É tudo verdade?
O documentário “Zeitgeist, o filme” faz
barulho com a tese de que Jesus é um mito romano, mas se perde em outras
teorias da conspiração
CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
Mitologia romana: seria Jesus Cristo uma
criação inspirada em lendas e histórias egípcias, indianas e persas? Segundo
"Zeitgeist, o Filme"
Como um documentário independente lançado
online consegue mais público do que muitos blockbusters? Pois "Zeitgeist,
o Filme", do norte-americano Peter Joseph, já teve 10 milhões de acessos
desde quando foi lançado, em julho de 2007. Com uma hora de duração, o filme,
que até agora não bateu no circuito comercial, começa bem: história e
astronomia puras, de mãos dadas, na tentativa de mostrar que Jesus Cristo teria
sido uma invenção, digamos, da "mídia" romana para apascentar as
massas.
Os suaves estertores dessa teoria começam
devagar para tentar provar que Jesus Cristo, nas palavras de Peter Joseph, é um
"híbrido", um antropomorfismo que englobou várias entidades solares,
de outras culturas milenares. Todas nascidas a 25 de dezembro, todas filhas de
virgens, todas com 12 discípulos, todas crucificadas e ressuscitadas após 72
horas de suas inumações, vulgo enterros.
Tido e havido como o filme online com mais
espectadores em 2007, "Zeitgeist" (expressão em alemão que significa
"espírito da época") é seccionado em três frentes: "The Greatest
Story Ever Told" ("A maior história já contada") , "All the
World's a Stage" ("O mundo inteiro é um palco"), frase de
William Shakespeare, e "Don't Mind the Men Behind the Curtain"
("Não se preocupe com os homens atrás da cortina"). No ano passado,
uma versão um pouco mais alentada do que essa da net chegou a ser apresentada
no quarto Annual Artivist Film Festival & Artivist Awards, nos EUA.
A primeira seção do vídeo é impecável,
plangente e tira você do sério. Vejamos: desde 10000 a.C., entidades solares
têm sido purpurinamente festejadas em várias culturas. O deus egípcio Hórus, por
exemplo: nasceu a 3000 a.C., é um messias solar que luta contra o messias das
trevas, Set, rei na noite. Hórus nasceu a 25 de dezembro, é filho de Isis-Meri,
uma virgem. Quando nasceu, três reis seguiram as pegadas de sua aurora. Como
Cristo, começou a pregar aos 12 anos de idade e foi batizado também aos 30
anos. Tifão (como Judas a Cristo) o traiu. Hórus foi crucificado e ressuscitou
três dias depois.
Na Frígia, temos outro caso: o messias Attis
nasce a 25 de dezembro, da virgem Nana, e passa por martírio, traição e
calvário como Cristo. Na Índia, em 900 a.C., Krishna nasceu da virgem Devaki,
no mesmo dia de Cristo. Tudo igual, também, refere o filme, a Dionísio, na
Grécia de 500 a.C., o mesmo também para Mittra, na Pérsia, renascido, depois de
uma traição, a 25 de dezembro, só que em 1200 a.C. O que nivela os destinos de
tantos avatares, tão iguais em culturas tão díspares e tão distantes em seus
tempos e latitudes?
"Zeitgeist" sustenta que, no
hemisfério norte, a 22 de dezembro, o Sol encontra o seu ponto mais baixo, o
solstício de inverno. A partir dessa data, por três dias, ele fica parado,
morto. Volta a se mexer, isto é, renasce, somente a 25 de dezembro. No dia em
que o astro atinge seu ponto mais baixo, você pode ver em cima dele o Cruzeiro
do Sul, ou seja: o sol morreu na cruz. Em 25 de dezembro o sol volta a renascer
e se alinha nos céus com a estrela mais brilhante na Terra nessa data, Sírius,
que por sua vez está alinhada com as Três Marias. O filme tenta dizer que essas
coincidências astrológicas porfiaram por construir, em várias culturas,
entidades solares, como Cristo, cujos apóstolos, por exemplo, nada mais
representam que as 12 constelações pelas quais o sol passa durante 365 dias. Se
você acha que tudo isso é lorota, veja o vídeo.
É tudo verdade?
CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
Mais do mesmo
A segunda parte já não é tão brilhante. Tenta
convencer a platéia de que os EUA sabiam dos ataques terroristas de 11 de
setembro de 2001. Traz depoimentos bastante convincentes de que a defesa aérea
dos EUA, o Norad, teria sido enganada oficialmente, no dia dos ataques, para
que não pudesse combater com eficácia os terroristas.
A terceira parte é o segmento mais
inconfiável do filme: vem com a história de que o Federal Reserve Bank dos EUA
foi inventado para roubar riquezas, sobretudo a partir de movimentações de
somas em grandes guerras. Mas mesmo essa teoria não chega a ser um absurdo: era
adorada pelo nosso finado economista Celso Furtado. Chama-se "Ciclos
Kondratieff". Para o economista, avanço tecnológico e redução de tempo de
produção resultam em guerras para lastrear a produção encalhada pela redução de
seu tempo de produção.
A Revolução Industrial teria gerado, a partir
de 1783, a quebra na Bolsa de Londres e a Revolução de 1830. A introdução da
química do ferro, a partir de 1837, gerou, nessa teoria, a Revolução de 1848, a
Guerra de Secessão nos EUA, o crack de Viena, a Independência do Brasil. A
química pesada, no início do século, teria gerado a Primeira Guerra Mundial, a
crise de 1929 em Nova York e a Revolução de 1930, no Brasil. O fordismo e o
taylorismo, a Segunda Guerra Mundial. A crise do petróleo, em 1973, teria
potencializado a Guerra do Vietnã. Ainda nessa ótica, a tecnologia informática
e a bioquímica teriam gerado o fim da URSS, as guerras localizadas, como em
Kosovo, e o colapso das economias do Terceiro Mundo, nos anos 1990.
Por mais que você possa ver em
"Zeitgeist" uma teoria conspiratória a mais, terá de tirar o chapéu para
a obra: porque esta é, no mínimo, brilhante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário