O encontro do Projeto Comunidade e Direitos Sociais/EDH/Unichristus
do dia 27 de maio trouxe o debate sobre os questionamentos apresentados por
Henrique Rattner, no prefácio do livro ‘Desenvolvimento, Ambiente e Saúde:
implicações de (des) localização industrial’, de Raquel Maia Rigotto, bem como
as reflexões de David Harvey na obra ‘O Enigma do Capital’.
O objetivo central era contextualizar o papel dos Direitos
Humanos, da sociedade e do Projeto ‘Comunidade e Direitos Sociais’ junto aos
alunos das escolas públicas (alvo do TJC no Ceará), aos acadêmicos do curso de
Direito e à comunidade em geral, trazendo uma visão questionadora da realidade,
entendida de forma sistêmica, em busca da realização dos direitos das pessoas
em busca da efetivação da dignidade humana e da emancipação social.
Assim, discorreu-se sobre desenvolvimento econômico, social
e qualidade de vida, dentre outras abordagens com ênfase nas contradições apresentadas no sistema
capitalista e seus meios hegemônicos de manutenção do status quo, em detrimento
dos interesses da maioria da população.
Estatisticamente há um efetivo crescimento econômico, no
entanto, tal proposta de ‘desenvolvimento/progresso’ financeiro anda em
desalinho com a dignidade humana e a participação social, de modo que continua acompanhado
de uma concentração de renda nas classes mais abastadas, aumentando as desigualdades
sociais, como destacado por Rigotto:
[...] a despeito dos avanços, as esperanças que a humanidade
depositou na modernidade e no desenvolvimento foram frustradas, para a grande
maioria: em 2000, 1,1 bilhão de pessoas ainda vivem em pobreza absoluta no
mundo; 800 milhões de pessoas são desnutridas; em Zâmbia, a probabilidade de
nascer e não viver até os 40 anos é de 53,9%; no Brasil, a renda per capta dos 10% mais ricos da
população é 32 vezes a dos 40% mais pobres (UM, 2005; PNUD, 2007). Isto para
mencionar brevemente apenas alguns dos problemas que ainda enfrentamos na aurora
do século XXI” [i]
Outro item debatido foi o vilipêndio aos direitos humanos em
casos infelizmente reiterados ligados às más condições no meio ambiente de
trabalho, com dados assustadores, como se pode notar:
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), ocorrem anualmente 270
milhões de acidentes de trabalho em todo o mundo. Aproximadamente 2,2 milhões deles resultam em mortes.
No Brasil,
segundo o relatório, são 1,3 milhão de
casos, que têm como principais causas o descumprimento de normas básicas de
proteção aos trabalhadores e más condições nos ambientes e processos de
trabalho.
Segundo o estudo da OIT realizado em 2012, o Brasil ocupa hoje o 4º lugar no mundo em
relação ao número de mortes, com 2.503 óbitos. O país perde apenas para
China (14.924), Estados Unidos (5.764) e Rússia (3.090).
Cerca de 700 mil
casos de acidentes de trabalho são registrados em média no Brasil todos os
anos, sem contar os casos não notificados oficialmente, de acordo com o
Ministério da Previdência. O País gasta cerca de R$ 70 bilhões nesse tipo
de acidente anualmente. Entre as causas desses acidentes estão maquinário velho
e desprotegido, tecnologia ultrapassada, mobiliário inadequado, ritmo acelerado,
assédio moral, cobrança exagerada e desrespeito a diversos direitos. Os
acidentes mais frequentes são os que causam fraturas, luxações, amputações e
outros ferimentos. Muitos causam a morte do trabalhador. A atualização
tecnológica constante nas fábricas e a adoção de medidas eficazes de segurança
resolveriam grande parte deles.[ii]
A situação se agrava quando se trata em trabalho em
condições análogas à escravidão praticada e permitida pelos núcleos
hegemônicos, na atualidade, como se pode notar, em um dos diversos casos
conhecidos (Magazine Luiza, C&A, dentre outras):
"A Lojas Americanas tem o prazo de dois meses para
identificar os fornecedores que não atendam às exigências do MPT e
descredenciá-los, assim como efetuar o cancelamento dos pedidos já
realizados", além de pagar uma multa de R$ 250 mil. Esta é a decisão do
Ministério Público do Trabalho (MPT), prevista no Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC), divulgada em nota na última quarta-feira (02).
A decisão é efeito da descoberta de cinco bolivianos
flagrados em condições precárias em uma oficina de costura fornecedora da
empresa, em Americana (SP), em janeiro deste ano. Quatro crianças também foram
encontradas no local no dia da fiscalização.[iii]
Os desrespeitos nas relações de trabalho são aterrorizantes,
de modo que o Brasil está em 94º entre os 162 países avaliados
proporcionalmente em relação à população com relação à existência de trabalho
escravo:
O país, de acordo com o relatório, tem de 170 mil a 217 mil pessoas em situação análoga à escravidão.
No ranking das Américas, o Brasil está em 13º. No mundo, o país em que há,
proporcionalmente, a maior prevalência de casos é a Mauritânia, na Costa Oeste
da África; seguida pelo Haiti e Paquistão. Em termos quantitativos, os que mais
registram casos são a Índia e a China, com, pelo menos, 13,3 milhões e 2,8
milhões de pessoas escravizadas respectivamente.[iv]
Em tempos em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
integrante do Poder estatal, chega ao cúmulo de editar Resolução com padrões a
serem seguidos por todos os magistrados do Brasil, na Copa da FIFA de 2014, na
qual permite o trabalho voluntário como gandulas a crianças de 12 anos, contrariando
a Constituição que somente possibilita o trabalho na condição de aprendiz a
partir dos 14 nos, reafirmam-se as contradições do sistema em detrimento do
ânimo da maioria da população, como se pode notar dos relatórios da Organização
Internacional do Trabalho:
A Organização
constatou recentemente a existência de
168 milhões de crianças entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil (11%
da população infantil), das quais 85 milhões envolvidas em trabalhos perigosos.[v]
Diante de tais dados, torna-se impossível negar a existência
questões de classe envolvidas no sistema, de modo que tal modelo de desenvolvimento
mitiga, inclusive, a soberania nacional, um dos princípios fundamentais da
Constituição Federal de 1988, surrada em favor dos interesses particulares de grandes
corporações e do capital financeiro, como pode ser constatado, também, na Lei
da Copa, que fere normas tributárias, trabalhistas, de proteção social e diversas
outras. Algo que tem afetado os jovens, como destacado por Rattner:
[...] Os jovens de hoje são cada vez mais perplexos,
inseguros e angustiados diante das incertezas reinantes quanto ao seu futuro.
Mesmo sem conhecer os mecanismos
complexos e complicados da economia, da tecnologia e da política, sentem que
não há mais lugar para eles, sentem que não há mais uma definição clara sobre o
para que de sua existência. Qual é o destino? Não somente o individual, mas de
todos aqueles com os quais convivemos e compartilhamos? Se todo o paradigma do
desenvolvimento se reduz à produção e ao consumo de massa, e se não há mais
objetivos relacionados com a plena realização dos seres humanos por meio da
cooperação, solidariedade, do convívio democrático pluralista, o que sobra para
um indivíduo aspirar, desejar, se empenhar e se esforçar?[vi]
As análises marcam o início da reflexão e se propõem a
quebrar a indolência e o comodismo fortalecidos pelo sistema, as quais devem
servir como norte na apresentação das teorias aos alunos, com intuito de formar
seres mais emancipados socialmente e multiplicadores/atores de uma cultura que vise
a otimização da dignidade das pessoas. Todos saíram instigados a se inquietar,
refletir e questionar rumo a atitudes, no mínimo, contra hegemônicas, nos
moldes propostos por Boaventura de Sousa Santos.
Adriana Aquino de Souza
Membro do
Projeto Comunidade e Direitos Sociais
Aluna do
Curso de Direito da Unichristus
Escritório
de Direitos Humanos
Kerley Christine Fernandes Ribeiro
Membro do
Projeto Comunidade e Direitos Sociais
Aluna do
Curso de Direito da Unichristus
Escritório
de Direitos Humanos
Clovis Renato Costa Farias
Doutorando
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Bolsista
da CAPES
Membro do
GRUPE e da ATRACE
Advogado
e Professor Universitário
Vice
Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/CE
Páginas:
Vida,
Arte e Direito (vidaarteedireito.blogspot.com)
Periódico
Atividade (vidaarteedireitonoticias.blogspot.com)
Canal
Vida, Arte e Direito (www.youtube.com/user/3mestress)
[i] RIGOTTO, Raquel Maria.
Desenvolvimento, Ambiente, Saúde:
implicações da (des)localização industrial. Prefácio: Henrique Rattner. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. 24.
[ii] Fonte:
http://www.progresso.com.br/opiniao/jose-carlos-manhabusco/cresce-o-numero-de-acidentes-de-trabalho-em-todo-o-mundo
[iv] Fonte:
http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/10/indice-de-escravidao-global-2013-recomenda-brasil-aprovar-pec-do-trabalho
[vi] RIGOTTO, Raquel Maria. Desenvolvimento, Ambiente, Saúde: implicações da (des)localização
industrial. Prefácio: Henrique Rattner. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.
p. 11-12.
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