O Programa
Nacional de Desestatização foi instituído em 1990 pela Lei 8.031, que permitiu
a privatização de empresas controladas pela União. Em 1995, com a aprovação da
Emenda Constitucional 8, o governo brasileiro deu início à flexibilização do
setor de telecomunicações. Nesse mesmo ano, o Executivo encaminhou um projeto
de lei ao Congresso, que resultou na chamada Lei Mínima (Lei 9.295/96) e na
separação entre a telefonia fixa e a telefonia móvel. Em 1997, a Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472) criou a Anatel.
De lá para
cá, muita coisa mudou. Após o processo de privatização, ocorrido em julho de
1998, que acabou com o monopólio do Sistema Telebrás, a acomodação de serviços
e a criação de um ambiente competitivo, regulado pela Anatel, o Judiciário é
cada vez mais chamado para resolver conflitos de mercado.
O Superior
Tribunal de Justiça (STJ), desde então, vem proferindo decisões importantes
para o consumidor, empresas e órgãos de governo. A obrigatoriedade de
operadoras oferecerem outro aparelho ou reduzir multa em casos de perda de
celular, por exemplo, foi um tema que chegou à pauta de julgamento.
Outros
temas foram a validade da cobrança da assinatura básica mensal em telefonia
fixa e a discussão acerca do prazo de validade do cartão pré-pago em telefonia
móvel. Assuntos como a legitimidade dos Procons para impor multas por
descumprimento de regras de serviço e o detalhamento da fatura telefônica
também foram objeto de julgamento. São inúmeros os precedentes de interesse
para os consumidores, empresários e governo.
Planos de
fidelidade
Em um dos
julgamentos sobre telefonia ocorridos neste ano, foi decidido que a operadora
não pode exigir fidelidade com prazo superior a 12 meses. Em março, a Quarta
Turma decidiu que é ilegal o contrato de comodato em que a operadora exige do
consumidor prazo superior a um ano.
A decisão
se deu em recurso de uma operadora contra uma consumidora de Mato Grosso do
Sul, que pediu rescisão contratual antes de cumprir a carência de 24 meses
prevista no contrato (REsp 1.097.582).
Seguindo o
voto do relator, ministro Marco Buzzi, a Turma considerou que a fidelidade
exigida pelas operadoras, em si, não é ilegal, desde que em troca a empresa
telefônica proporcione alguma vantagem efetiva ao cliente, seja na forma de
redução no valor dos serviços ou de desconto na aquisição de aparelhos.
Mas o prazo
superior a 12 meses foge à razoabilidade e fere o direito do consumidor de
buscar ofertas melhores no mercado. Segundo o relator, a evolução dos sistemas
de comunicação, a universalização do atendimento e a ampliação da cobertura
tornaram os serviços muito dinâmicos, a ponto de não justificar a vinculação
dos usuários a longos prazos contratuais.
O comodato
praticado pelas operadoras funciona geralmente como uma espécie de empréstimo
em que ocorre a transmissão da propriedade do aparelho depois de cumprido o
prazo de carência ou após o pagamento de multa, nos casos de rescisão.
Perda do
celular
Em outra
importante decisão, ocorrida em 2009, o STJ entendeu que perda ou furto de
celular obriga a operadora a fornecer outro aparelho ou reduzir a multa
rescisória.
Se o
cliente ficar sem o celular em decorrência de caso fortuito ou força maior,
devidamente comprovado, a empresa de telefonia deve fornecer gratuitamente
outro aparelho pelo restante do período de carência ou, alternativamente,
reduzir pela metade o valor da multa a ser paga pela rescisão do contrato. A
decisão foi da Terceira Turma, ao dar parcial provimento ao recurso de uma
operadora (REsp 1.087.783).
A
discussão teve início em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do
Rio de Janeiro, requerendo que a operadora se abstivesse de cobrar qualquer
multa, tarifa, taxa ou outro valor por resolução de contrato de telefonia móvel
decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente na hipótese de roubo
ou furto do aparelho celular.
Para a
ministra Nancy Andrighi, relatora, a solução do caso passa pela equalização dos
direitos, obrigações e interesses das partes contratantes à nova realidade
surgida após a ocorrência de evento inesperado e imprevisível, para o qual
nenhuma delas contribuiu: “De um lado a recorrente, que subsidiou a compra do
aparelho pelo consumidor, na expectativa de que este tomasse seus serviços por
um período mínimo. De outro, o cliente, que, ante a perda do celular por caso
fortuito ou de força maior e na impossibilidade ou desinteresse em adquirir um
novo aparelho, se vê compelido a pagar por um serviço que não vai utilizar.”
