Discurso
do representante dos trabalhadores brasileiros, Antonio DE LISBOA AMANCIO VALE
Saudamos a todos os presentes nesta 108ª
Conferência Internacional do Trabalho.
Hoje estamos aqui reunidos para discutir o
processo de elaboração e os efeitos nefastos da Reforma Trabalhista brasileira,
lei 13.467/2017, e como o Brasil tem, de forma reiterada, violado os termos da
Convenção 98.
A Reforma Laboral brasileira foi aprovada prometendo
modernizar as relações de trabalho, gerar empregos, promover mais e melhores
negociações coletivas e combater a informalidade. Nenhuma dessas promessas foi
cumprida!
Horácio Guido (Coordenador da Comissão de Aplicação de Normas da OIT - 108ª CIT) e Clovis Renato (Assessor Técnico da CSB na OIT) |
Ainda em 2017, mesmo antes da aprovação da lei, registramos
nossas preocupações a esta organização. O Relatório do Comitê de Peritos daquele
ano alertou para os possíveis impactos da reforma e lembrou que, em decorrência
da interpretação da convenção 98, em conjunto com a Convenção 154, as negociações
coletivas têm como finalidade aumentar a proteção social. Jamais diminuí-la!
Em 2018, o
Brasil foi analisado perante esta Comissão e tanto o governo, quanto os
empregadores argumentaram que não havia violação às normas desta Casa, que a
lei 13.467 promovia mais e melhores negociações coletivas e que a ausência de
dados comprometia qualquer análise do caso.
E hoje, dois anos após a aprovação da Lei, quais
são os resultados?
De acordo com a pesquisa mais recente do IBGE,
órgão oficial do governo, o desemprego no Brasil atingiu 12,5% da população
economicamente ativa no primeiro trimestre de 2019, diante de 11,8% do último
trimestre de 2017 - momento em que a lei
entrou em vigor. Ou seja, desde a efetivação da Reforma Trabalhista, aumentou
em cerca de um milhão o número de brasileiros desempregados. O trabalho informal teve alta de 4,4% em
comparação com o primeiro trimestre de 2018 e o número de desalentados (trabalhadores
que desistiram de procurar emprego) bateu recorde.
De acordo com a FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas,
ligada à Universidade de São Paulo, umas das mais respeitadas do Brasil, entre
2017 e 2018 as negociações coletivas tiveram uma queda da ordem de 45,7%, como
resultado direto da Reforma Trabalhista. Ou seja, de um ano para outro, quase
metade da cobertura e proteção coletiva simplesmente deixou de existir.
Some-se à vertiginosa queda do número de negociações
coletivas, a possibilidade de que individualmente trabalhadores sejam obrigados
a renunciar aos direitos garantidos por acordos e convenções coletivas; de que
um acordo revogue cláusulas de convenções mais benéficas aos trabalhadores; de
existência de contratos precários ou que buscam mascarar a relação de trabalho.
Tudo isso, na prática, significa retirada de direitos.
A lei 13.467 inverteu de forma inédita a hierarquia
das normas laborais. Ao invés de construir uma cadeia crescente de proteção, em
que a lei é a base sob a qual se edificam direitos pactuados via negociação
Coletiva, subverte-se essa lógica para permitir que até mesmo um acordo
individual prevaleça sobre a lei, sobre acordos e convenções coletivas,
violando claramente a Convenção 98.
Para nós, esta lei é um retorno aos patamares de
relações de trabalho de 100 anos atrás e representa um fracasso na busca pela
justiça social.
Não bastasse isso, está em curso uma verdadeira
perseguição aos sindicatos com o objetivo de diminuir nossa capacidade de
atuação e de realizar negociação coletiva livre e voluntária.
Em março deste ano, o Governo, sem qualquer
consulta tripartite ou diálogo social, editou a Medida Provisória 873 (decreto
presidencial que tem força de lei), na qual proíbe que empregadores e
trabalhadores negociem livremente quotas de sustentação financeira, aprovadas em assembleias. Uma enorme contradição
com a promessa de promoção da livre negociação entre as partes.
É impossível fortalecer a negociação coletiva num
país onde a lei impede que trabalhadores e empregadores estabeleçam livremente
os termos do financiamento sindical.
Senhor Presidente, denunciamos aqui a completa
ausência de diálogo social e tripartite neste processo, mesmo com todas as
recomendações e observações feitas pelo Comitê de Peritos nos últimos três anos.
No relatório de 2019 - página
63 da versão em espanhol, os peritos “solicitam ao Governo que adote, em consulta
com os interlocutores sociais mais representativos, as medidas necessárias para
revisar os artigos 611-A e 611-B da CLT a fim de enquadrar de maneira mais precisa
as situações em que as cláusulas sobre exceções à legislação poderiam ser
negociadas, assim como seu alcance”.
Perguntamos: - houve alguma reunião tripartite
para atender às solicitações do comitê? Se houve, quando? Onde? Quem participou?
Em realidade, a prática do governo brasileiro nestes
últimos anos é de extinguir ou esvaziar os espaços tripartites institucionais,
como o Conselho Nacional do Trabalho, que nunca mais se reuniu. O desrespeito
ao diálogo social no país é tão grave que o Governo extinguiu recentemente, sem
nenhuma consulta, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e o
Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Ambos, espaços de
composição tripartite. A extinção desses organismos é tão absurda que a nosso
ver, só pode ser parte do cumprimento da orientação do Presidente da República,
que, por mais de uma vez, já declarou que os trabalhadores brasileiros terão
que escolher entre “ter trabalho ou ter direitos, pois é impossível ter os
dois”. Não só isso, o governo extinguiu o próprio Ministério do Trabalho.
Mais um argumento falacioso que repudiamos, é o de
que não há casos concretos de violação à Convenção 98 ou de retirada de
direitos após a aprovação da reforma trabalhista. Poderíamos citar inúmeros
casos, mas vamos nos ater a dois.
- Uma universidade privada que atua no Brasil
inteiro, dias após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, demitiu mais de
1200 professores com a intenção de recontratá-los com salários mais baixos e
sem a proteção da convenção coletiva.
- No início deste ano, pilotos de aeronaves foram
surpreendidos com um contrato individual formulado por seus empregadores no
qual esses trabalhadores concordariam em abrir mão dos direitos previstos em
acordos e convenções coletivas. Tais ataques aos trabalhadores só não se
efetivaram porque a justiça interveio. Registramos aqui que há inúmeras ações
judiciais em varas e tribunais do trabalho no país.
Senhor Presidente, esta Conferencia comemora o
100º aniversário desta organização. E serve para refletirmos sobre tudo o que a
OIT foi capaz de construir pela paz e justiça social. Estamos aqui com a
esperança que essa organização continue desempenhando seu papel. É muito
preocupante, muito decepcionante até, que representantes governamentais e de
empregadores não reconheçam o valor da OIT e do sistema de normas na construção
do equilíbrio necessário para a paz mundial. Atacar o sistema de normas da OIT
neste momento, é atacar a própria organização e o multilateralismo. Nós,
trabalhadores brasileiros, caminhamos em outro sentido. Caminhamos no sentido de
fortalecer a OIT, o sistema de normas, os peritos e o multilateralismo.
Sabemos que o diálogo social tripartite é a pedra
angular desta organização. Nós sempre estivemos abertos ao diálogo e foi justamente
a falta dele que nos trouxe aqui. O papel mediador desta organização é
fundamental. Neste sentido, solicitamos o apoio da OIT, com o objetivo de
reabrir o diálogo social no Brasil, hoje completamente inexistente. Senhor
Presidente, assim como em 2018, iremos disponibilizar ao comitê de peritos
todos os dados citados aqui. E ressaltamos que audiência pública feita pelo
parlamento não é tripartismo!
Muito obrigado.
Fontes:
Texto gentilmente cedido pelo autor: Lisboa
Fotos retiradas das postagens dos membros da Comissão dos Trabalhadores na 108ª CIT, presentes representando os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, durante a Confefência.
Entenda o funcionamento da 108 CIT
Fontes:
Texto gentilmente cedido pelo autor: Lisboa
Fotos retiradas das postagens dos membros da Comissão dos Trabalhadores na 108ª CIT, presentes representando os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, durante a Confefência.
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