais assédios ou situações de
mera conveniência política, ensejando a impessoalidade e a moralidade impostas
à Administração Pública (art. 37, CF).
V.
O caso dos servidores Técnico Administrativos em Educação da UFC e a
Portaria nº 3.466/2017
A Portaria nº 3.466, de 17 de agosto de 2017, firmada pelo Reitor da
Universidade Federal do Ceará, estabelece as diretrizes gerais para
regulamentação da flexibilização de carga horária dos servidores técnico
administrativos e dá outras providências, considerando o disposto no art. 19 da
Lei nº 8.112/90 e o art. 3º do Decreto nº 1.590/95, atualizado.
Tal norma representa uma conquista para os servidores, demarcada em anos
de luta do SINTUFCE e grupos de trabalho das “30 horas” que se constituíram em
vários setores da Universidade. Ainda, marca esforço diligente e democrático da
gestão em padronizar condutas na instituição.
Diante de todos os louros que significam a edição da Portaria nº 3.466 e
de seu caráter irradiante, como “diretrizes”, cumpre analisar alguns pontos objetivando
o aprimoramento e dissabores por parte da gestão e dos servidores TAE.
De plano, observando-se os dispositivos e normas colacionados nos
tópicos anteriores do presente artigo, a gestão parece ter mantido os termos do
antigo Pro Reitor de Gestão de Pessoas que resistia em compreender que o
decreto enfatiza o setor e suas necessidades, não foca no servidor
individualmente, como pode ser notado no art. 4º, caput, §§ 4º, 5º, 6º e 7º da Portaria nº 3.466.
Os dispositivos mencionados tornam-se incongruentes em uma leitura
sistemática da própria Portaria nº 3.466, uma vez que o primeiro requisito é “os
serviços exigirem” (art. 4º, I, §§ 1º, 2º, Portaria). O requerimento para a
concessão de flexibilização deve vir da chefia imediata da unidade de lotação
(art. 8º, I, Portaria), a aprovação da flexibilização pelo colegiado do
departamento e pelo conselho da unidade acadêmica ou por parecer de comissão de
três servidores especificamente designados, com homologação pelo dirigente da
unidade (art. 8º, II, Portaria).
Conflito constante da norma quanto ao servidor/cargo e “unidades de
lotação” que pode levar a interpretações e conflitos que seriam evitados se a
norma estivesse focada no “setor” cujo serviço exigisse e houvesse atendimento
aos requisitos do Decreto nº 1.590/95. Destaque-se que a concessão por “setor”
não implica em concessão genérica, combatida pelo TCU, de modo que as decisões
que implicaram em anulação de atos administrativos por serem genéricos em
conceder a toda a instituição e todos os servidores a jornada de 30h, imposta
como exceção pelo Decreto nº 1.590.
O Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão paradigmática, em que
multou o gestor de uma Instituição Federal de Ensino, por não ter cumprido
ordem de revogação de portaria genérica a toda a instituição e servidores, firmou
o entendimento de que a aplicação é por setores, de modo que ao anular o ato do
reitor no caso em tela, manteve diversos “setores” com funcionamento na jornada
excepcional de 30 horas, como se pode notar:
1.8 determinar ao IFRN que:
1.8.1. providencie a regularização
do cumprimento da carga horária pelos técnicos não pertencentes aos setores
Coordenadoria de Atividades Discentes e Segurança Institucional, Coordenadoria
de Turno Diurno e Noturno, Diretorias de Ensino, Coordenadoria de
Informatização, Laboratório de Informática, Construção Civil, Laboratório de
Desenho e Expressão Gráfica e Gerências Educacionais de Tecnologia Industrial e
de Recursos Naturais, de modo a que passem a cumprir expediente de 8 horas
diárias, em vez das 6 horas atualmente praticadas, nos termos do inciso XIII do
art. 7º da Constituição Federal, do art. 19 da Lei 8.112/1990, do Decreto
1.590/1995 e do Decreto 4.836/2003;
1.8.2 atualize a portaria e o anexo que definem os horários de
funcionamento e locais contemplados (Decreto 4.836/2003) com jornada de 6 horas
diárias (30 horas semanais).
Observe-se, nos termos e limites da decisão do TCU, que os técnico-administrativos
em educação (TAE) pertencentes aos
setores :
Coordenadoria de Atividades Discentes e Segurança Institucional,
Coordenadoria de Turno Diurno e Noturno,
Diretorias de Ensino,
Coordenadoria de Informatização,
Laboratório de Informática,
Construção Civil,
Laboratório de Desenho e Expressão Gráfica
Laboratório de Gerências Educacionais de
Tecnologia Industrial
Laboratório de Recursos Naturais.
Permaneceram com jornada de 6h por dia e 30h semanais.
Os demais, uma vez que o TCU anulou a portaria genérica que concedia a todos, a IFES teve de providenciar a regularização do cumprimento da carga horária pelos técnicos. O reitor foi punido por ter estabelecido genericamente para todos, não ter alterado quando o TCU recomendou e ter insistido no erro de tornar regra a exceção, mas a decisão ressalvou, em análise acurada, de plano, diversos setores.
Tal ânimo normativo focado no “setor” tem o condão de blindar a gestão
central de responsabilização direta por atos de gestores setoriais que
pessoalizem a concessão da jornada de 30 horas, como benesse pessoal, que pode
levar a concessão e a retirada sem critérios e caracterizar assédio moral em
suas diversas formas. Em paralelo, protege os servidores de condutas
arbitrárias, tratamentos desiguais e condutas pessoais da gestão.
Relembre-se, a edição da referida Portaria 3.466 atende à legalidade
(art., 37, caput, CF, c/c art. 19 da
Lei nº 8.112/90, c/c Decreto nº 1.590/95), preceito fundamental engendrado para
proteger os cidadãos dos arbítrios do Estado (eficácia vertical dos direitos
fundamentais).
Outro ponto passível
de crítica é a excessiva burocracia, apta a inviabilizar ou dificultar sem
razoabilidade a implantação, uma vez que o Decreto nº 1.590/95, somente impõe a
autorização ao “facultado ao dirigente
máximo do órgão ou da entidade autorizar”, mas a Portaria nº 3.466/2017:
Destaque-se
que, além de passar pela Comissão
Permanente para Flexibilização de Jornada (arts. 5º ao 7º c/c art. 8º, III,
da Portaria nº 3.466), deverá haver requerimento
da Chefia Imediata (art. 8º, I, Portaria), anuência de todos os servidores lotados na unidade (art. 8º, I, in fine, Portaria), aprovação da flexibilização pelo colegiado do departamento, quando
houver, e pelo conselho da unidade
acadêmica ou comissão com três servidores (art. 8º, II, Portaria), parecer da Procuradoria Federal e Portaria do Reitor. Em resumo, o que o Decreto nº 1.590/95 exige apenas
a autorização do Reitor, a Portaria impõe sete requisitos, tornando
questionável o ânimo da gestão em conceder de fato a flexibilização.
Os sete critérios impostos nas concessões para flexibilização
inicial no setor, ainda serão acrescidos de mais três (pesquisa de opinião com
os usuários, pesquisa de opinião com os TAE do setor e ocorrência de registros
junto à Ouvidoria), como pode ser destacado do art. 9º da Portaria nº
3.466/2017:
Mais grave,
o art. 4º, IV, in fine, da Portaria
3.466/2017, institui critério absurdo, não previsto no Decreto nº 1.590/95, que
vincula a existência de quantitativo suficiente de servidores na unidade de
lotação à vedação da contratação de terceirizados para suprir o atendimento ao
público. Contexto que intenta inviabilizar a efetivação da flexibilização
proposta, dada a postura do Poder Executivo da União em ampliar as terceirizações
já em alto curso para a Administração Pública, como pode ser notado na Instrução
Normativa nº 05, de 26 de maio de 2017 (Dispõe sobre as regras e diretrizes do
procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no
âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional):
Seção III - Dos Serviços
Passíveis de Execução Indireta
Art. 7º Nos termos da
legislação, serão objeto de execução indireta as atividades previstas em
Decreto que regulamenta a matéria.
§ 1º A Administração poderá contratar, mediante
terceirização, as atividades dos cargos extintos ou em extinção, tais como
os elencados na Lei nº 9.632, de 7 de maio de 1998.
[...]
Art. 8º Poderá ser admitida a contratação de
serviço de apoio administrativo, considerando o disposto no inciso IV do
art. 9º desta Instrução Normativa, com a
descrição no contrato de prestação de serviços para cada função específica das
tarefas principais e essenciais a serem executadas, admitindo-se pela
Administração, em relação à pessoa encarregada da função, a notificação direta
para a execução das tarefas.
A percepção
claudicante postada na Portaria nº 3.466/95, também, impõe a validade de dois
anos e a requisição de renovação, sujeita a novo processo de reconhecimento,
excedendo o disposto no Decreto nº 1.590/95. Pior, revela interpretação
equivocada no disposto no art. 3º, I, do Decreto, conforme alteração disposta
no Decreto nº 4.836/2003, que dispõe que a implantação da jornada pelo gestor
decorre de “serviços exigirem atividades
contínuas” (art. 3º, caput,
Decreto nº 1.590/95), ainda que persista a discricionariedade, que deve correr
por critérios objetivos.
Por fim, dispõe
o art. 4º, § 6º, da Portaria 3.466/2017 que não haverá pagamento de serviço
extraordinário em caso de solicitação de trabalho extraordinário pelo servidor.
Incongruência com a própria norma que impõe a duração máxima de dois anos para
a concessão de jornada de 30 horas, na própria Portaria, definindo a jornada
habitual nos dois anos de 6h/d e 30 h/s, litteris:
A norma se
torna mais incongruente em face da inexistência de banco de horas definido, em
termos gerais para a UFC, cerceando abruptamente o direito a percepção das
horas extraordinárias dos servidores.
Quanto às
normas gerais sobre a jornada de trabalho dos servidores, estabelece a Portaria
nº 3.466/2017 que o intervalo entre as jornadas para alimentação pode ser de
até 3h, o que contraria a jurisprudência pátria e legislação análoga, que
impõem o intervalo mínimo de 1h e máximo de duas horas, restando o pagamento de
horas extras em caso de concessão de mais uma hora acima das duas horas. Tal interpretação
decorre do fato de haver inviabilização de direitos fundamentais (art. 6º da
Constituição – acima transcrito) dos servidores e inviabilizar quaisquer outras
atividades que aprimorem a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) em
período que amplia a jornada e mantém o servidor de sobreaviso ou prontidão em
favor da UFC, o que possibilitará a existência de servidores disponíveis à UFC
das 8 às 19, por 11 horas seguidas.
VI.
Conclusões
Conforme
apresentado, é evidente o ânimo constitucional em permitir a redução da jornada
de trabalho como regra e a limitação para a existência de horas máximas que
prejudicam a saúde mental e podem gerar acidentes com prejuízos físicos para os
gestores no serviço público e iniciativa privada.
A
percepção da República Federativa do Brasil quanto à preponderância da redução
à ampliação da jornada de trabalho encontra-se confirmada no correr do
ordenamento jurídico nacional.
No
serviço público, resta clara a possiblidade de compensação, com sólida
necessidade de negociação, com imperativo jurídico, com a entidade sindical,
recomendada em casos superiores ao mês disposto na legislação.
Quanto
à regulamentação da jornada de trabalho dos servidores da UFC, apesar do aparente
bom ânimo para a redução da jornada, há profundas incongruências que divergem,
inclusive, do Decreto nº 1.590/95 e são capazes de gerar inefetividade,
tratamento arbitrário em algumas circunstâncias e desigual, em desalinho com os
princípios impostos à Administração Pública, art. 37 da Constituição de 1988.
Por
fim, dentre outros pontos analisados criticamente no presente artigo, lamentável
é a excessiva burocracia, apta a inviabilizar ou dificultar sem razoabilidade a
implantação das 30 horas semanais, uma vez que o Decreto nº 1.590/95, somente
impõe a autorização ao “facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade
autorizar”, mas a Portaria 3.466/2017 dispõe mais de dez critérios,
temporalidade independente da necessidade do serviço e precariedade.
Clovis
Renato Costa Farias
(Advogado Sindical, Doutor em Direito)
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