A
aplicação de analogia em favor do réu, para condená-lo por tráfico de drogas em
lugar do crime de importação de remédio sem registro, não pode ser feita sem a
declaração expressa da inconstitucionalidade pelo tribunal. Para a Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prática viola a reserva de plenário.
A Lei
9.677/98 alterou o Código Penal (CP) para considerar hediondos e aumentar as
penas dos crimes contra a saúde pública. Entre as alterações, inclui-se o
parágrafo 1º-B no artigo 273. Com a alteração, a conduta de importar
medicamentos (além de saneantes e cosméticos, entre outros produtos) sem
registro na vigilância sanitária implica pena de reclusão de dez a 15 anos.
Proporcionalidade
No caso
analisado pelo STJ, o réu foi condenado pela importação de comprimidos de
Pramil e Erofast, remédios contra disfunção erétil, sem registro.
O juiz considerou
que a pena prevista pela reforma do CP era desproporcional à conduta. Ele
considerou expressamente inconstitucional a pena mínima de dez anos, o dobro do
mínimo previsto para o tráfico de drogas.
Para o
magistrado, porém, não seria possível aplicar, conforme jurisprudência da corte
local, a pena de tráfico. Isso porque o tipo penal não conteria a conduta do
réu. Condená-lo por tráfico corresponderia a analogia contra ele, o que não é
possível em direito penal.
Mas o juiz
considerou que a conduta corresponderia à prática de contrabando, isto é,
introdução no país de produto com venda e circulação proibida. A pena fixada
foi de um ano e dois meses em regime aberto, substituída por duas restritivas
de direito.
Analogia
favorável
O Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar recursos da acusação e da
defesa, entendeu que a pena de tráfico configuraria analogia em favor do réu,
diferentemente do que entendeu a primeira instância.
Em sua
decisão, apesar de declarar que o artigo 273 do CP era “plenamente
constitucional”, o TRF4 deixou de aplicar sua pena no caso concreto, porque não
significaria lesão à saúde pública. Com esse entendimento, o réu foi condenado
no tipo do artigo 273, mas com a pena do tráfico de drogas. O resultado ficou
em três anos de regime aberto, substituída por duas penas restritivas de
direito.
Pequeno
traficante
Contra
essa decisão, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus no STJ. Sustentou
três teses: a aplicação do parágrafo 1º-B do artigo 273 violaria o princípio da
ofensividade e da proporcionalidade, exigindo a desclassificação da conduta
para contrabando; se mantida a condenação pelo tipo do artigo 273, que fosse
aplicada a pena de contrabando e não de tráfico; se aplicada a pena de tráfico,
que se aplicasse, também, a causa de diminuição de pena prevista para esse
crime.
Pela lei
antidrogas, o pequeno traficante, entendido como primário, de bons antecedentes
e sem envolvimento habitual com o crime ou organização criminosa, pode ter a
pena fixada em até cerca de um ano e oito meses de reclusão.
Contradição
Para a
ministra Laurita Vaz, o TRF4 foi claramente contraditório ao não aplicar o
artigo por desproporcionalidade da pena prevista e, ao mesmo tempo, declarar
sua constitucionalidade plena.
Conforme a
relatora, o Supremo Tribunal Federal (STF), em entendimento sumulado com efeito
vinculante, afirma que a decisão que não aplica norma legal com base em
critérios constitucionais tem o mesmo efeito de uma declaração de
inconstitucionalidade, ainda que não o faça de forma expressa.
Pela
Constituição, os tribunais só podem efetuar essa declaração de
inconstitucionalidade por meio de seu órgão pleno ou especial – a chamada
reserva de plenário. Dessa forma, a decisão do TRF4 viola a Constituição e é nula.
Reforma
para pior
Como o
habeas corpus é medida de defesa, a pena do condenado não pode ser aumentada,
em razão do princípio que proíbe o agravamento da situação do réu em recurso
exclusivo da defesa.
Assim, a
ministra Laurita Vaz ressalvou expressamente que a nulidade da decisão do TRF4
e a imposição de necessidade de novo julgamento não poderão trazer nenhum tipo
de prejuízo ao condenado.
Segundo a
relatora, o TRF4 pode até aplicar o mesmo entendimento, desde que o faça por
meio de seu plenário ou órgão especial, na forma prevista pelo artigo 97 da
Constituição Federal.
Fonte: STJ
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