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terça-feira, 3 de junho de 2025

Justiça Gratuita na Substituição Processual Sindical: A Declaração de Hipossuficiência como Prova Idônea

Clovis Renato Costa Farias

Regina Sonia Costa Farias


SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO. II. JUSTIFICATIVA. III. A DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMO DOCUMENTO HÁBIL PARA A CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA AO SINDICATO NA CONDIÇÃO DE SUBSTITUTO PROCESSUAL. 1.Fundamentação Constitucional e Princípios Aplicáveis. a) Acesso à justiça (art. 5º, XXXV e LXXIV, CF/88); b) Princípio da primazia da realidade e da proteção do hipossuficiente; c) Interpretação sistemática do CPC/2015; d. Papel constitucional dos sindicatos; IV.O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL (art. 5º, XXXVI, CF/88) E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AOS QUE COMPROVEM NSUFICIÊNCIA ECONÔMICA (art. 5º, LXXIV); V. DA FRAGILIDADE FINANCEIRA DOS SINDICATOS. VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS; VII. REFERÊNCIAS.


RESUMO

O presente artigo analisa a possibilidade de concessão da justiça gratuita a sindicatos que atuam como substitutos processuais, com fundamento na declaração de hipossuficiência econômica subscrita por seu representante legal. A discussão central, atualmente em julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (Incidente de Recursos Repetitivos nº 0010502-23.2022.5.03.0097), envolve a exigência — ou não — de “prova inequívoca” da insuficiência de recursos por parte das entidades sindicais. O estudo defende que, diante do papel constitucional dos sindicatos, da função social que exercem e da realidade financeira agravada pela reforma trabalhista de 2017, a exigência de comprovação contábil representa barreira desproporcional ao acesso à justiça. Fundamentado na Constituição Federal, no Código de Processo Civil e em princípios do processo coletivo, o artigo conclui que a declaração de hipossuficiência deve ser considerada suficiente, como instrumento de efetivação da justiça social, da isonomia e da proteção aos direitos dos trabalhadores.

Palavras-chave: Sindicato; Justiça gratuita; Hipossuficiência econômica; Acesso à justiça.


INTRODUÇÃO

O acesso à justiça é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, assegurado a todos os cidadãos, especialmente àqueles em situação de vulnerabilidade econômica. No contexto do processo do trabalho, essa garantia adquire contornos ainda mais relevantes quando se trata da atuação dos sindicatos como substitutos processuais na defesa dos direitos dos trabalhadores.

Atualmente, essa temática está sob análise do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no âmbito do Incidente de Recursos Repetitivos nº 0010502-23.2022.5.03.0097, que discute se a concessão do benefício da justiça gratuita a sindicatos, na condição de substitutos processuais, exige prova inequívoca da impossibilidade de arcar com os custos do processo, ou se é suficiente a mera declaração de hipossuficiência econômica.

O presente artigo propõe uma análise crítica sobre a exigência dessa “prova inequívoca” por parte de sindicatos, contrapondo-a à legitimidade constitucional da declaração simples como documento suficiente.

JUSTIFICATIVA

A questão jurídica central debatida no Incidente de Recursos Repetitivos nº 0010502-23.2022.5.03.0097, em tramitação no TST, gira em torno da necessidade — ou não — de comprovação contábil detalhada da situação financeira de sindicatos que atuam como substitutos processuais. A exigência de prova inequívoca impõe um ônus desproporcional às entidades sindicais, especialmente após a drástica redução de receitas provocada pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical.

A atuação do sindicato como substituto processual decorre da função constitucional atribuída às entidades representativas (CF/88, art. 8º, III), sendo, portanto, uma extensão da hipossuficiência dos trabalhadores substituídos. A imposição de obstáculos documentais adicionais, como balancetes contábeis ou demonstrações financeiras, desconsidera a realidade prática do sistema sindical brasileiro e pode inviabilizar a tutela coletiva dos direitos sociais.

A interpretação restritiva da norma processual afronta princípios constitucionais como o da isonomia (art. 5º, caput, CF), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e da assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), além de ignorar as diretrizes hermenêuticas do art. 8º do CPC, que determina a aplicação da norma conforme os fins sociais e a promoção da dignidade da pessoa humana.

Soma-se a isso o cenário de fragilidade financeira dos sindicatos, que vem sendo reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal em julgados recentes (Tema 935). A aceitação da declaração de hipossuficiência como meio hábil atende ao objetivo constitucional de assegurar acesso à justiça, especialmente quando não contestada pela parte adversa. Além disso, reforça-se a importância da aplicação analógica do art. 99, §3º do CPC, que presume verdadeira a declaração de insuficiência feita por pessoa natural, quando o sindicato atua na defesa dos interesses desses indivíduos.

A DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMO DOCUMENTO HÁBIL PARA A CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA AO SINDICATO NA CONDIÇÃO DE SUBSTITUTO PROCESSUAL

A concessão da justiça gratuita tem por escopo assegurar o acesso à jurisdição àqueles que não possuem condições econômicas de arcar com os custos do processo, conforme garantia prevista no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal. Quando o requerente é um sindicato atuando como substituto processual, a exigência de comprovação da hipossuficiência deve ser analisada com atenção especial, considerando-se o papel constitucional da entidade sindical e os princípios que regem o processo coletivo.

A exigência de comprovação documental da insuficiência de recursos por parte dos sindicatos, como regra para concessão da justiça gratuita, deve ser relativizada quando a entidade sindical atua na condição de substituto processual. Nessa situação, o sindicato age não em defesa de seus próprios interesses, mas em favor de trabalhadores hipossuficientes, presumivelmente carentes de recursos financeiros para arcar com os custos do processo.

A função institucional dos sindicatos, reconhecida pelo artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, inclui a representação judicial dos interesses coletivos ou individuais homogêneos da categoria. Nessa atuação, os sindicatos não atuam em nome próprio, mas sim como representantes de trabalhadores, em sua maioria hipossuficientes.

Ao se considerar que a atuação do sindicato como substituto processual é derivada da hipossuficiência dos substituídos, não seria coerente exigir da entidade padrão probatório mais rigoroso que aquele imposto aos próprios titulares do direito material.

Assim, a declaração de hipossuficiência firmada pelo representante legal do sindicato deve ser considerada hábil para o deferimento do benefício, principalmente na ausência de elementos que a infirmem.

É importante destacar que a expressão “prova inequívoca” usada em algumas decisões é um conceito jurídico indeterminado, ou seja, um termo que não possui definição fechada, devendo ser concretizado pelo julgador à luz dos princípios constitucionais e das peculiaridades do caso.

Nesse contexto, a declaração formal de hipossuficiência, sobretudo quando não contestada ou impugnada pela parte adversa ou pelo juízo, pode perfeitamente ser tida como prova suficiente — portanto “inequívoca” — da incapacidade financeira da entidade para suportar os custos do processo sem prejuízo de sua finalidade social.

Esse entendimento coaduna-se com o posicionamento já consolidado no processo coletivo, de que formas menos onerosas e mais acessíveis devem ser admitidas para viabilizar a atuação dos legitimados coletivos, conforme o Código de Defesa do Consumidor (art. 81 e seguintes) e dispositivos da Lei da Ação Civil Pública nº 7.347/85 (art. 18), subsidiariamente aplicado ao processo do trabalho.

Dessa forma, a declaração de hipossuficiência econômica subscrita pelo sindicato deve ser considerada documento hábil e suficiente para a concessão do benefício, especialmente à luz do princípio do acesso à justiça, da função social dos sindicatos e da interpretação conforme a Constituição.


Fundamentação Constitucional e Princípios Aplicáveis


a) Acesso à justiça (art. 5º, XXXV e LXXIV, CF/88)


A exigência de comprovação rígida para concessão da gratuidade a sindicatos colide com o direito fundamental ao acesso à justiça, quando se exige prova contábil que desestimula ou inviabiliza o exercício da substituição processual em favor de trabalhadores.

A redação dos dispositivos constitucionais é a seguinte:

    Art. 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

    Art. 5º, LXXIV: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos."


O sindicato, ao representar os substituídos, não age em nome próprio, mas em nome de trabalhadores carentes, o que se impõe uma interpretação conforme à Constituição, reconhecendo a legitimidade da declaração de hipossuficiência como meio idôneo.

A substituição processual faz presumir hipossuficiência dos substituídos, restando suficientemente justificada a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Ressalte-se que é inequívoco que a atuação da entidade sindical em substituição processual decorre de munus público, uma vez que refere-se à obrigação legal imposta à entidade para prestar serviços em benefício da sociedade e, consequentemente, ao Estado por decorrer do dever de garantir o bem estar social, com a proteção e defesa dos cidadãos. A representação não pode ser recusada pela entidade sindical, a menos que a lei assim o estabeleça, de modo que o sindicato exerce uma função ou dever público imposto por lei e pela Constituição, como se pode notar:

Constituição de 1988

ART. 8ª da CF/88, III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; 

CLT

Art. 514. São deveres dos sindicatos: 

a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social;    

b) manter serviços de assistência judiciária para os associados;   

c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho.  

A nível de integração normativa, art. 8º, da CLT, cumpre pontuar que nas ações civis públicas não se exige adiantamento das custas, salvo comprovada má-fé (Lei nº 7.347/85, art. 18), sendo na mesma linha o artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor, dispositivos aqui invocados por analogia, já que não há vedação da gratuidade na legislação consolidada trabalhista.

O artigo 514 da CLT impõe ao sindicato o dever de manter assistência judiciária aos associados, reforçando sua função social de garantir o acesso à justiça aos trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis. Quando o sindicato representa individualmente seus filiados, essa missão se torna ainda mais relevante diante da realidade social brasileira, marcada por hipossuficiência econômica da maioria dos trabalhadores.

Negar a gratuidade da justiça ao sindicato nessas situações afronta o princípio da isonomia, pois trabalhadores que ajuizaram ações individuais com os mesmos pedidos teriam direito ao benefício, enquanto, pela via do sindicato, estariam sujeitos a restrições, criando tratamento desigual e desestimulando a atuação sindical.

Além disso, a exigência de comprovação de hipossuficiência do sindicato, como pessoa jurídica, não se coaduna com a finalidade social da assistência judiciária prevista na CLT e com os princípios do acesso à justiça e do devido processo legal. 

Portanto, reconhecer a gratuidade ao sindicato na representação individual é medida que:

Garante o acesso igualitário à justiça para todos os trabalhadores, independentemente da via escolhida;

Cumpre o dever legal e constitucional do sindicato de prestar assistência judiciária;

Evita o esvaziamento da atuação sindical e a sobrecarga do Judiciário com múltiplas ações individuais;

Fortalece a proteção coletiva dos direitos sociais e trabalhistas.

A concessão da gratuidade ao sindicato, nessas hipóteses, é essencial para a efetividade do acesso à justiça e para a promoção da solidariedade social prevista no artigo 514 da CLT.

Observe-se, ademais, que há penalidades ao sindicato que se negar a representar seus associados, bem como, historicamente, o MPT já acionou o Poder Judiciário em vários casos em que entendeu que o sindicato não cumpriu adequadamente o art. 514 da CLT, a nível da defesa judicial dos representados pela entidade sindical.

Diante de todo o exposto, resta evidente que a exigência de documentação contábil ou prova econômica exaustiva do sindicato, quando atua como substituto processual, configura afronta direta ao princípio do acesso à justiça, vulnera a função constitucional das entidades sindicais e desestimula o exercício legítimo da tutela coletiva. 

A declaração de hipossuficiência, nesse contexto, deve ser reconhecida como meio idôneo e suficiente para o deferimento da justiça gratuita, não apenas por sua coerência com o texto constitucional, mas também por respeitar a jurisprudência consolidada do TST, a lógica da substituição processual e os princípios que regem o processo coletivo. Exigir mais do que isso seria impor formalismo desnecessário e inconstitucional, incompatível com a efetividade da proteção de direitos sociais e com a racionalização do acesso ao Judiciário Trabalhista.


b) Princípio da primazia da realidade e da proteção do hipossuficiente


A atuação sindical na condição de substituto processual visa proteger os direitos de trabalhadores presumidamente vulneráveis. Nesse contexto, é incoerente exigir do sindicato, como condição para atuar, a exposição de sua situação econômica — o que desvia o foco do processo da análise da hipossuficiência dos substituídos para a estrutura financeira da entidade.

A aplicação do princípio da primazia da realidade (característico do Direito do Trabalho) impõe que se reconheça a realidade dos trabalhadores representados, e não a formalidade da titularidade da ação.


c) Interpretação sistemática do CPC/2015


A integração normativa é viabilizada pelo art. 8º da CLT, de modo que torna-se relevante, para fins de segurança jurídica e justiça social, a observância de outros sistemas processuais previstos no art. 769 da CLT. Para tanto, o artigo 99 do CPC dispõe:

Art. 99, §3º: "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural."


É verdade que a literalidade do dispositivo se refere à pessoa natural, mas é possível, com base em interpretação sistemática e finalística, admitir sua aplicação por analogia a sindicatos, quando atuam como substitutos processuais na defesa de direitos de trabalhadores presumidamente hipossuficientes.

Isso se justifica porque, nesse tipo de atuação, o sindicato não litiga em interesse próprio, mas em nome de uma coletividade que, por sua própria natureza, é vulnerável no processo.

A exclusão da presunção para pessoas jurídicas não implica a proibição da concessão da justiça gratuita com base em declaração, especialmente quando a pessoa jurídica atua como substituta processual de pessoas físicas hipossuficientes.

O mesmo CPC, em seu artigo 8º, determina que o juiz deve interpretar a norma conforme os valores e princípios constitucionais:

Art. 8º do CPC: "Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência."

Assim, a interpretação do art. 99, §3º não pode ser isolada, mas conjugada com os princípios constitucionais, o que impõe o reconhecimento da declaração como instrumento suficiente em hipóteses de atuação substitutiva do sindicato.

De outra banda, a substituição processual, por si só, revela a "assistência" sindical aos substituídos, afigurando-se desnecessária a verificação do outro requisito relativo à insuficiência econômica dos trabalhadores substituídos.

As ondas renovatórias do acesso à justiça, também conhecidas como as "ondas de Cappelletti" ou "ondas do acesso à justiça", são movimentos de reforma que visam tornar o sistema judiciário mais acessível e justo para todos os cidadãos. Essas ondas, que são identificadas como diferentes momentos históricos e estratégias de reforma, buscam superar obstáculos que impedem o acesso efetivo à justiça, como barreiras econômicas, culturais, de acesso à informação e outras. 

Em suma, as ondas renovatórias representam um movimento progressivo, uma vez que cada onda traz novas abordagens e mecanismos para lidar com os desafios do acesso à justiça, buscando tornar o sistema mais inclusivo e eficaz. Ainda, um reconhecimento de que o acesso à justiça é um direito fundamental.

As ondas renovatórias são uma resposta à necessidade de garantir que todos, independentemente de sua situação socioeconômica ou outras características, possam ter acesso aos meios legais para defender seus direitos e resolver conflitos.

Em uma perspectiva histórica e evolutiva as ondas renovatórias refletem como a concepção de acesso à justiça tem evoluído ao longo do tempo, com a identificação de diferentes obstáculos e a implementação de soluções específicas para cada momento. 

As ondas renovatórias mais comuns são: Primeira Onda (Assistência judiciária aos pobres, visando superar as barreiras econômicas para o acesso à justiça) e Segunda Onda (Defesa dos direitos de grupos sociais específicos), o que se adequa plenamente ao Direito Sindical e à representação sindical. 

As ondas renovatórias, portanto, são um importante conceito para entender a evolução e os desafios do acesso à justiça, e para a busca por um sistema judiciário mais inclusivo e justo para todos. Assim, em contexto de avanço necessário, o artigo 99, §3º do Código de Processo Civil estabelece que a alegação de insuficiência financeira feita por pessoa natural presume-se verdadeira, mecanismo essencial para garantir o acesso à justiça. Esse dispositivo, quando interpretado sistematicamente com a função social dos sindicatos e as normas trabalhistas, justifica a extensão do benefício da gratuidade processual às entidades sindicais que atuam em substituição processual em ações individuais ou plúrimas.

Dentre os diversos fundamentos jurídicos no contexto social, destaca-se Presunção de Hipossuficiência e Representação Sindical. 

A presunção estabelecida pelo CPC visa superar barreiras econômicas que impedem o exercício de direitos. Quando atua em substituição processual, defende interesses de trabalhadores que, individualmente, enquadrar-se-iam no perfil de hipossuficientes previsto no art. 99, §3º. Aplicar a mesma presunção ao sindicato não viola a literalidade do dispositivo – que se restringe a "pessoa natural" –, mas concretiza seu espírito teleológico: garantir acesso à justiça a quem não pode arcar com custas.

Ademais, a Função Social do Sindicato e Obrigações Legais, conforme demarcado no art. 514 da CLT impõe ao sindicato o dever de prestar assistência judiciária, reforçado pelo art. 8º, III, da Constituição. Exigir que a entidade comprove insuficiência financeira (como pessoa jurídica) contradiz sua natureza de associação sem fins lucrativos e sua finalidade de defesa coletiva. A gratuidade, nesse contexto, é instrumento para cumprir o mandamento legal, não privilégio.

Deve-se primar pela concretização dos Princípios Constitucionais, especialmente no Neo Constitucionalismo e Pós Positivismo em que nos encontramos historicamente. 

Para tanto, deve-se garantir e ampliar o acesso à Justiça (Art. 5º, XXXV, CF), uma vez que negar a gratuidade ao sindicato criaria obstáculo ao direito fundamental de ação, especialmente em casos de trabalhadores que dependem da assistência sindical.

No mesmo passo, tal reconhecimento garante isonomia (Art. 5º, caput, CF), de modo que permitir a gratuidade ao trabalhador individual, mas negá-la ao sindicato que o representa, geraria assimetria processual injustificável.

A substituição processual por sindicatos reduz a judicialização massiva de ações individuais, descongestionando o Judiciário, garantindo-se eficiência e economia processual.

Desse modo, a aplicação do art. 99, §3º do CPC aos sindicatos em substituição processual não é mera extensão interpretativa, mas imperativo de efetividade. Reveste-se de legitimidade quando consideramos que a entidade atua como prolongamento dos interesses dos hipossuficientes, garantindo coerência ao sistema jurídico e evitando o esvaziamento da função social sindical. A gratuidade, nesses casos, é condição para a realização prática dos direitos trabalhistas e da justiça social.


d) Papel constitucional dos sindicatos


Nos termos do art. 8º, III, da CF/88: "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas".


Esse dispositivo garante legitimação ampla aos sindicatos, com o objetivo de fortalecer a proteção coletiva dos trabalhadores. Exigir a apresentação de documentos contábeis como condição para exercer esse papel enfraquece a atuação sindical e viola a sua autonomia constitucional.

Além disso, a exigência de prova inequívoca pode produzir efeito inibitório sobre o ajuizamento de ações coletivas, especialmente quando envolvem milhares de substituídos — o que colide frontalmente com os objetivos da justiça social e da tutela coletiva.

Embora a Súmula 463, II, do TST exija prova da insuficiência de recursos para pessoas jurídicas, essa súmula deve ser interpretada com ponderação.


O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL (art. 5º, XXXVI, CF/88) E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AOS QUE COMPROVEM INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA (art. 5º, LXXIV)

O acesso à justiça não é apenas um direito individual (art. 5º, XXXV, da CF/88), mas também um direito coletivo quando exercido por entidades como sindicatos, que atuam na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores.

A CF/88 disciplina em seu art. 5º,LXXIV que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”

Se o sindicato for obrigado a expor sua contabilidade interna para ter acesso à gratuidade, isso pode funcionar como obstáculo ao exercício de sua função institucional, sobretudo em litígios contra grandes empregadores ou contra o próprio Estado.

Expor receitas pode comprometer estratégias de negociação ou litígios coletivos; enfraquecer a posição do sindicato frente aos empregadores; e desestimular o ajuizamento de ações coletivas por receio de retaliação, descrédito ou judicialização de sua contabilidade.


V. DA FRAGILIDADE FINANCEIRA DOS SINDICATOS

A situação econômico-financeira das entidades sindicais encontra-se seriamente comprometida desde a vigência da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que suprimiu a principal fonte de custeio da estrutura sindical: a contribuição sindical obrigatória. A partir dessa alteração legislativa, a receita das entidades sindicais passou a sofrer reduções contínuas e expressivas, sendo substituída por fontes facultativas e instáveis, que não têm sido suficientes para manter o equilíbrio financeiro da entidade de base.

Dados públicos confirmam essa realidade. Segundo levantamento divulgado pelo site Poder360 (https://www.poder360.com.br/economia/arrecadacao-com-contribuicao-sindical-cai-975-desde-2017/), a arrecadação dos sindicatos de trabalhadores caiu cerca de 98% entre 2017 e 2019, passando de R$ 1,5 bilhão para apenas R$ 24,3 milhões. Desde então, os valores arrecadados seguem em queda ou em patamares mínimos, sem qualquer sinal de recuperação financeira consistente. Segundo o mencionado site, a Contribuição sindical despenca 98% em 5 anos (https://www.poder360.com.br/economia/contribuicao-sindical-despenca-98-em-5-anos/).

O impacto estrutural dessa perda de receita foi reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, por meio do voto de vista do Ministro Luiz Fux, nos autos do ARE 101859, ao registrar:

15. Com a alteração legislativa, os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio. Dados do Ministério do Trabalho apontam queda de cerca de 90% da arrecadação com a contribuição sindical no primeiro ano de vigência da Lei nº 13.467/2017. Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical. (Destacou-se)

16. Esse esvaziamento dos sindicatos, por sua vez, vai na contramão de recentes precedentes do STF, que valorizam a negociação coletiva como forma de solucionar litígios trabalhistas. Destaque-se, nessa linha, os julgados relacionados (i) aos planos de demissão voluntária (RE 590.415, sob minha relatoria); (ii) à necessidade de intervenção sindical prévia às dispensas em massa (RE 999.435, Red. p/ acórdão Min. Edson Fachin); e (iii) ao entendimento no sentido de que as negociações coletivas podem afastar direitos previstos em lei, desde que observado o patamar civilizatório mínimo em matéria trabalhista (ARE 1.121.633, Rel. Min. Gilmar Mendes).

Esse reconhecimento institucional da situação crítica das entidades sindicais reforça, de maneira contundente, a necessidade de se garantir a elas o pleno acesso à jurisdição, inclusive por meio da concessão da justiça gratuita, como previsto no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de prestar assistência judiciária integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos.

Dessa forma, demonstrada a hipossuficiência da entidade sindical, seja por sua declaração, seja pelo contexto econômico amplamente reconhecido, especialmente pelo STF, é plenamente legítimo e necessário o deferimento do benefício da gratuidade da justiça, como medida de justiça e preservação da atividade sindical em sua função constitucional de defesa dos direitos dos trabalhadores.

Esse reconhecimento pelo STF, em sede de repercussão geral (Tema 935/ARE 101859), fortalece ainda mais a tese de que os sindicatos enfrentam uma crise estrutural de financiamento, o que torna mais contundente e legítimo o deferimento da gratuidade da justiça nos casos em que comprovada, ainda que presumidamente, a sua hipossuficiência econômica.

Portanto, diante da fragilidade financeira institucional enfrentada pelo Sindicato, da continuidade de suas atividades de representação da categoria e da presunção legal de veracidade da declaração de hipossuficiência, é plenamente cabível e legítimo o deferimento da gratuidade da justiça, nos moldes do art. 98 do CPC, como forma de assegurar o acesso à jurisdição e preservar a atuação sindical.


VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão atualmente em pauta no TST, no processo nº 0010502-23.2022.5.03.0097, representa um marco importante na definição dos parâmetros de concessão da justiça gratuita a sindicatos. O reconhecimento da declaração de hipossuficiência como meio idôneo e suficiente não apenas concretiza os direitos constitucionais ao acesso à justiça e à ampla defesa, mas também fortalece a função social e institucional das entidades sindicais.

A interpretação conforme a Constituição, à luz dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, impõe que a formalidade excessiva não inviabilize a tutela coletiva dos direitos dos trabalhadores. A exigência de prova contábil rigorosa ignora a realidade financeira enfrentada pelas entidades sindicais e enfraquece sua atuação institucional.

Assim, a aceitação da declaração como prova suficiente da hipossuficiência econômica do sindicato é medida de justiça, coerência normativa e garantia de efetividade da proteção dos direitos sociais, especialmente em um cenário de crise estrutural do sistema sindical brasileiro.


VII. REFERÊNCIAS


DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Edição. Ed. LTR, São Paulo, 2012.

MARTINEZ. Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 1ª Edição. Ed. Saraiva, São Paulo, 2010.

GARCIA, Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª Edição. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2016. 



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