Francisco Gérson Marques de
Lima
(Doutor, Professor da UFC, Tutor
do GRUPE, Procurador Regional do Trabalho)
Resumo: O modelo de custeio
sindical, conforme negociado para minuta de futura Medida Provisória, constitui
abertura para mais intervenção pelo Estado. A dita MP, aliás, talvez sequer
seja aceita pela Câmara dos Deputados, o que significa ruptura de acordos
realizados no processamento da reforma trabalhista.
Reforma sindical:
Escutei do sindicalista Antonio
Neto (CSB) que “hoje é o amanhã que tanto
temíamos ontem”, referindo-se à reforma trabalhista aprovada pelo Senado
Federal, no dia 11.07.2017, ontem, a qual segue para sanção presidencial. De
fato, o Direito do Trabalho não será
mais o mesmo, tão profundas foram as mudanças.
Mas
não é hora de choramingar. É tempo de mais luta, de mais entusiasmo. Os
desafios estão postos. Assim é o ciclo vital.
Como doutrinador, minha
contribuição está no campo intelectual, subsidiando a melhor aplicação do
Direito.
Custeio
sindical:
Na avalanche da reforma
trabalhista, a qual torna voluntária a contribuição sindical dos arts. 578 e
579, CLT (antigo “imposto sindical”), as Centrais e outras entidades sindicais
negociaram com o Senado Federal e o Presidente da República o texto de uma
futura Medida Provisória, que promoveria algumas imediatas mudanças ao texto
que viesse a ser aprovado na casa alta do Legislativo. Existem alguns textos
que, supostamente, seriam a minuta da MP. Mas alguns pontos são comuns, pelo
que se tem que há uma minuta real. Trate-se, aqui, do comum.
No acordo, a MP criaria uma
contribuição compulsória a empregados e empregadores, associados ou não, em
benefício da entidade sindical respectiva. Seria uma forma de compensar a
extinção da obrigatoriedade da contribuição tradicional. A minuta do texto
condiciona a nova contribuição à negociação coletiva, fixada em valor razoável
na assembleia da categoria. Não traz
nenhuma disposição sobre ética sindical, conduta antissindical nem combate às
más práticas sindicais. Lacuna que significa um grande erro.
Dá para imaginar que tipo de
negociação poderá ser feita por alguns sindicatos, com o único intuito de obter
custeio. Ou seja, certas negociações serão falaciosas ou prejudiciais aos
trabalhadores, já que a preocupação principal não serão as conquistas sociais,
mas sim a justificativa para cobrar a tal contribuição. A minuta do texto da MP não faz nenhuma referência às negociações
prejudiciais, às que retiram direitos ou às que simplesmente dizem o
óbvio.
Outro ponto é o que se entende
por valor “razoável”, que se trata de conceito indeterminado. A redação proposta não traz nenhum critério
para auxiliar na objetivação ou no estabelecimento de parâmetros. Algum
limite precisa ser criado, determinados norteamentos são necessários para
evitar que diretorias mal intencionadas usem a autorização de forma abusiva.
Poderiam ser critérios fundados nas conquistas negociadas, nos reajustes
obtidos, no piso salarial majorado e no número de membros da categoria, por
exemplo.
Da maneira como a redação se
encontra proposta, a intervenção do Estado (MPT e Justiça do Trabalho) se
tornará mais frequente. É que o Poder Público será provocado por quem se sinta
prejudicado ou insatisfeito com a cobrança, provavelmente até por incentivo de
empresas, sobretudo em face das parcas conquistas oriundas da negociação. O
questionamento básico será a ausência de razoabilidade na fixação do valor. À
míngua de critérios legais, o MPT e o Judiciário vão acabar estabelecendo-os. E
toda a discussão existente hoje sobre a taxa assistencial vai ganhar
potencialidade na nova contribuição. Novamente, os justos (bons sindicalistas)
pagarão pelos pecadores (maus sindicalistas).
Ou seja, ao negociar a minuta da MP, os sindicatos entregam ao Poder Público sua
forma de custeio e, com ela, sua sobrevivência. Legitimam a intervenção na
organização sindical.
Reforma trabalhista: a primeira
negociação coletiva:
Um dos pontos estruturais da
reforma trabalhista é a prevalência do negociado sobre o legislado. A
resistência a esta inversão do ordenamento decorre do receio sobre a qualidade
das negociações coletivas, da falta de representatividade de muitas entidades
sindicais e das dificuldades que o movimento sindical (laboral) vem
enfrentando, mergulhado em muitos desafios. Também, preocupa a cultura do
empresário brasileiro, ressalvadas as justas exceções, que resiste às
negociações e tende a flexibilizar ainda mais os direitos trabalhistas.
As negociações coletivas, no
Brasil, não se dão com transparência e, muitas vezes, não são marcadas pela
boafé.
A primeira negociação coletiva,
no presente momento, ocorre em plano nacional, envolvendo a classe política, os
Poderes Legislativo e Executivo e o movimento sindical. Voltando ao início
deste paper, temos um exemplo claro do que tendem a ser as negociações com o
Poder Público. Os envolvidos travam consensos, os sindicatos cumprem a sua
parte e, quando chega a vez do Poder Público, as autoridades traem o acordo.
Num país que vive uma nítida
crise política, a Câmara dos Deputados não respeita o Senado Federal nem, muito
menos, o Presidente da República, que, aliás, já cumpriu sua função no cargo,
como marionete a serviço dos interesses do capital, e pode, agora, ser descartado
pelo poder econômico. Alguns senadores negam conhecer o acordo. E comentários
correm na imprensa de que o próprio Presidente da República tenha interesse em
manter o pacto.
O Senado desempenhou suas funções em regime de urgência, ratificando integralmente
o texto da Reforma, proveniente da Câmara, sob a condição de que uma MP seria
editada pelo Presidente da República com a finalidade de promover pequenos
acertos ao texto. Hoje, um dia após
a aprovação da reforma pelo Senado, no entanto, o Presidente da Câmara dos
Deputados declara que a Casa Legislativa não aceitará nem aprovará o texto
negociado pelas outras instâncias do Poder Público para a edição da MP. E alguns senadores se passam por
desentendidos, que não lembram de acordo algum. Um desrespeito vergonhoso a
princípios básicos das negociações coletivas (boa-fé, vinculação de
compromissos). É má-fé, também, quando
a Câmara sabe, como todo mundo sabia, das negociações travadas pelo Senado com
o Presidente da República e sindicalistas e se cala, para só se manifestar
quando é chegada a hora de cumprir os compromissos, negando-os. É má-fé quando autoridades afirmam
compromissos e, depois, relegam pactos. E ainda dizem os doutrinadores que o Estado é não age sem ética.
Nasce,
assim, a primeira negociação coletiva no Brasil realizada na reforma
trabalhista, pendente de sanção presidencial. Ou seja, há indícios de que a negociação nacional
está manchada por má-fé. Novamente
ludibriaram os sindicatos, que correm o risco de ficarem sem custeio e descrentes
das negociações coletivas.
Conclusão:
Como dito no início deste paper, ainda há muita luta a ser travada. A
reforma trabalhista é apenas o início de novos desafios. O Brasil vai passar por uma reconstrução da jurisprudência, formulação de
novas doutrinas e várias cobranças do movimento sindical. O MPT terá muito
o que fazer nos próximos anos, até para auxiliar em negociações adequadas e
promover o diálogo social.
Os sindicatos não devem passar a mensagem para seus representados e para a
população brasileira de que seus esforços estão concentrados unicamente no
custeio sindical, mesmo em detrimento dos direitos sociais. Sem desespero,
o discurso precisa ser construído de forma amadurecida, a fim de propiciar
atuação mais segura. A hora é de reestruturar
o sindicalismo com o que se tem e com o que ele oferece de melhor,
independentemente de Medida Provisória. E quem pode promover esta preparação é, exatamente, o próprio
sindicalismo, sem intervenções nem interferências do Poder Público.
A
reforma trabalhista não é o fim. É um recomeço, com todos os desafios inerentes
a este fenômeno.
Os desafios devem ser enfrentados, mesmo que as entidades sindicais
recomecem mais pobres e o Poder Público nem sempre aja de boa-fé. A atuação
deve ser feita mesmo sem confiança no Estado, mesmo sem crença em autoridades
políticas. É reconhecer que determinadas comodidades acabaram e partir para a
ação, prosseguindo no que já se fez e criando novos mecanismos de defesa dos
direitos sociais.
Fonte: Excola
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