Las ideas
que me tienen poseído no me dejan descansar... Debemos mirar hacia la esperanza
y yo sólo la veo en una dirección: en el camino de la Revolución: todo lo demás
no importa....
William
Morris
O
historiador inglês E. P. Thompson em suas inúmeras lições sobre a história
desde abajo, advertia ao vasto campo da história social para o fato de que
quase sempre somente se recolhe o que triunfa, e no sentido daquelas aspirações
que prefiguram desenvolvimentos posteriores.
As causas perdidas, os caminhos mortos e os vencidos são olvidados.
Thompson, em sua extrema sensibilidade, compõe uma história em busca dos
vestígios da experiência olvidada do humilde tecelão, do artesão utopista e assevera
que, embora se possa considerar que seus ideais humanitários fossem pura
fantasia e suas conspirações revolucionárias infantis pretensões, nos alerta a
todos para o fato inolvidável: eles viveram aqueles tempos de agudos câmbios
sociais e suas aspirações ganham validade à luz de sua singular experiência.
Aos que caíram vítimas da história, em vida condenados, não devem permanecer
nesta condição. Outra vez o historiador alerta para o fato de que não
deveríamos ter como único critério de juízo, no exame das ações dos homens do
princípio da industrialização, as realidades posteriores, posto que em algumas
das causas perdidas dos homens e mulheres do século XIX é possível desvendar
uma profunda compreensão dos imensos males sociais que ainda estão por
sanar.
Os
comunitaristas owenianos (como outros) foram fecundos em idéias e experimentos
prefiguradores de posteriores ensaios na educação das crianças, nas relações
entre os sexos, na instrução em geral na moradia e na política social. Idéias
que não estiveram circunscritas apenas aos limitados círculos intelectuais; são
trabalhadores manuais de ofícios vários – tecelões, alfaiates, tanoeiros, canteiros
que se mostraram dispostos a arriscar, ao menos por um tempo, seu meio de vida,
para provar na prática estas idéias, hauridas principalmente das prédicas nos
acanhados salões das mutualistas e das leituras coletivas do “enxame” de
periódicos que traziam o novo vocabulário da esperança e da justiça, gestando,
o que terá sido a grande conquista espiritual do período de formação da classe
operária: o internacionalismo como campo de ação e a autoconsciência
coletiva.
O povo
trabalhador não deveria ser contemplado apenas como uma imensa multidão de derrotados, posto que
em seus experimentos alimentou, com imensa fortaleza de ânimo, a árvore da
liberdade. (Thompson 1987)
A história
das idéias socialistas no Brasil é bem mais longa e rica que o registro
historiográfico feito sobre elas. Necessário, pois, reconstituir suas múltiplas
experiências que vão das manifestações do socialismo romântico e das utopias
por volta de 1840, quando Vauthier, Derrion e Mure contribuem para divulgar as idéias
de Fourier e se começam a dar os primeiros passos para a criação da Colônia do
Saí e Palmital, em São Francisco, Santa Catarina, e vão ganhando cada vez mais
importância com a chegada de exilados da Comuna de Paris (1871) e dos
anarquistas italianos que criaram a Colônia Cecília (1890), a que se juntaram,
no final do século XIX, outros trabalhadores anarquistas espanhóis e
portugueses.
O estudo e
análise da ação destes imigrantes e dos brasileiros que a eles se reuniram,
principalmente na primeira década do século XX, é condição de possibilidade
para apreender a riqueza dos registros históricos firmados através de uma
imprensa social combativa que, aliada a outros mecanismos de auto-educação,
constrói no Brasil a via de um sindicalismo autônomo e de ação direta que
marcaria as lutas sociais e a criação de uma cultura operária anti-capitalista
no país.
A idéia de
experimentar novas soluções societárias, que resultaram em muitas comunidades
no Novo Mundo e que no Brasil originaram o projeto do Falanstério do Saí e do
Palmital e da Colônia Cecília, prolongou-se ainda em outras experiências, menos
documentadas, como a da Comunidade Futuro, no Avaí, que por volta de 1910,
reuniu naturistas e utópicos austríacos e alemães, e a tentativa malograda do
anarquista e esperantista francês Paul Berthelot de criar uma comunidade no
interior do Brasil, junto aos índios de Goiás, onde morreu em 1910.