Fornecimento
de aparelho
Segundo a
ministra, as circunstâncias permitem a revisão do contrato. “Ainda que a perda
do celular por caso fortuito ou força maior não possa ser vista como causa de
imediata resolução do contrato por perda de objeto, é inegável que a situação
ocasiona onerosidade excessiva para o consumidor”, acrescentou.
Ao
decidir, a ministra levou em conta ser o consumidor parte hipossuficiente na
relação comercial, o que deixa duas opções à operadora: dar em comodato um aparelho
ao cliente durante o restante do período de carência, a fim de possibilitar a
continuidade na prestação do serviço e, por conseguinte, a manutenção do
contrato; ou aceitar a resolução do contrato, mediante redução, pela metade, do
valor da multa devida, naquele momento, pela rescisão.
A relatora
ressaltou que, caso seja fornecido um celular, o cliente não poderá se recusar
a dar continuidade ao contrato, sob pena de se sujeitar ao pagamento integral
da multa rescisória. “Isso porque, disponibilizado um aparelho para o cliente,
cessarão os efeitos do evento [perda do celular] que justifica a redução da
multa”, concluiu Nancy Andrighi.
Demonstração
de crédito
Em 2011, o
STJ proferiu decisão vedando às concessionárias de serviço de telefonia móvel condicionar
a habilitação de linha no plano básico à apresentação de comprovantes de
crédito no nome do interessado (REsp 623.325).
No caso, o
Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra uma operadora, por
considerar abusiva a prática de condicionar a habilitação de celular pós-pago,
cuja tarifa geralmente é menor que a do pré-pago, à inexistência de restrição
de crédito dos consumidores ou à apresentação do cartão bancário.
O STJ
entendeu que a prática desrespeitava o usuário e descumpria a função social do
serviço. Os direitos das empresas de atuarem no livre mercado e sem intervenção
estatal deveria se harmonizar com o direito do usuário de não ser discriminado
quanto às condições de acesso e fruição do serviço.
De acordo
com as normas do setor, o serviço de telefonia móvel celular submete-se ao
regime de direito privado e não está sujeito ao princípio de universalização.
Segundo o ministro Teori Albino Zavaschi, que era o relator do processo, o
princípio da livre iniciativa – ou da intervenção estatal mínima, ou do regime
privado da prestação do serviço – não é absoluto.
“Ao
contrário, como todo princípio, ele assume, por sua natureza, caráter relativo,
uma vez que sua aplicação não dispensa, nem pode dispensar, um sistema metódico
de harmonização com outros princípios de mesma hierarquia, igualmente previstos
na própria Lei 9.472, como o do respeito ao usuário e da função social do
serviço de telefonia (artigo 127),” disse ele.
Tarifa
básica em telefonia fixa
O STJ, em
reiteradas decisões, que culminaram na edição da Súmula 356, fixou o
entendimento de que “é legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos
serviços de telefonia fixa”. Em vários precedentes, usuários pediam devolução
dos valores pagos por uma contraprestação por serviço não oferecida – cobrança
sem que chamadas fossem feitas.
O
entendimento do Tribunal é que a cobrança da tarifa foi prevista expressamente
no edital de desestatização das empresas federais para que os interessados, com
base nessa autorização, efetuassem propostas.
Além de
ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade de a concessionária
manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e
ininterrupto, já que lhe são exigidos dispêndios financeiros para garantir a
eficiência.
A
obrigação do usuário em pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre
da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la por
ser reguladora do setor, amparada no que consta do contrato de concessão, com
respaldo no artigo 103, parágrafos 3º e 4º, da Lei 9.472 (REsp 926.159; REsp
993.283).
Detalhamento
da fatura eletrônica
Se a
cobrança de tarifa básica pelo uso de serviços de telefonia fixa resultou na
edição da Súmula 356, o detalhamento de fatura revogou a Súmula 357 do STJ, que
tinha o seguinte enunciado: “A pedido do assinante, que responderá pelos
custos, é obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2006, a discriminação de
pulsos excedentes e ligações de telefone fixo para celular” (REsp 1.074.799).
Em
julgamento conforme o rito da Lei dos Recursos Repetitivos, a Primeira Seção
pacificou o entendimento, em 2009, de que, a partir de 1º de agosto de 2007,
data da implementação total do Sistema Telefônico Fixo Comutado (Resolução
426), é obrigatório o fornecimento de fatura detalhada de todas as ligações na
modalidade local, independentemente de ser dentro ou fora da franquia
contratada. O fornecimento da fatura é gratuito e de responsabilidade da
concessionária.
A
solicitação para o fornecimento da fatura discriminada sem ônus para o
assinante só precisa ser feita uma única vez, marcando para a concessionária o
momento a partir do qual o consumidor pretende obter o serviço. Segundo o
relator, ministro Francisco Falcão, não teria sentido obrigar o consumidor a
solicitar mensalmente o detalhamento de sua fatura.
Atuação
dos Procons
Também em
2009, o STJ aplicou decisão que beneficia os consumidores e intimida as
operadoras em relação ao descumprimento de cláusulas de serviços. A Segunda
Turma reiterou a legitimidade dos Procons para aplicar multas por
descumprimento de suas determinações. A decisão se deu em questão em que foi
suscitado conflito de atribuições entre o Procon e a Anatel (REsp 1.138.591).
Uma
empresa concessionária foi multada por ter descumprido a determinação do órgão
de defesa do consumidor quanto à instalação de linha telefônica no prazo
estipulado de dez dias. Ela pediu a desconstituição da multa com o argumento de
que tal competência era da Anatel.
Para a
concessionária, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(TJRJ) contrariou o artigo 19, IV e VII, da Lei 9.472 e o artigo 19, parágrafo
único, do Decreto 2.338/97, pois a atuação dos órgãos de defesa do consumidor
dependeria de prévia coordenação da Anatel, sob pena de usurpar a competência
da agência reguladora.
Ao
analisar a questão, o relator, ministro Castro Meira, considerou que a atuação
do Procon é sempre legítima quando se trata de aplicar as sanções
administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que
lhe foi conferido no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Tal
competência, entretanto, segundo ele, não exclui o exercício da atividade
regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei. O foco das
agências não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a
execução do serviço público em seus vários aspectos, como sua continuidade e
universalização, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato
de concessão e a modicidade tarifária.
Ações
coletivas
A Anatel é
a autarquia especial que regula o setor. Segundo o STJ, em decisão proferida em
2010, ela é parte obrigatória nas ações coletivas que envolvam as
concessionárias de telefonia. E, como pertence à União, a competente para
processar as ações é a Justiça Federal (CC 113.902; Ag 1.195.826).
A atuação
da Anatel está amparada no artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal, que
diz que “a lei disporá sobre a organização dos serviços, a criação e aspectos
institucionais de um órgão regulador”, que foi a Lei 9.472. Conforme ainda a
Constituição, é competência da União legislar sobre telecomunicação e
radiodifusão, o que restringe a participação de estados e municípios para
disciplinar matérias relativas ao setor.
Na análise
de um recurso em que uma operadora teria instalado torres de telefonia sem
observar as regras municipais, o STJ decidiu que não é razoável que uma
operadora restrinja suas atividades por força de legislação de município, tendo
em vista o artigo 19 da Lei 9.472, que atribuiu competência exclusiva à Anatel
para a matéria (AgRg na MC 11.870). A intromissão de outros órgãos nas
atividades reguladas é uma excepcionalidade.
“O
surgimento superveniente de determinação municipal em confronto com ato da
agência reguladora impõe análise pormenorizada da proposição técnica,
revelando-se temerário o cumprimento de determinação local em detrimento de
atividades essenciais e do interesse da coletividade", afirmou o ministro
Luiz Fux (MC 3938) na ocasião de um julgado.
No mesmo
sentido decidiu a ministra Denise Arruda, em um recurso em que se definiu que
lei estadual não pode legislar sobre serviços de telecomunicações. No caso, uma
lei de Santa Catarina estabeleceu regra determinando a discriminação das
ligações locais nas faturas de telefonia fixa, o que foi considerado ilegal
(RMS 17.112).
Interferência
excepcional
Como
medida excepcional de interferência na esfera do órgão regulador, o STJ admitiu
em 2012 a possibilidade de o Poder Judiciário intervir na fixação dos valores
cobrados das empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa a título de
VU-M, tarifa que é devida por essas empresas quando se conectam às redes de
telefonia móvel (REsp 1.275.859; REsp 1.334.843; REsp 1.171.688).
O
entendimento dizia respeito à divergência firmada entre a Tim e a GVT em
relação à legitimidade de o Poder Judiciário, em antecipação de tutela, fixar
provisoriamente os valores cobrados a título de VU-M. A Tim objetivava a
fixação dos valores que foram determinados pela Anatel no âmbito do procedimento
de arbitragem firmado entre a GVT e a concessionária Vivo.
Por outro
lado, a GVT alegava que esses valores eram excessivos e poderiam prejudicar seu
funcionamento, o que prejudicaria os consumidores, razão pela qual requeria a
determinação dos valores com base em estudo realizado por renomada empresa de
consultoria econômica privada, os quais eram inferiores aos estabelecidos pela
Anatel.
Em seu
voto, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a Lei Geral de
Telecomunicações expressamente confere às concessionárias de telefonia relativa
liberdade para fixar os valores das tarifas de interconexão VU-M, desde que
tais valores não estejam em desacordo com os interesses difusos e coletivos
envolvidos, consistentes na proteção dos consumidores e na manutenção das
condições de livre concorrência no mercado.
Para o
relator, “a discussão judicial desses valores não afasta a regulamentação
exercida pela Anatel, visto que a atuação do referido órgão de regulação
setorial abrange, sobretudo, aspectos técnicos que podem melhorar a qualidade
do serviço oferecido ao consumidor pelas concessionárias de telefonia fixa e
móvel”.
Estruturação
em rede
A partir
desse entendimento, foi negado provimento aos recursos especiais para
determinar a manutenção da decisão de antecipação de tutela concedida pelo
juízo federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a qual determinou a
aplicação dos valores sugeridos pela empresa de consultoria, mais condizentes
com os interesses difusos envolvidos.
A
indústria de telecomunicações é, essencialmente, estruturada em rede. Assim,
cada agente econômico que atua neste mercado necessita de uma rede para
funcionar, ou seja, de uma infraestrutura necessária à prestação de serviços de
telecomunicações.
Embora
seja possível que cada empresa possua sua própria rede, essa hipótese não é
racionalmente viável, tendo em vista principalmente o alto custo em que
incorreriam as empresas prestadoras do serviço para a duplicação da
infraestrutura, o que, aliado ao fato de o Brasil possuir dimensões
continentais, inviabilizaria a universalização dos serviços de
telecomunicações.
De acordo
com o ministro Mauro Campbell, as taxas de interconexão, desde que não
discriminatórias ou nocivas ao ambiente de liberdade concorrencial instaurado entre
as concessionárias de telefonia, podem variar de acordo com as características
da rede envolvida.
Transparência
Com o fim
de atender o princípio da transparência, o STJ decidiu em um recurso que cabe
ao denunciante, em processo administrativo para apuração de descumprimento de
obrigação, ter amplo conhecimento dos fatos e decisões tomadas pelos dirigentes
(REsp 1.073.083).
No caso, a
Sociedade Brasileira de Prestadores de Serviços de Telecomunicações (Sitel)
protocolou representação contra uma operadora por ela ter bloqueado os serviços
prestados por suas associadas.
Após o
resultado do processo, a denunciante foi impedida de ter vista dos autos e
ingressou com mandado de segurança na Justiça para que fosse reconhecida a
nulidade da decisão.
A Anatel
alegou sigilo, com base nos artigos 19, 22 e 174 da LGT, e sustentou que o
conceito de “parte” previsto pelas normas não incluía o denunciante, de forma
que era justificável o não acesso ao processo.
O STJ
decidiu que a Sitel, na qualidade de denunciante e interessada no desenrolar do
processo, tem não só o direito de exigir a apuração dos fatos relatados e ser
informada sobre as providências adotadas, como também de ter acesso ao próprio
processo em trâmite.
Segundo o
relator, ministro Castro Meira, no processo administrativo, o termo “parte”
abrange administração e o administrado, tendo este o conceito mais largo que a
parte do processo civil. Os administrados, segundo o ministro, são todos
aqueles que detêm interesse difuso ou coletivo na matéria, em interesse próprio
ou como substituto. E, no caso, denunciante é parte.
Fonte: STJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário