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sábado, 8 de agosto de 2020

O combate judicial às incongruências da nova Portaria sobre Registro Sindical - Clovis Renato Costa Farias

(Clovis Renato Costa Farias – Professor e Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela UFC)

Saber a quem recorrer nas horas mais difíceis, especialmente nas relações de trabalho quando a pressão aumenta em conjunto com o medo de perder o emprego, é algo possível.

Viável, desde que o contexto das normas definidoras da representatividade sindical esteja claramente definido para os trabalhadores nas profundas alterações e reduções de direitos sociais da atualidade.

Daí ter protetores, tais como o sindicato e instituições congêneres, ao alcance para que cada interessado a fazer suas denúncias, filiações, análise de rescisões e prestação de serviços necessários aos trabalhadores. Atividades que cada trabalhador individualmente considerado não tem como arcar, tais como uma assessoria jurídica experiente nas questões mais inquietantes da categoria. 

No modelo brasileiro, há a unicidade sindical, de modo que nos termos do art. 8º, II, da Constituição, é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.

Tal unicidade é aferida pelo Ministério da Economia, nos termos do art. 31, XLI, da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, resultante da conversão da MP 870/2019. Quadro que dá nova interpretação à Súmula nº 677 do STF, que dispõe que até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade.

De regra, o papel de defesa dos sindicatos que tem sido ardilosamente confundido pelos governos, em especial, no Brasil contemporâneo, por meios normativos é algo essencial para a garantia da dignidade dos representados e das entidades. Contudo, exala-se um ânimo recorrente para desacreditar instituições e confundir a opinião dos principais interessados, enfraquecendo ainda mais a força da coletividade laboral, objetivando o avanço de medidas parciais que prejudicam o meio ambiente do trabalho e em geral.

Foi o que ocorreu com a edição, na véspera do carnaval de 2019, de medidas provisórias impedindo a contribuição sindical e os respectivos repasses, como no caso da MP 873. Norma inconstitucional e arbitrária que, sequer, teve preenchidos os requisitos imprescindíveis da relevância e urgência, mas visava apenas lesionar mais o movimento sindical para que não pudesse reagir às propostas mefistofélicas que o governo apresentou no Congresso Nacional. Para tanto, foi sendo diluída pelo Poder Judiciário e, ao final, não foi confirmada pelo parlamento nem pelo Supremo Tribunal Federal. 

Algo que também gerou a inserção em 2018 e 2019 do Brasil na Lista Suja de países que descumprem, de má fé, as normas da Organização Internacional do Trabalho. Situação que, após defesa do governo, não foi capaz de modificar o Relatório dos Peritos de 2020 que reiterou o descumprimento das convenções internacionais que o país jurou cumprir, inclusive, contrariando a Constituição de 1988.

Ainda, levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA a alertar o Brasil acerca do desrespeito à vários direitos relacionados aos sindicatos, inclusive, realizando consulta direta à Corte (CIDH) sobre direito sindical na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto de San Salvador, ambos ratificados pelo Brasil, e com direitos sindicais expressos.

Urge a ampliação da visão interpretativa para que se obtenha uma posição cada vez mais técnica, tanto juridicamente quanto social e politicamente sobre algumas atitudes normativas no governo nacional atual, para que se possa realmente assumir posição adequada e agir de forma precisa, transformando efetivamente a realidade.

A questão das armas adequadas de contensão a ataques normativos funciona adequadamente para barrar a continuidade de ações lesivas aos sindicatos por parte do governo.

Os modos estratégicos de ação devem seguir pela via interna e internacional, uma vez que os direitos dos sindicatos, federações, confederações e instituições por eles criadas, como as Centrais sindicais, têm proteção internacional e estão inseridos entre os direitos mais potentes mundialmente (Jus Cogens).

A nível de OEA, o Brasil promulgou o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais "Protocolo de São Salvador", concluído em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador, por meio do Decreto nº 3.321, de 30 de dezembro de 1999.

Na norma de direito humano dispõe-se expressamente no artigo 8, sobre os Direitos Sindicais, impondo que os Estados-Partes deverão garantir o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses. Como projeção deste direito, os Estados-Partes permitirão aos sindicatos formar federações e confederações nacionais e associar-se às já existentes, bem como formar organizações sindicais internacionais e associar-se à de sua escolha.

