(RELATÓRIO DO GAET FOCA NA PRODUTIVIDADE EM DESCOMPASSO SOCIAL)
Clovis Renato Costa Farias
(Advogado, mestre e doutor em Direito, membro do
GRUPE)
A
míngua do custeio sindical nos moldes realizados e em desenvolvimento desde
2017 no Brasil é um aspecto central para o enfraquecimento das entidades
representativas, com consequências para a dignidade de cada pessoa humana que
trabalha e consequências nefastas para os direitos sociais, em claro retrocesso
social e perecimento dos direitos fundamentais.
Situação
que se agrava com os avanços de grupos oficiais criados pelo governo federal,
tais como o GAET, e suas propostas antidemocráticas, objetivando desaparelhar os
mais necessitados, trabalhadores e trabalhadoras, com avanço abissal das
desigualdades no país. Algo que tem gerado danos materializados na manipulação
de informações e dados, “fake news", com fonte no governo federal.
Neste
momento histórico, importa compreender o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET),
instituído pela Portaria nº 1.001, de 4 de setembro de 2019, pelo então Secretário
Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, com o objetivo de
avaliar o mercado de trabalho brasileiro sob a ótica da modernização das
relações trabalhistas e matérias correlatas.
Em
sua estrutura de funcionamento tem com 04 (quatro) Grupos de Estudos Temáticos
- GET, dedicados ao estudo de temas específicos (I - Grupo de Estudo de
Economia do Trabalho; a) Eficiência do mercado de trabalho e das políticas
públicas para os trabalhadores; b) Informalidade; c) Rotatividade; d) Futuro do
trabalho e novas tecnologias; II - Grupo de Estudo de Direito do Trabalho e
Segurança Jurídica; a) Simplificação e desburocratização de normas legais; b)
Segurança jurídica; c) Redução da judicialização; III - Grupo de Estudo de
Trabalho e Previdência; a) Insalubridade e Periculosidade; b) Regras de
notificação de acidentes de trabalho - CATs; c) Nexo Técnico Epidemiológico; d)
Efeitos previdenciários de decisões da Justiça do Trabalho; e) Direitos do
trabalhador decorrentes de benefícios previdenciários; IV - Grupo de Estudo de
Liberdade Sindical; a) Formato de negociações coletivas; b) Representatividade
nas negociações coletivas; c) Registro sindical). Também, pode abordar outros
temas que avaliem como relevantes em suas atividades e no relatório final.
A
participação das entidades sindicais é elidida na constituição, de forma ordinária,
sendo viável, apenas, a critério do Coordenador-Presidente e dos demais
coordenadores, como convidados especialistas para participar das discussões do
GAET ou dos GETs, nos termos do artigo sexto da Portaria nº 1.001/19. Um ponto
que sinaliza o caráter antidemocrático e de desinteresse no diálogo social, uma
vez que intenta tratar dos assuntos, fundamentalmente, de interesse dos sindicatos
e respectivas representações e não lhes insere como membros natos. Contexto que
evidencia o caráter irreal e ideológico antissindical de sua formação, bem como
de sua produção nos relatórios e propostas.
A
elisão dos dirigentes sindicais, não tem justificativa democrática ou técnica, especialmente
pelo fato de não haver remuneração aos membros, conforme o art. 8º da Portaria.
Contexto que está firmado no relatório, com pretensão de afastar os sindicatos,
inclusive, de suas funções precípuas, como consta em tópicos específicos, como
o 3.9 do relatório de novembro de 2021, cujo título é “negociação coletiva sem
sindicatos”.
O
último relatório do GAET, publicado em novembro de 2021, traz toda uma proposta
de reformulação dos direitos sociais do trabalho, em termos individuais e
coletivos, com marca objetiva na pulverização e no enfraquecimento do modelo
sindical pátrio, já claudicante desde a “Deforma” trabalhista (Lei nº
13.467/17), com impactos mais profundos na representação e no custeio.
Para
tanto, dispõe, em seu resumo executivo, que examina criticamente o ordenamento
e funcionamento da organização sindical e da negociação coletiva no Brasil com
o objetivo de propor novo sistema que, com base no princípio da liberdade sindical,
reduza a interferência do Estado e promova o exercício da plena autonomia
coletiva de trabalhadores e empresas.
Os
tópicos mais invasivos do relatório estão nos itens 2.14. A “PAUTA PATRONAL” E
A INSEGURANÇA DAS EMPRESAS, item 2.15. LIBERDADE SINDICAL COMO ELEMENTO DA
DEMOCRACIA - O NOVO SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL E NEGOCIAÇÃO COLETIVA, item
3.3. UNIDADE DE NEGOCIAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE, item 3.4. ORGANIZAÇÃO SINDICAL
E REPRESENTATIVIDADE; item 3.6. ADMINISTRAÇÃO DA NORMA COLETIVA; item 3.7.
SOLUÇÃO DE CONFLITOS; item 3.8. PRÁTICAS ANTISSINDICAIS; item 3.9. NEGOCIAÇÃO
COLETIVA SEM SINDICATOS; item 3.10. GREVE, LOCAUTE E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL;
item 3.11. REPRESENTAÇÃO DE TRABALHADORES ATÍPICOS; item 3.11. REPRESENTAÇÃO DE
TRABALHADORES ATÍPICOS; item 3.12. FINANCIAMENTO DOS SINDICATOS; item 3.13.
DISPOSIÇÕES ADICIONAIS TRANSITÓRIAS. Para finalizar com o vilipêndio generalizado
na proposta constante no item PROJETO DE EMENDA CONSITUCIONAL.
Em tais itens do relatório do GAET, toda a conjuntura social dos trabalhadores, a desigualdade na relação de trabalho, o contexto recorrente de perseguições aos mais fracos e invisibilizados, e todo o quadro de hipossuficiência é desconsiderado, para enfatizar a preponderância de um modelo de negociação coletiva que enfatiza a produtividade em detrimento da dignidade.
Irradia-se
no relatório, claramente, as intenções do grupo e do documento, com ênfase no
aumento da produção em detrimento da dignidade humana e de seus caráteres decorrentes
como a igualdade a ser otimizada no Estado Democrático de Direito (art. 1º,
CF/88) ou o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária
(Art. 3º, I, CF/88), constante nos objetivos da República Federativa do Brasil.
Veja-se, no contexto do relatório, que a palavra “produtividade”, por exemplo,
consta 103 (cento e três) vezes no documento, em suas 262 páginas, em contraste
em um texto que fala sobre emenda à constituição e alteração dos direitos
fundamentais, a palavra “dignidade” somente é mencionada seis vezes e 03 (três)
vezes a palavra “desigualdade”.
Em
termos de representação, a PEC sugerida pelo relatório do GAET implica em um sindicato
que se desnaturaliza dos moldes constitucionais atuais e passa a representar
apenas seus associados. Há abertura para a criação de incontáveis entidades, medidas
pela quantidade de pessoas a depender da negociação ou do conflito,
independente da categoria, seguimento ou empresa. O que tende a gerar grande
confusão jurídica e social, com profunda fragilização da base e enfraquecimento
do poder de representação das entidades.
Assim,
consta na sugestão de PEC, art. 8º, II, “é livre a organização sindical em
qualquer grau ou âmbito de representação, não havendo vinculação obrigatória a
atividades econômicas, ocupações, ofícios, profissões e bases territoriais”.
Resta um prazo de dois anos para as atuais entidades (que representam por
categoria) se adequarem, mas, percebe-se que, de fato, tenderão a implodir em
grande parte, replicando-se em uma diversidade de gabinetes oportunistas que
tendem a surgir, em um primeiro momento. O que parece ser a intenção real do GAET,
delimitando a representação no momento da negociação ou conflito coletivo, uma
vez que a sugestão de PEC destaca o termo “representados na unidade de
negociação”.
Observe-se
que, na fl. 243 do relatório, propõe-se que, no novo modelo, o sindicato
profissional poderá associar quaisquer trabalhadores. Mas, para efeito de
negociação coletiva, somente atuará naquela unidade de negociação se for o mais
representativo. Em suma, as normas coletivas se aplicarão apenas aos
trabalhadores vinculados à unidade de negociação respectiva.