Ao testar
novas formas de associação, produção e relacionamento humano esse socialismo experimental
foi deixando claro que a reorganização da sociedade talvez fosse mais complexa
e difícil que o otimismo de muitos no século XIX pretendia. Se em algum lugar
inóspito longe do Estado e das poderosas instituições econômicas e sociais, os
companheiros de utopia não conseguiam fazer vingar seu projeto de uma (pequena)
nova sociedade, isso merecia uma análise cuidada. Poucos atentaram a este
problema dentro do movimento socialista que começava a ganhar corpo.
Giovanni
Rossi, com seu espírito curioso e metódico, dedicou uma atenção especial ao
problema, já que para ele a Colônia Cecília era a concretização desse
socialismo experimental que iria testar as idéias de reorganização social. Suas
análises valem, em grande medida, para as diversas experiências
comunitárias
realizadas na época, mas que poderia aplicar-se às experiências feitas no nosso
século.
Rossi
reconhece que a raiz dos problemas que inviabilizaram as chamadas comunidades
utópicas do século XIX não reside apenas nas formas de organização e produção e
na relação entre essas experiências isoladas e a sociedade e a economia
envolventes. Embora ele detalhe problemas como a falta de capital, recursos,
experiência de trabalho, impossibilidade
de definir pactos de cooperação etc, muitos dos insucessos poderiam ser
atribuídos à condição humana ou, se
quisermos usar outras palavras, aos condicionalismos psicológicos e culturais
dos participantes dessas experiências.
Superar as
tendências agressivas, egoístas, o poder, o ciúme, ou o espírito de
concorrência, num grupo humano é bem mais complexo que a adoção de uma
engenharia falansteriana ou de um ideal libertário.
Foi o que
mostraram, de forma clara, as comunidades fourieristas, comunistas e
anarquistas, deixando como lição que os processos de reorganização da sociedade
e a criação de uma nova economia social pressupõem mudanças radicais na
cultura, nos comportamentos e nas mentalidades, que, possivelmente, exigem
largos prazos que dificilmente são compatíveis com as necessidades urgentes do quotidiano
produtivo e afetivo de um grupo humano.
De forma
mais trágica, comprovou-o, no século XX, a macro-experiência do chamado
“socialismo real”, deixando claras as dificuldades de uma ampla e profunda
reorganização social. Se os utopistas do século XIX resistiram aos seus
fracassos e muitos aprenderam com eles, os fracassos do século XX, pela sua
dimensão social e dramaticidade humana, resultaram na atual descrença generalizada na própria viabilidade
de uma reorganização profunda da
sociedade moderna e na perda do espírito utópico.
Após mais
de 150 anos de tentativas de socialismo experimental, para usar o termo de
Giovanni Rossi, impõe-se àqueles que, social, política e intelectualmente,
estão insatisfeitos com a realidade do mundo, retomar a herança da utopia e
esperança dos primeiros socialistas. Mas, acima de tudo, sua capacidade de
experimentar, sempre reafirmando sem desânimo, após cada aparente fracasso, a
idéia de que o homem e a sociedade podem ser diferentes. Radicalmente
diferentes.
Anexo I
adelaide.anexoI.htm– Comunidades da utopia social na América Latina do século
XIX
Anexo II –
Uma bibliografia para o estudo das comunidades utópicas e os primórdios do
socialismo no Brasil
[12] A
primeira edição é de 1878 (Milão:Bignami), a segunda de 1881 (Livorno), a terceira traz um prefácio
de
Andrea
Costa em 1884 (Brescia: Tipografia Sociale Operaia) e a quarta de 1891
(Livorno: Favilinni).
[13]
Nettlau refere-se ao estudo de Horowitz 1975: vol.1, 15-16
(Trecho da
obra de Adelaide Gonçalves, "As comunidades utópicas e os primórdios do
socialismo no Brasil", E-topia: Revista Electrónica de Estudos
sobre a Utopia, n.º 2 (2004). ISSN 1645-958X)
Nenhum comentário:
Postar um comentário