Ressalta que os Estados-Partes também permitirão que os sindicatos, federações e confederações funcionem livremente. Para tanto, o exercício dos direitos sindicais só pode estar sujeito às limitações e restrições previstas pela lei, que sejam próprias de uma sociedade democráticas e necessárias para salvaguardar a ordem pública e proteger a saúde ou a moral públicas, e os direitos ou liberdades dos demais.

Foi algo fincado pela Comissão Interamericana em 2019 e solicitada opinião consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Para tanto, aferir a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário dos atos do Poder Executivo, é algo extremamente pertinente e atual, uma vez que a regra é a do esgotamento das instâncias internas. Mas, sabe-se que há várias possibilidades de ingresso direto no Sistema Internacional de Direitos Humanos, em casos de desídia em âmbito nacional ou inexistência de remédios judiciais eficientes.

Em um primeiro momento, buscar o judiciário nacional configura uma marca da potência do sistema de freios e contrapesos demarcado no artigo segundo da constituição.

Assim, dar atenção aos sindicatos é algo fundamental à democracia e ao bem estar social dos trabalhadores, de regra, incapazes de apresentar diretamente seus pleitos aos superiores hierárquicos, e passíveis de lesões trabalhistas sérias.

Por mais críticas que possam ter como qualquer instituição criada e manejada por seres humanos, são, inquestionavelmente, os que mais atuam na defesa dos trabalhadores e da dignidade humana no meio ambiente do trabalho. Como diria Paulo, vê tudo, mas retende o que é bom, é a conduta que se faz necessária, para elidir os desvios e aplaudir os êxitos da boa prática, não sufocar instituições imprescindíveis para a garantia da igualdade.

Como observado, as ações governamentais parecem indiferentes internamente aos direitos fundamentais, de modo que continuam encravando punhais normativos nos direitos sociais.

Deve-se observar ao normatizar o sistema normativo, o ordenamento jurídico nacional e os direitos humanos fincados em tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Em caso de desvio, impõe-se a correção pela via judicial interna. A marca exata da conceituação de direitos fundamentais, uma proteção do cidadão contra os arbítrios do Estado.

É o caso da Portaria 17.593, de 24 de julho de 2020, que dispõe sobre os procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais pelo Ministério da Economia. Apesar da proposta de simplificação, traz diversos dispositivos que invadem a competência exclusiva das entidades sindicais e a Liberdade Sindical, nos termos do artigo 8º da Constituição, uma vez que interfere em prazos inerentes aos estatutos das entidades, reduz as possibilidades de solução extrajudicial de conflitos de representação, confunde tramitação administrativa com registro cartorário e entra em choque com dispositivos legais a quem deve hierarquicamente obediência, tais como os previstos da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/99) e Lei nº 13.726/2018 (racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação).

Diante da liberdade sindical imposta pelo artigo 8º da Constituição, a Súmula nº 677/STF dá poderes ao Poder Executivo apensa quanto a unicidade, mas a Portaria 17.593/20 (Registro Sindical) fere a constituição, especialmente, por adentrar em temas como assembleia, datas, prazos que devem ser adstritos aos estatutos sindicais. Para tanto, a parte a CLT que trata sobre a matéria é amplamente entendida como não recepcionada pela Constituição de 1988, uma vez que a norma trabalhista é dos anos 40.

Há inconstitucionalidades, mas não é seguro peticionar diretamente via controle concentrado no STF, em razão dos últimos julgados sobre a matéria. Conforme observado por Gérson Marques, o artigo 4º, I, “c” e “d”, e o correspondente artigo 5º, § 1º, I, “a”, que impõem prazos para publicação de editais, há invasão do Estado, pela via administrativa, na liberdade e autonomia sindicais, uma vez que tais prazos são matéria interna dos sindicatos. Contexto que é reiterado na norma nos artigos 6º, § 1º, I, “a”, art. 7º, § 1º, I, “a”, art. 9º, I, art. 10, I.

Nesse contexto, emergem os aspectos processuais e de possíveis ações judiciais contra os dispositivos destoantes do ordenamento, de modo que há vias de controle difuso, que segue pelo controle de constitucionalidade e legalidade de atos normativos nos casos em concreto, e a via concentrada de controle de constitucionalidade para análise em abstrato das normas e sua compatibilidade com a Constituição.

A opção é técnica e estratégica, de modo que há possibilidade de ataque quando houver prejuízos em concreto ou para lesões em abstrato (quando a norma por si contraria outra hierarquicamente superior), seja quanto à constitucionalidade ou à legalidade, mas impõe-se que seja observada a norma a que se vai questionar e o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar. Nos casos em concreto, todos as mais variadas instâncias judiciais detém competência, conforme o caso questionado, podendo ser autores os prejudicados; já em abstrato, em se tratando de constitucionalidade o único a julgar é o STF a nível federal e as ações são a ADI, ADC e ADPF, que somente podem ser manejadas pelos legitimados do art. 103 da Constituição.

Em se tratando de Portaria do Ministério ligada às questões de registro sindical, a via de ataque, de regra, não pode ser a do Supremo, a não ser que fique demonstrada a clara divergência com a Constituição. Algo demarcado na ADI nº 4120, em que o Tribunal Pleno do STF, com relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, publicada em 19/10/2018, em que se questionava a constitucionalidade em abstrato da Portaria 186/2008, do então Ministério do Trabalho e Emprego. Entendeu-se que o ato impugnado não detinha densidade normativa, não inovando no tratamento do princípio constitucional da unicidade sindical ou no estabelecimento de direitos ou deveres não previstos originariamente na Consolidação das Leis do Trabalho.

Para tanto, o STF entendeu que a Ação Direita de Inconstitucionalidade não é meio processual idôneo para afirmar a validade constitucional de ato normativo não dotado de normatividade primária. Não aceitou entrar no mérito da questão, deixando a dica para o caso da nova Portaria de Registro Sindical. O que reiterava o disposto no AI nº 861.931-AgR, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado pela Segunda Turma do STF, em 30/06/2015, quando ficou registrado que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a Constituição Federal exige o registro sindical no órgão competente com a finalidade de proteger o princípio da unicidade sindical. Contudo, a forma como deve ocorrer o registro e o procedimento necessário a sua regular constituição são questões sujeitas a regulação pela legislação infraconstitucional.

Para que seja possível a via concentrada impõe-se a demonstração da contrariedade em abstrato, a divergência direta entre a Portaria e a Constituição, senão, resta a via da demonstração da divergência com leis, uma vez que lhe são hierarquicamente superiores, ou danos presentes ou futuros. No contexto atual, pode ser utilizada para demarcar prova da desídia do Estado Parte em caso de esquiva do STF em julgar a matéria e claudicância quanto ao controle de convencionalidade, mas, provavelmente, sem efeitos práticos imediatos internamente, neste momento.

De modo mais seguro, resta-nos a via do controle difuso, tanto de constitucionalidade quanto de legalidade, demonstrando a violação da lei, antes da constituição e os prejuízos gerados ou passíveis de ocorrerem com a aplicação. Verificar quando a portaria em questão ultrapassa os limites dos poderes normativos previstos nas leis e demais normas que lhe são superiores, retificar os excessos, uma vez que contém normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado.

Há ações coletivas próprias com efeitos nacionais em caso de violações em casos concretos, tais como o Mandado de Segurança, a Ação Civil Pública, a Ação Civil Coletiva e ações ordinárias aplicáveis, todas passíveis de utilização pelos sindicatos, federações e confederações.

A inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Público pode ser declarada pelo Pleno ou pelos Órgãos Especiais dos tribunais, conforme competência estabelecida pelo art. 97 da Constituição Federal. 

O incidente de arguição de inconstitucionalidade está previsto nos artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil. Dispõe-se no CPC que após arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.

A título exemplificativo, em um caso ocorrido em Manaus (Processo ArgInc nº 0000123-06.2019.5.11.0000), um trabalhador desempregado interpôs recurso ordinário objetivando obter a declaração do beneficio da justiça gratuita de forma integral, abrangendo também as custas processuais, a fim de que não houvesse nenhum impedimento para ajuizar nova ação. Agiu contra artigo da CLT (§3º do art. 844 da CLT), pós “Reforma”, que condiciona a propositura de nova ação trabalhista ao pagamento de custas processuais pelo beneficiário da justiça gratuita que tiver o processo arquivado após falta injustificada à audiência. Na ocasião, o Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) declarou a inconstitucionalidade do §3º do art. 844 da CLT, cuja redação foi inserida pela Lei 13.467/2017. 

A arguição da inconstitucionalidade teve origem em um processo no qual o reclamante deixou de comparecer à audiência na 17ª Vara do Trabalho de Manaus e, por esse motivo, o juízo de 1º grau o condenou ao pagamento de custas processuais no valor de R$ 562,94, apesar de conceder-lhe os benefícios da justiça gratuita.  

Com relação ao Mandado de Segurança, apesar da existência da Súmula nº 266 (não cabe mandado de segurança contra lei em tese), mas pode ser manejado para casos em concreto para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX, CF/88).

A título exemplificativo, no MS/STF nº 35949, relator Ministro Edson Fachin, com decisão publicada no DJE em 14/11/2018, destacou-se que ao se tratar de ato concreto e impositivo, cujo objetivo é o cancelamento de direitos, cabe Mandado de Segurança, de modo que o relator manteve a decisão liminar em MS, anulando ato do TCU por inconstitucionalidade, demarcando ainda que “não devem prosperar, portanto, os argumentos da União no sentido de invocar a aplicação da Súmula 266, desta Corte”. 

O cabimento de Mandado de Segurança em caso de negativa de registro sindical, de regra é impetrado contra ato do Ministro que, porventura, indefira o requerimento. O STJ, nos termos do artigo , I, b, da Constituição, deve processar e julgar originariamente, daí cabendo, conforme o caso, Recurso Ordinário ao STF. 

Outros casos em concreto, na aplicação de dispositivos pelo ministério, podem ser manejados diretamente na Justiça do Trabalho, como ocorreu na Segunda Turma do TST, em decisão publicada em 06/10/2017 no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista AIRR nº 20408520135100004, Relator Ministro Freire Pimenta, em caso concreto de mora do Ministério na concessão do registro sindical (excedente a 180 dias), entendeu cabível o Mandado de Segurança. Destacou que ficou caracterizada a violação do direito do autor por autoridade, sendo cabível a impetração de mandado de segurança, nos termos do artigo 1º, caput, da Lei nº 12.016/2009 (Lei do MS).

Imagine-se a aplicação de perda de direitos sindicais, tais como a suspensão ou o cancelamento de registro por falta de atendimento dos estatutos sindicais ao disposto na norma de registro sindical, bem como impedimento de repasses federais ou coordenados pela União aos sindicatos por eventual não adequação dos estatutos aos regramentos da Portaria nº 17.593/20. 

A título exemplificativo veja-se o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 0511103-03.2009.4.05.8100, que teve como relator Boaventura João Andrade, na TNU (Turma Nacional de Uniformização) da Justiça Federal, publicado em 13/09/2017. Questionou-se a Portaria nº 07/2006, do Ministério da Educação, ao determinar indistintamente a progressão dos Professores Adjuntos para o nível inicial da classe de Professor Associado, sem considerar o tempo de serviço efetivo de cada um na classe de Professor Adjunto, acabou por violar o regramento insculpido na Lei nº 11.344/2006, exorbitando, assim, o Poder Regulamentar inerente à Administração.

A Universidade Federal do Ceará buscou a reforma de acórdão da 2ª Turma Recursal daquela Seção Judiciária, quando a Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais da 5ª Região, no julgamento do processo nº 0512143-83.2010.4.05.8100, sedimentou o entendimento de que a Portaria nº 07/2006, do MEC violou o regramento insculpido na Lei nº 11.344/2006, exorbitando, assim, o Poder Regulamentar inerente à Administração. Assim, o Poder Judiciário, no caso em concreto, demarcou a nulidade da Portaria por contrariar a lei e afastou a sua aplicação.

Noutra ocasião, veja-se o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 0502390-84.2015.4.05.8308, que teve como relator Boaventura João Andrade, na TNU (Turma Nacional de Uniformização) da Justiça Federal, publicado em 11/09/2017.

A 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Pernambuco declarou, no caso, a inconstitucionalidade do art. 1.º, § 2.º, da Portaria MF n.º 156, de 24 de junho de 1999, assim como do art. 2.º, § 2.º, da Instrução Normativa SRF n.º 96/1999, em ordem a reconhecer o malferimento ao princípio da legalidade ao estabelecer que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas como requisito para o gozo da isenção do imposto de importação incidente sobre a remessa postal internacional (art. 2.º, II, do Decreto-Lei n.º 1.804/1980). Destacou-se que a Portaria MF nº 156/1999 extrapolou os limites traçados pelo Decreto-Lei 1.804/1980 ao realizar restrição atinente à natureza jurídica das pessoas envolvidas na importação.

Assim, o Poder Judiciário percebeu o desvio dos limites da delegação que foi conferida por Decreto ao Ministro da Fazenda, manifestada por Portaria, exorbitando o poder regulamentar e afigurando-se ilegalidade que foi afastada na ação.

Ademais, também a o caminho do controle de convencionalidade dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos ratificados, tais como o Protocolo de São Salvador, mencionado acima, é imprescindível a ser inserido nas petições e para manejar denúncias junto a CIDH e a OIT/ONU.

Para perceber o modo de encaminhar a matéria a nível internacional, torna-se relevante observar os posicionamentos em matéria sindical dos integrantes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como se observará a partir de agora em termos de opinião consultiva.

A opinião consultiva é um meio que a Corte interpreta dispositivos da Convenção Americana a partir de perguntas feitas pelo solicitante e de formação de normas/jurisprudência sobre os temas em questão.

No dia 31 de julho de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou na Secretaria da Corte Interamericana de Direitos Humanos um pedido de parecer consultivo a fim de que o Tribunal interprete e determine o ‘Alcance das obrigações dos Estados, conforme o Sistema Interamericano, sobre as garantias da liberdade sindical, sua relação com outros direitos e sua aplicação desde uma perspectiva de gênero’, de acordo com artigo 64.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Em decisão importante, na Opinião Consultiva (OC) da Corte (CIDH) nº 22, de 26 de fevereiro de 2016, atendendo a solicitação da República do Panamá diretamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), demarcou-se a legitimidade das entidades sindicais de peticionarem diretamente junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com possível exposição e punição de governos que ajam de forma arbitrária.

Conforme o item 97 da OC 22/16 a Corte considera que a interpretação mais favorável do artigo 8.1.a leva a entender que ali são consagrados direitos em favor dos sindicatos, das federações e das confederações, dado que são interlocutores de seus associados e buscam salvaguardar e zelar por seus direitos e interesses. E ressalta que chegar a uma conclusão diferente implicaria excluir o efeito da Carta da OEA e, portanto, desfavorecer o gozo efetivo dos direitos nela reconhecidos.

Em razão desse reconhecimento, a Corte concluiu a titularidade dos direitos estabelecidos no artigo 8.1.a do Protocolo dos sindicatos, das federações e das confederações, o que lhes permite se apresentar perante o sistema interamericano na defesa de seus próprios direitos. Considera relevante lembrar que em razão do disposto pelo artigo 44 da Convenção Americana, os sindicatos, as federações e as confederações legalmente reconhecidos em um ou mais Estados Parte da Convenção, façam ou não parte do Protocolo de San Salvador, podem apresentar pedidos individuais perante a Comissão Interamericana em representação de seus associados, em caso de uma presumida violação dos direitos de seus membros por um Estado Parte da Convenção Americana.

O questionamento restante é a regra do esgotamento dos recursos internos para que haja provocação nos sistemas internacionais, regra que tem exceções e vasta jurisprudência da corte atendendo ao disposto no Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Conforme o artigo 31.1, do Regulamento, com a finalidade de decidir quanto à admissibilidade do assunto, a Comissão verificará se foram interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos.

Porém, tais disposições não se aplicam em três hipóteses nos termos do art. 31, 2, do Regulamento da CIDH. É possível ir diretamente à CIDH quando não exista na legislação interna do Estado de que se trate o devido processo legal para a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido violados; não se tenha permitido ao suposto lesado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou haja sido impedido de esgotá-los; ou haja atraso injustificado na decisão sobre os recursos utilizados.

Relembre-se que, conforme o art. 31.3, quando o peticionário alegar a impossibilidade de comprovar o requisito indicado neste artigo, caberá ao Estado em questão demonstrar que os recursos internos não foram previamente esgotados, a menos que isso se deduza claramente dos autos. Por isso o caso da inércia ou recusa do STF poder ser utilizado como um meio de prova, em contraposição à avalanche de decisões que costuma tomar contra as mais variadas portarias, com exceção das de matéria trabalhista.

Em paralelo, pode-se manejar ações junto ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seja via Comissão, seja via Corte Interamericana de Direitos Humanos. Algo que necessita de profissionais capacitados na matéria de Direito Internacional do Trabalho com Direitos Humanos, para que possa ser devidamente fundamentada a atuação em paralelo, em detrimento da espera passiva das instâncias ordinárias nacionais.

De modo sintético, está posta a viabilidade do manejo pelo controle concentrado de constitucionalidade junto ao STF, mas, a atual conjuntura do STF, tem rejeitado conhecer das últimas ações propostas. Com relação à via de controle difuso, nos casos em concreto, para alinhamento tanto de casos danosos, conjuntamente com controle de constitucionalidade e de convencionalidade (dos tratados internacionais), é bem adequada e estratégica.

 

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