Ao
ponto de ampliar o caráter proativo dos sindicatos patronais e, injustificadamente,
reduzir o dos representantes laborais, nos instrumentos de negociação coletiva,
como pode ser notado na fl. 243 do relatório, “o sindicato mais representativo
assume os ônus e bônus de sua condição, não podendo discriminar os
representados, especialmente quanto a resultados da negociação coletiva. A
regra deve ter status constitucional. Os sindicatos empresariais representarão
apenas as associadas, mas se admite a extensão da norma coletiva a
não-associadas que assim desejarem, condicionada à anuência do sindicato mais
representativo dos respectivos trabalhadores. O sindicato profissional mais
representativo pode eventualmente perder essa condição quando a unidade de
negociação é ampliada ou reduzida”.
A
visão apresentada no relatório expõe a intenção de modificar o modelo,
retirando do caráter protetivo das entidades de defesa dos trabalhadores e redução
das desigualdades, para funcionar como influenciador do mercado, arma das
empresas, como destacado na fl. 248 do relatório, “para equilibrar a
distribuição de poder no mercado de trabalho e no próprio jogo político
democrático”.
A
pretensão de distorcer as finalidades das entidades sindicais, também, pode ser
notada na fl. 249 do relatório, ao demarcar que “o bom entrosamento entre
sindicatos e empresas ajuda a melhorar a qualificação profissional e promover a
produtividade, o que é crucial para a competitividade no mercado externo e
doméstico. Enfim, são vários os motivos econômicos e administrativos que recomendam
fortalecer a capacidade negocial dos sindicatos de modo a atender os pleitos
dos representados nos limites das reais possibilidades da empresa”.
Tal
desnaturação vai desaguar no custeio, também, pulverizado das entidades. Para
tanto, a sugestão do GAET para o art. 8º da Constituição, na PEC, dispõe no
inciso XII, que “é vedada a imposição de contribuições de qualquer natureza
aos não-associados, ressalvada a contribuição negocial para estrito custeio da
negociação coletiva, definida em assembleia geral do sindicato mais
representativo, a ser estipulada no respectivo instrumento, não podendo superar
o valor anual da contribuição associativa, e será devida por todos os
representados na unidade de negociação, associados ou não”.
Pior,
os propósitos objetivam a criação de entidades conhecidas na doutrina como “sindicatos
amarelos”, rechaçados pelos tribunais e doutrina mundiais, uma vez que visam
legitimar desigualdades e desrespeito de direitos. Pretende-se a viabilização
de entidades negociadoras, com poderes normativos, para afastarem o controle
judicial, como disposto na fl. 220 do relatório, “a negociação coletiva
também é relevante em muitos temas para restringir o campo de divergências em
ações judiciais: os contornos são espontaneamente definidos pelas partes –
empresas e sindicatos. É um mecanismo pragmático para conter o exagerado
ativismo judicial”.
Ademais,
limita a estabilidade dos dirigentes sindicais, especialmente, diante da
possiblidade de pulverização proposta, de modo que, nos termos da fl. 244,
somente garante estabilidade no emprego para dirigentes sindicais eleitos na
proporção de um para cada 200 associados pagantes, não podendo exceder a 80 por
entidade sindical.
Por
fim, consta na fl. 246, graves modificações quanto ao direito de greve,
confundindo, ainda, o conceito, uma vez que a greve é um direito dos trabalhadores
e não dos sindicatos. Assim, o GAET propõe que “será garantido ao sindicato
mais representativo o direito de greve na unidade de negociação coletiva. Para
o exercício desse direito, o âmbito de representação não precisa coincidir com
o da unidade de negociação. Isso significa, por exemplo, que o mais
representativo em um estabelecimento poderá nele deflagrar greve, embora a
unidade de negociação seja um conjunto mais amplo de estabelecimentos ou
empresas no qual o sindicato mais representativo seja outro”.
Desse
modo, a reestruturação nos moldes propostos no relatório do GAET, de novembro
de 2021, dá continuidade à “Deforma” trabalhista iniciada em 2017, com
profundas alterações no contexto social, privilegiando a produção em detrimento
da dignidade da pessoa humana, com inefáveis prejuízos aos representantes sindicais
e, consequentemente, aos representados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário