Questões
geográficas, climáticas e políticas podem justificar a escassez de água potável
no Brasil. Mas, sem dúvida, os fatores desperdício e degradação ambiental
contribuíram consideravelmente para desencadear a maior crise hídrica que o
país já vivenciou. Essa reflexão é inevitável na data em que se comemora o Dia
Internacional da Água, 22 de março.
Não é à toa
que o tema água é objeto de muitas disputas judiciais que chegam ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Ari Pargendler, já aposentado, comentou
que o Tribunal da Cidadania julga mais litígios sobre temas ambientais do que
todas as altas cortes da América Latina somadas.
A lista de
conflitos é extensa. Companhias de abastecimento querem ter o direito de fixar
tarifas pelo regime progressivo; o Ministério
Público pede constantemente a demolição de imóveis construídos em áreas de
mananciais ou em margens de lagos e rios; empresas e pessoas físicas buscam a
outorga para extração de água do subterrâneo; condôminos questionam o pagamento
de tarifa mínima quando há apenas um hidrômetro no condomínio...
Na
interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional sobre direito
ambiental, a jurisprudência do STJ tem caminhado em sintonia com a preocupação
mundial de preservar o meio ambiente.
Tarifa
progressiva
De acordo
com estudo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, o aumento no consumo de água no Brasil tem
relação direta com a expansão do sistema de abastecimento na área urbana e com
a melhoria na situação econômica da população.
Para
estimular o uso racional dos recursos hídricos e atender ao interesse público, o STJ reconhece a legitimidade da
cobrança da tarifa de água pelo regime progressivo, ou seja, quem utiliza menos
água pode pagar menos por litro consumido.
O
entendimento foi pacificado com a edição da
Súmula 407 do tribunal, que considera ser “legítima a cobrança da tarifa de
água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.
O enunciado
é baseado na Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão
na prestação de serviços públicos. Segundo o artigo 13, as tarifas poderão ser
diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos
provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.
No
julgamento de recurso especial da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio
de Janeiro (Cedae), os ministros da Primeira Turma consideraram que, diante das
desigualdades sociais e econômicas dos usuários de serviços públicos, essa
política de discriminação tarifária possibilita efetivar, a partir de critérios
razoáveis e proporcionais, a igualdade jurídica, além de concretizar a justiça
social (REsp 861.661).
Hidrômetro
Considerando
que a tarifa de água deve ser calculada
a partir do consumo efetivamente medido no hidrômetro, a cobrança com base em
estimativa de consumo é ilegal, porque enseja enriquecimento ilícito por parte
da concessionária. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma neste mês
de março, no julgamento do REsp 1.513.218.
De acordo
com o relator, ministro Humberto Martins, a
responsabilidade pela instalação do hidrômetro é da concessionária, mas, ainda
que não haja o aparelho no local, a cobrança deve ser feita com base na tarifa
mínima.
Outra
questão semelhante, muito recorrente no Poder Judiciário, refere-se à cobrança
pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total é medido por
único hidrômetro.
No
julgamento do REsp 1.166.561, submetido ao rito dos repetitivos, a Primeira
Turma considerou que a cobrança pelo
fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total é medido por único
hidrômetro deve se dar pelo valor real aferido.
No caso, um
condomínio moveu ação de reparação de danos contra a Companhia Estadual de
Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) porque estaria recebendo cobranças
irreais, não condizentes com o consumo aferido no imóvel. Segundo ele, a empresa calculava o valor das contas por
meio de estimativa e ignorava o valor marcado no hidrômetro.
Para os
ministros, não se pode presumir a
igualdade de consumo de água pelos condôminos, sob pena de violação ao
princípio da modicidade das tarifas.
Área de
preservação
De acordo
com o Código Florestal brasileiro, as
florestas e outras formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de
qualquer curso d’água – aí incluídos brejos, várzeas, lagos e represas – são
áreas de preservação permanente (APPs).
E a
jurisprudência do STJ considera que, independentemente
das características hidrográficas, até mesmo os veios d’água (pequenos
córregos) devem ser protegidos pelo regime jurídico das APPs.
Para o
ministro Herman Benjamin, professor e autor de diversos livros sobre direito
ambiental, “nos menores cursos d’água é
que a proteção da mata em torno é mais importante. A estreiteza do veio não
diminui sua importância no conjunto hidrográfico”.
No
julgamento do REsp 176.753, ele afirmou que
as áreas de preservação permanente são essenciais devido às funções ecológicas
que desempenham, principalmente para conservação do solo e das águas.
Entre essas
funções, ressaltou, está a “proteção da
disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e
armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade
físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro,
sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e
detritos”.
Mata Atlântica
No caso
analisado pela Segunda Turma, o Ministério Público federal moveu ação civil
pública contra o município de Joinville (SC) e o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama) para que fossem anuladas
autorizações concedidas por órgãos ambientais com intuito de suprimir vegetação
de Mata Atlântica para construção de anfiteatro e ginásio de esportes.
O ministro
Herman Benjamin verificou no processo que houve
canalização e supressão da mata ciliar dos córregos que atravessavam a área,
sem a demonstração de utilidade pública ou interesse social – critérios que,
segundo ele, são indispensáveis para admitir o desmatamento de área de
preservação permanente.
“Não há
nenhuma dúvida de que qualquer autorização para obras na região é situação
absolutamente excepcional. Essa supressão de vegetação se deu ao arrepio da
lei”, comentou.
Desapropriação
Em fevereiro
deste ano, ao analisar demanda sobre desapropriação
para construção de usina hidrelétrica, a Primeira Turma do STJ considerou que
não cabe indenização relativa à cobertura vegetal componente de área de
preservação permanente do imóvel desapropriado.
O relator do
REsp 1.090.607, ministro Sérgio Kukina, explicou que o conceito de indenização pressupõe a existência de um decréscimo
patrimonial, porque “não é possível vislumbrar a possibilidade de se compensar
a cobertura vegetal que não poderia ser explorada economicamente pelo
proprietário do imóvel, porquanto localizada em área de preservação
permanente”.
Para
visualizar outros precedentes sobre o tema, acesse a Pesquisa Pronta
“Indenização por desapropriação de área de preservação permanente ou de reserva
legal”.
Poços
artesianos
O STJ se
posiciona em diversos precedentes pela necessidade de outorga para extração de
água do subterrâneo por meio de poço artesiano.
Veja a
Pesquisa Pronta “Outorga para exploração de recursos hídricos”.
Em maio de
2013, a Segunda Turma negou provimento ao recurso do Condomínio do Edifício
Serra Shopping, localizado no Rio de Janeiro, que pretendia continuar utilizando
fonte alternativa de água potável, independentemente de outorga e pagamento, em
local onde existe rede pública de abastecimento de água (REsp 1.352.664).
O relator,
ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que o inciso II do artigo 12 da Lei
9.433/97 condiciona a extração de água
do subterrâneo à respectiva outorga, o que, para ele, se justifica pela
“problemática mundial de escassez da água” e se coaduna com a Constituição de
1988, “que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e
de expressivo valor econômico”.
O ministro
explicou que esse dispositivo, ao distinguir os usuários que têm daqueles que
não têm acesso à fonte alternativa de água, “revela-se como instrumento
adequado para garantir o uso comum de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado pelas presentes e futuras gerações, segundo uma igualdade material,
não meramente formal, sobretudo considerando a finitude do recurso natural em
questão”.
Fonte: -STJ-caminha-em-sintonia-com-preocupação-mundial-de-preservar-o-meio-ambiente
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